Ativistas negras de Pernambuco lançam, nesta sexta-feira, a Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, Violência e Pelo Bem Viver. A entrevista coletiva será realizada na sede do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, no bairro da Madalena, no Recife. Durante o encontro, as ativistas vão abordar o atual contexto de persistência das desigualdades raciais e de gênero em Pernambuco, no que diz respeito a retrocessos em direitos já conquistados. A marcha vai acontecer em 21 de março de 2015, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.
A data lembra o 21 de março de 1960, em Joanesburgo, na África do Sul, quando 20 mil pessoas fizeram um protesto contra a Lei do Passe, que obrigava a população negra a portar um cartão que continha os locais onde era permitida sua circulação. Mesmo tratando-se de uma manifestação pacífica, a polícia do regime de apartheid abriu fogo sobre a multidão desarmada, matando 69 pessoas e deixando outras 186 feridas. Leia a carta aberta divulgada:
CARTA DAS MULHERES NEGRAS PERNAMBUCANAS
rumo à Marcha das mulheres negras brasileiras contra o racismo, violência e pelo bem viver
Nós mulheres negras pernambucanas somos hoje mais da metade da população feminina do estado de Pernambuco. Aqui somos muitas e diferentes em nossas identidades, jeitos de ser, fazer, produzir, nos relacionar e (re) existir. Somos, sobretudo, herdeiras de uma ancestralidade que há séculos luta e resiste contra o racismo, o sexismo e a pobreza.
Nesse processo de construção da Marcha mantemos a luta de nossas avós e mães denunciando que somos violentadas cotidianamente pelo racismo, sexismo e capitalismo que se espraia pelas instituições, legislações, práticas de trabalho e chega às nossas vidas cotidianas, no interior de nossas relações interpessoais.
Estes sistemas de opressão e exploração se presentificam em nossas vidas pela história da violência escravocrata não contada; pela nossa subrepresentação nos espaços de poder e nos processos da economia, da política e da cultura; pelos impedimentos de usufruirmos das riquezas produzidas pelo trabalho de todas as pessoas, inclusive de nós mesmas e de nosso povo enfim, pela negação cotidiana de nossa humanidade, força que nos explora, oprime e constrói em nós subjetividades inferiorizadas e resignadas.
Ainda hoje nós mulheres negras fazemos parte da maioria das mulheres que educa, alimenta e cuida de toda a humanidade gratuita e/ou mal remuneradamente. Em Pernambuco isso não é diferente. Somos as que estão nos trabalhos mais precários e de menor remuneração; as que mais morrem pela violência doméstica e por males evitáveis – anemia falciforme, hipertensão, morte materna, aborto, entre outras e as que sofrem desproporcionalmente as consequências socioambientais negativas dos processos de desenvolvimento. Somos ainda subrepresentadas no Congresso Nacional e nos demais espaços de poder político institucional, somos enfim, o maior contingente de trabalhadoras domésticas do país, única categoria de trabalhadoras que não tem garantido, na prática, todos os direitos dessa condição.
Sobre nossos corpos (e nossas almas), as marcas do racismo são impingidas de forma mais nefasta porque articuladas com os prejuízos de sermos mulheres. A pobreza, a sujeição, os atributos de desonestidade, feiura, sujeira, incapacidade e desinteligência nos são referidos pela relação entre nosso sexo e a cor da nossa pele, os traços de nossos rostos, a textura de nossos cabelos e os jeitos diferentes de ocuparmos o mundo.
Nós temos direito de sermos o que somos e de sermos o que poderíamos e desejaríamos ser! E é por nós, pela manutenção da memória de luta de nossas ancestrais, pelo direito de ter um presente digno e feliz, e pela responsabilidade de construir um bem viver e um lugar de humanidade no futuro para nós e nosso povo e um mundo melhor de se viver para todas as mulheres e homens, que nos colocamos em Marcha.
Recife, 21 de março de 2014
Dia Internacional de Eliminação da Discriminação Racial
Pré-lançamento da Marcha das Mulheres Negras em Pernambuco