Combate ao trabalho infantil precisa quebrar círculo vicioso da pobreza

O dia 12 de junho foi escolhido pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT) como o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. Em
2014, como a data coincide com a abertura da Copa do Mundo no Brasil, a
Justiça do Trabalho decidiu antecipá-la para esta terça-feira, dia 3 de
junho, com uma série de atividades que dão ênfase à conscientização da
sociedade para a gravidade do problema (confira aqui algumas das
iniciativas).

Segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD), concluída em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), existem no Brasil 3,5 milhões de crianças e
adolescentes, entre cinco e 17 anos, em situação de trabalho infantil.

Para o ministro Lelio Bentes Corrêa, do Tribunal Superior do Trabalho,
coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Infantil no âmbito da
Justiça do Trabalho, a data é um convite à reflexão e à sensibilização.
“Temos criado materiais de trabalho e de esclarecimento para a
sociedade, como a cartilha 50 Perguntas e Respostas sobre Trabalho
Infantil, e o manual Trabalho Infantil: Um Novo Olhar, distribuído a
todos os juízes do trabalho no Brasil. E temos o nosso sítio na internet
onde se pode consultar e ter acesso à bibliografia e a todas atividades
da comissão”.


Círculo vicioso

Mesmo com o aumento da conscientização social, Lelio Bentes lembra que
existe o fato econômico, que classifica como “círculo vicioso da
pobreza”: pais pobres levam seus filhos a trabalhar e essas crianças,
por não terem acesso à educação, passam a ser elas próprias pais pobres
que também levarão seus filhos a trabalhar no futuro. “É preciso quebrar
esse círculo”, afirma.

“Essas pessoas têm muito poucas escolhas”, reforça Beate Andrees, chefe
do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da OIT. Um elemento
fundamental para superar essa condição é a implementação de políticas
públicas que possam alcançar as famílias em situação de carência – e o
exemplo do Brasil é reconhecido pela própria OIT, que recomenda a
ampliação da proteção social às famílias. “No Brasil, podemos ver
algumas boas práticas de medidas preventivas nesse sentido, sobretudo
nas zonas rurais”, afirma Andrees.

Lelio Bentes ressalta que, embora as políticas públicas existam, falta
sobretudo investir na qualidade do ensino e na distribuição de renda. “É
absolutamente fundamental criar alternativas de geração de emprego e
renda e de qualificação profissional dos adultos para que seus filhos
possam ter acesso à escola e ali se preparar para uma vida produtiva no
futuro”, defende. “E a escola precisa ser atrativa e de tempo integral,
para que esses meninos possam estar protegidos enquanto seus pais
trabalham”.

Outro ponto reforçado na discussão sobre a erradicação do trabalho
infantil diz respeito à aplicação rigorosa da lei. “Tanto a fiscalização
do trabalho como o Ministério Público e a Justiça do Trabalho têm
estado bastante atentos e atuado no lado repressivo”, assinala o
magistrado.

As condenações impostas pela Justiça do Trabalho, sobretudo a partir de
ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público, também
repercutem positivamente. “Há muitos casos judiciais bem sucedidos no
Brasil, com milhões de reais pagos em indenizações”, assinala Beate
Andrees. “É realmente um exemplo a ser seguido”.


Redução

A coordenadora do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho
Infantil da OIT, Maria Cláudia Falcão, diz que a redução do problema no
Brasil é reconhecida internacionalmente. De 1992, quando se começou a
medir o número de crianças ocupadas, a 2012, houve uma redução de 58%.
“Em 1992 eram oito milhões de crianças em situação de trabalho infantil
e, de acordo com a PNAD de 2012, em 2012 esse número foi reduzido para
3,5 milhões. Ou seja, houve uma redução de 4,9 milhões de crianças”,
assinala.

