O
governo federal prepara uma estratégia para turbinar as ações
contra empresas culpadas por acidentes de trabalho de seus
funcionários. A projeção é dobrar, até 2017, o ritmo
apresentação de processos de cobrança à Justiça, e priorizar os
casos coletivos, em que INSS busca ressarcimento pelos benefícios
pagos a centenas de empregados de um mesmo patrão. Representantes de
empresários afirmam temer responsabilizações indevidas.
Quando
um acidente de trabalho causado pelo empregador leva à concessão de
um benefício previdenciário – como auxílio-doença ou pensão
por morte, pago à família da vítima – o INSS pode ir à Justiça
para reaver os recursos.
A cada ano, cerca de 400 ações de
cobrança desse tipo – conhecidas como regressivas – são
levadas à Justiça. O número de benefícios previdenciários
decorrentes de acidente de trabalho, entretanto, é bem maior: em
2013, último dado consolidado, 377 mil novos foram concedidos pelo
INSS.
Embora nem todos sejam de responsabilidade do
empregador, a Procuradoria-Geral Federal (PGF), que representa o
governo na Justiça, considera que o número de processos é tímido
demais. Para elevar o volume de ações, o órgão criará neste
ano um grupo especializado nessas ações, diz o chefe da Divisão de
Gerenciamento de Ações Regressivas e Execução Fiscal Trabalhista
da PGF, Nícolas Calheiros. A ideia é chegar a cerca de 800
processos por ano em 2017.
“Essa média [de
400 por ano]
é muito baixa. O número de acidentes é muito maior. O problema
[então]
está dentro, na estrutura da casa [PGF].
Aí a gente resolveu pela primeira vez pensar numa especialização.
Ou seja, [ter]
alguns procuradores federais [que]
só atuem no ajuizamento dessas ações regressivas”, diz
Calheiros. “E para esses procuradores especializados vai haver
metas de ajuizamento, acompanhamento próximo da Procuradoria-Geral
Federal (PGF).”
A segunda medida é a assinatura de um
convênio com o Ministério Público do Trabalho (MPT) para a
definição de estratégias comuns nacionais de combate à
insegurança no trabalho e troca de informações. “Esse grupo
vai fornecer os dados para que aqueles procuradores, que vão ser
especializados, passem a ajuizar de uma forma mais eficaz [as
ações regressivas]”,
afirma Calheiros. O MPT não comentou.
Coletivas
– A
elevação no valor dos processos virá da priorização das ações
coletivas, em que a cobrança envolve centenas de benefícios pagos
pelo INSS. Nesses casos, o valor exigido das empresas está na casa
dos milhões de reais.
“As ações coletivas têm um
impacto pedagógico muito maior do que uma ação individual porque a
empresa de fato vai ser obrigada a perceber os riscos sociais [de
sua atividade].
E o retorno financeiro é maior”, diz o
procurador-federal.
Atualmente, a AGU tem três ações
coletivas, nas quais busca o ressarcimento de pouco mais de 900
benefícios do INSS. Em um dos casos, o governo acusa a Contax, que
atua no ramo de telermarketing, de obrigar o INSS a pagar 330
auxílios-doença a funcionários que sofreram lesões por esforço
repetitivo, doenças de olho e do aparelho respiratório, além de
nove casos de transtornos mentais decorrentes do que os procuradores
consideram “gestão desumana” adotada pela companhia. O valor
total da cobrança não foi calculado.
Em nota, a Contax
afirma que apresentou seus argumentos à Justiça e que não houve
decisão até o momento. A empresa, que tem 60 mil funcionários,
argumenta que cumpre a legislação trabalhista e se mantém aberta
ao diálogo com o Ministério do Trabalho.
As
outras duas ações foram movidas contra frigoríficos. Do Doux
Frangosul, o governo espera receber cerca de R$ 720 mil
referentes a 111 benefícios pagos a abatedores que desenvolveram
doenças por causa d “condições de labor inadequadas”.
Da Big Frango (hoje JBS), a expectativa é obter R$ 3,6 milhões por
cerca de 500 benefícios previdenciários decorrentes de
amputações, fraturas e outras lesões.
A
JBS informou que ainda não foi notificada do processo. Advogado da
Doux Frangosul, Anderson Vilela Vianna afirma que houve
irregularidades no processo administrativo do INSS em que a empresa
foi responsabilizada pelos problemas enfrentados pelos trabalhadores,
e que foram cobrados benefícios pagos mais de três anos antes da
apresentação da ação à Justiça, o que não seria
possível.
Vianna também questiona como o governo conseguiria
comprovar, nos processos coletivos, que os empregadores tiveram culpa
nos acidentes – condição necessária para que haja cobrança de
ressarcimento.
“O
que a gente teme é que nas ações coletivas [a
culpa dos patrões]
não seja analisada devidamente pelo Judiciário”, afirma. “O
Judiciário vai ter de se debruçar sobre as ações regressivas,
principalmente as coletivas. Está havendo um exagero nas ações
regressivas, uma sanha arrecadadora.”
Gerente Jurídico da
Confederação Nacional da Indústria (CNI), Cassio Borges avalia que
nem sempre o governo têm “atentado” para a obrigação de
provar a culpa dos empregadores pelos acidentes ao propor ações
regressivas, e teme que o problema se agrave nos processos
coletivos.
“No momento em que há necessidade de
caracterizar essa conduta negligente do empregador, você corre o
risco de, em medidas coletivas, ter uma dificuldade dessa
caracterização que muitas vezes é individual, que vai variar de
empregador para empregador.”, afirma. “O receio justamente nessas
medidas coletivas é que o Estado, no momento em que venha cobrar [o
ressarcimento],
justamente queria passar por cima disso e venha tratar tudo como uma
questão homogênea.”