Passados 50 anos do Golpe Militar no Brasil, o cientista político Francisco Weffort defende que foi necessário todo esse tempo para entender que todos foram vítimas, tanto a direita responsável pelos 21 anos de ditadura no país, quanto a esquerda. “Todos os participantes do golpe perderam, muitos militares não esperavam uma ditadura de 20 anos”, disse.
Weffort, do departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) foi um dos debatedores de “A crise do populismo meio século depois”, realizado na FFLCH (Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas) na última quinta-feira (20). Participaram também os cientistas políticos Marcelo Ridenti, da Faculdade de Sociologia na Unicamp e Francisco de Oliveira, da Sociologia da USP. A atividade integra um ciclo que busca, com o distanciamento de 50 anos do início da ditadura militar (1964-1985), discutir questões pontuais deste período da história do país, como por exemplo, o movimento sindical durante a ditadura militar e o aquilo que se denomina populismo, tanto no campo da esquerda quanto da direita. Nos dias 24 e 27 de março o tema da discussão será “O golpe de 1964 e a onda autoritária na América Latina”.
Weffort trouxe ao debate questões intrinsecamente ligadas ao Golpe de 64 que, para ele, começou em 1954 com o suicídio de Getúlio Vargas. Foi “um capítulo importante da construção da democracia no Brasil”. Sem titubear, o cientista político afirma que os dois lados foram vítimas, tanto a direita que depôs o presidente João Goulart, quanto a esquerda, que resistiu e lutou pela redemocratização do país.
Para Weffort, o discurso de João Goulart em 13 de março de 64 na Central do Brasil, quando o então presidente anunciava as reformas de base, foi um dos mais importantes do país, mas não tinha possibilidade alguma de ser colocado em prática. “Jango fez um discurso revolucionário, mas não tinha ‘cacife’. Nós [refere-se à esquerda brasileira] não tínhamos condições nenhuma, não sei porque defendíamos aquilo”.
Questionado por um aluno do doutorado da Unicamp sobre a participação dos Estados Unidos nas ditaduras da América Latina, Weffort insistiu em afirmar que “éramos todos golpistas [falando sobre a esquerda brasileira], inclusive os Estados Unidos, era de um golpismo sem tamanho”. O mesmo doutorando questionou novamente, desta vez sobre a violência da Polícia Militar, uma herança da ditadura. Weffort admitiu a violência: “precisamos encarar a barbárie”. De forma otimista, porém, afirmou que “somos uma democracia com muito a melhorar ainda”.
O professor Marcelo Ridenti, por sua vez, buscou se ater à questão do populismo, que segundo ele é uma terminologia usada erroneamente de forma pejorativa, tanto à direita quanto à esquerda. Para a direita significa paternalismo, fisiologismo, irresponsabilidade, aversão ao povo e à participação popular: “Qualquer participação popular a direita tende a chamar de populismo”. Já para a esquerda, o populismo é visto como um desvio da consciência crítica transformadora no limite revolucionário da população, afirmou o professor.
Uma aluna do mestrado questionou a popularidade da Marcha da Família com Deus pela Propriedade em 1964, no sentido de o golpe ter sido amplamente apoiado pela sociedade civil com a desculpa de uma “ameaça comunista”, e traçou um paralelo com a atualidade, devido à nova edição da marcha convocada para o próximo sábado (22). Ela perguntou sobre a possibilidade de controlar o poder das forças militares atualmente, algo que não aconteceu na década de 60. E Ridenti afirmou que é preciso buscar um equilíbrio entre a sociedade civil e as forças militares e que, para isso, é necessário uma população politizada e realmente esclarecida sobre a realidade política do país. “A imprensa na época apoiou o golpe, hoje nós até temos um certo espaço, mas os grandes jornais ainda pertencem a poucas famílias. É preciso se atentar pra isso”, disse.
O outro participante, Chico de Oliveira, contou como foi sua experiência durante o golpe de 1954 no Recife, onde ele vivia na época para argumentar que muitos militares não sabiam exatamente o que estavam fazendo. “O [Miguel] Arraes estava no palácio do governo e chegou um militar anunciando o golpe, ele disse que não ia sair porque aquela era a casa dele e não tinha porque sair de onde morava, isso serve pra vocês verem como ninguém sabia muito bem o que estava acontecendo”.
Por fim, o sociólogo Chico de Oliveira afirmou que não eram apenas os militares, mas também a sociedade civil que não tinham dimensão do que acontecia na época. “É fácil dizer que a classe operária não tinha consciência, a burguesia também não!”.