
Assim, de maneira direta e incisiva, o senador Hélio José (Pros/DF) apresentou nesta segunda-feira (23) o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência do Senado, resultado de seis meses de audiências públicas, estudos e análises de diversos especialistas, entidades governamentais, sindicatos, associações, empresas, parlamentares, auditores e membros do Ministério Público e da Justiça do Trabalho sobre o tema. Durante o período em que esteve em vigor, depois de instalada no fim de abril deste ano, a CPI examinou a contabilidade, as fontes de custeio, os benefícios e os aspectos controversos que envolvem a necessidade de recursos para o financiamento do sistema, especialmente o Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
No fim da leitura do seu relatório, concluída às 22h10, o parlamentar de Brasília sugeriu que os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e da Casa Civil, Eliseu Padilha, sejam indiciados por terem fornecidos dados enganosos à CPI. A alegação é de que ambos os ministros repassaram informações não confiáveis, mentirosas e falaciosas, para defender a necessidade da reforma da Previdência junto aos parlamentares e junto à população brasileira.
A principal constatação do texto, com base no princípio de que aumentar a proteção social é um desafio que deve ser encarado como prioridade por qualquer governo, é de que “existem milhões de brasileiros desprotegidos que necessitam de um plano de inclusão previdenciária absolutamente sério, que não tenha como única premissa básica contribuições individuais, mas solidárias e seletivas que agreguem recursos para o financiamento de uma ampla e verdadeira seguridade social”.
O relatório contém 253 páginas e conclui ser preocupante a tendência dominante de que a Previdência Social é um problema, “quando, na verdade, é dela que surgem as melhores soluções para o desenvolvimento de uma nação forte economicamente”. No relatório, o senador brasiliense faz uma análise histórica sobre o sistema da seguridade social no Brasil, chegando à conclusão de que o orçamento da Previdência começou a ser deturpado de forma relevante ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, que editou Medida Provisória sobre o tema em 2001.
O texto afirma que a MP do governo tucano causou a “morte” da visão sistêmica e integrada da seguridade social, retirando a possibilidade de compensação financeira entre a saúde, a previdência e a assistência social, que são os três pilares do sistema. Eis o que diz o senador no relatório: “Com a efetiva desintegração dessas três áreas, saúde, previdência e assistência social ganharam uma perversa autonomia tanto financeira quanto de gestão, em detrimento de uma ação coordenada e sistêmica. O chamado orçamento da Seguridade Social, previsto na Constituição de 1988, passou a ser apenas uma peça demonstrativa sem qualquer utilidade estratégica”.
“Não conseguimos enxergar deficit. O que conseguimos aqui, com toda a investigação feita, foi provar que existe superávit na Previdência”, esclareceu. O parlamentar acusou o governo de manipular dados para forçar a aprovação da PEC 287, de 2016 – referente à reforma da Previdência, em tramitação na Câmara dos Deputados. Ele admitiu que, tecnicamente, é possível afirmar que “eventual resultado negativo na Previdência ou na Seguridade deve ser observado sob o prisma do conjunto agregado das contas públicas, que poderá resultar em deficit ou superávit, a depender do comportamento da arrecadação ou da administração das despesas em um determinado exercício fiscal”.
Já o presidente da CPI, senador Paulo Paim (PT/RS), afirmou que não há necessidade da reforma com base nos dados apurados pela Comissão Parlamentar de Inquérito, que reuniu 260 documentos de diversas entidades, 31 tabelas e 15 gráficos, ouvindo ainda 140 pessoas em audiências públicas e debates. “A recomendação feita é para haja uma reformulação no sentido de aprimorar a gestão sem tirar direitos dos trabalhadores”, disse Paim.
Segundo o parlamentar gaúcho, “o problema da Previdência é provocado pela falta de fiscalização e de combate à sonegação”. Tanto que, de acordo com ele, muitos dos depoentes ouvidos pela CPI criticaram ações do governo como o perdão de dívidas de empresas por meio do Refis, havendo ainda o registro de delitos de diversos tipos, como desvios, fraudes e sonegações.
Recomendações feitas pelo relatório
O relatório da CPI da Previdência apresenta a minuta de dois Projetos de Lei (PLs) e quatro Propostas de Emenda à Constituição (PECs). Uma das alterações propostas é para que sejam retiradas da contabilidade relativa à Previdência as despesas com pagamentos de benefícios de aposentadoria e pensão dos servidores públicos civis e militares. Também é proposto a desconsideração de renúncias e desonerações diversas que impactam diretamente nas contas do setor, combinada com a extinção do Refis na sua atual concepção.
O documento recomenda também maior apuro com fraudes e erros nos pagamentos de benefícios previdenciários, com implantação de medidas como a reestruturação das auditorias fiscais, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e de serviços do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). É solicitada ainda que seja revista a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, assim como o sistema que permite a decadência dos débitos originados por contribuições sociais.
Uma constatação feita pelos senadores que integram a CPI: se os recursos que hoje são sonegados fossem recuperados, se houvesse cobrança efetiva aos grandes devedores, e passassem a ser estabelecidos outros critérios aos programas de isenção fiscal em vigor, o Brasil teria um fundo de R$ 3 trilhões para a Previdência Social. É apontado ainda o cenário de que “as desonerações, isenções, desvinculações de receitas próprias e vinculadas ao sistema de seguridade social fazem decrescer os recursos destinados à proteção social eficiente e culminam por gerar um deficit absolutamente artificial quando considerados os recursos subtraídos”.
Entre os principais devedores da Previdência, estão empresas como a JBS, com um passivo de aproximadamente R$ 2,1 bilhões, seguida de perto pela Associação Educacional Luterana do Brasil (R$ 1,8 bilhão), Marfrig Globoal Foods (R$ 1,1 bilhão), Caixa Econômica Federal (R$ 1,2 bilhão), Banco do Brasil (R$ 1,1 bilhão), entre outros.
Para o presidente da Fenae, Jair Pedro Ferreira, o relatório da CPI da Previdência será fundamental para que a PEC 287/16 seja enterrada. “Apesar de ser vendida como necessária por causa do ajuste fiscal, a reforma da Previdência leva a uma mudança profunda no modelo da Constituição de 1988, que introduziu direitos iguais entre trabalhadores rurais e urbanos, culminando na cidadania social no país. E não podemos permitir essas alterações que agridem os direitos dos trabalhadores”, destacou.
Jair Ferreira também disse que “a aprovação da PEC 287 poderá significar o fim da Previdência Social pública em favor de um projeto privatista para o sistema, que poderá levar à perda de direitos, à redução de benefícios e ao desmonte definitivo do Estado de Bem-Estar Social”.
Votação
Após um pedido de vista coletiva, com mais tempo para analisar o parecer, o relatório da CPI precisa ser votado até o dia 6 de novembro, quando termina o prazo de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito. Existe a possibilidade de que o texto do senador Hélio José seja apreciado até a próxima semana, quando os senadores que compõem a CPI vão analisar a proposta e propor emendas à versão do parlamentar brasiliense.