Para Lelio Bentes, a Justiça do Trabalho tem uma contribuição decisiva
para esses resultados. “A CLT foi escrita na década de 40 e, de lá pra
cá, houve mudança tanto na legislação como na Constituição”, explica. “A
Emenda Constitucional 45 atribui ao juiz do trabalho a competência para
lidar com os assuntos do mundo do trabalho. Essa é uma responsabilidade
nossa, da Justiça do Trabalho, e os juízes estão bastante preparados
para fazer frente a essa responsabilidade”.


Fator cultural

Além dos fatores socioeconômicos, um ponto pacífico em toda discussão
sobre trabalho infantil é a questão cultural – a ideia de que o
trabalho, sobretudo para a criança pobre, é a opção “menos ruim”. Um
dado relativamente surpreendente da PNAD de 2012 do IBGE é a grande
incidência de crianças e adolescentes trabalhadoras nos estados da
Região Sul – embora a maior concentração ainda esteja nas regiões Norte e
Nordeste.

“No sul, há um fator cultural que naturaliza o trabalho infantil como
uma alternativa de formação do caráter das crianças”, assinala Isa
Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). “Então você vai encontrar
crianças e adolescente nas chamadas piores formas de trabalho infantil,
no cultivo do tabaco, da batata, do alho, do tomate”.

A situação, a seu ver, é preocupante. “Em geral, no Brasil, sempre se
olha para o Nordeste como se todas as violações e mazelas acontecessem
ali”, afirma. “Mas há uma situação de avanço no Nordeste, enquanto na
Região Sul não: os percentuais vêm se mantendo ao longo das últimas
pesquisas, e o fator cultural é preponderante”.

Os números desmentem a tese da contribuição do trabalho infantil para a
formação das crianças: segundo Isa Oliveira, 98% dos trabalhadores
adultos encontrados em situações análogas à de escravidão foram
trabalhadores infantis. E um percentual significativo de adolescentes
que cumprem medidas socioeducativas com restrição de liberdade estão
nessa situação em decorrência de trabalhos ilícitos, como o tráfico de
drogas. “A inserção da criança e do adolescente no mercado de trabalho
tem toda uma repercussão posterior, na vida adulta”, ressalta.


Desafios

Um dos desafios para a efetividade da aplicação da lei é a
informalidade. “O trabalho infantil, hoje, no Brasil, não ocorre mais
dentro das empresas, mas na informalidade, na agricultura familiar e no
trabalho infantil doméstico”, afirma o procurador do trabalho Rafael
Dias Marques, coordenador nacional de combate à exploração do trabalho
de crianças e adolescentes do Ministério Público do Trabalho. “Essas
formas específicas, que correspondem a grande parte do trabalho infantil
no Brasil, exigem a implementação de políticas públicas na área de
assistência social, educação e saúde”.

Maria Cláudia Falcão, da OIT, também aponta a informalidade como um
problema a ser atacado. “No setor formal, os auditores fiscais podem
aplicar multas”, observa. “No informal, é difícil estabelecer essa
relação de trabalho e definir quem vai ser penalizado por isso”. Uma
abordagem necessária, segundo ela, deve envolver as cadeias produtivas.
“Muitas vezes, apesar de o trabalho infantil estar no setor informal do,
se houver identificação da empresa que está comprando esse produto lá
na ponta, é possível penalizá-la”.

Ainda para que se tenham resultados efetivos no trabalho informal, é
importante o envolvimento de várias frentes – auditores fiscais, Justiça
do Trabalho, Ministério Público, trabalhadores de assistência social ou
“qualquer pessoa”, como propõe Maria Cláudia Falcão. “Só o que se tem
de fazer é encaminhar essas crianças para a rede de proteção”.

Isso pode se dar através de denúncia, de encaminhamento aos conselhos
tutelares ou aos centros de referência em atendimento social (CRAS),
“para que os profissionais da área possam ir às famílias e entender os
motivos pelos quais essa criança está trabalhando”. A partir daí,
busca-se vincular a família aos programas que hoje existem no Brasil
para erradicar o trabalho infantil.

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