Em audiência na Câmara, CUT diz que PL de Mabel ataca trabalho decente

Em audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira (22), na
Câmara dos Deputados, em Brasília, a CUT afirmou ser contrária ao
Projeto de Lei nº 4.330/04, de autoria do deputado federal Sandro Mabel
(PMDB-GO), com substitutivo de Roberto Santiago (PSD-SP).

O debate foi convocado pelo deputado Ricardo Berzoini (PT-SP),
presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC),
última instância pela qual o PL passará antes de ir à votação no
plenário.

Representada pelo presidente Vagner Freitas, a CUT destacou que o
projeto joga a favor da precarização. O texto inicial de Mabel permitia a
terceirização no setor público e também nas atividades-fim (principais)
do setor privado, algo atualmente proibido pela legislação trabalhista.

Para remediar, em seu substitutivo, Santiago inseriu a obrigação de a
terceirizada ser uma “empresa especializada”, voltada a uma única
atividade, mas, manteve o ataque aos conceitos de atividades-fim,
permitindo que um mesmo empresário comande diversas prestadoras de
serviço.

Outro ponto mantido no projeto e com o qual a CUT não concorda é a
responsabilidade subsidiária. De acordo com o termo, a empresa
contratante está livre de qualquer responsabilidade ou fiscalização
sobre as condições do trabalhador terceirizado, caso a contratada
frequentemente apresente determinadas informações trabalhistas.

O grupo de trabalho (GT) da CUT, criado para discutir o tema, exige que a
contratante seja responsável por qualquer ataque aos direitos de seus
empregados.


Recado ao mundo – “Qual o recado que o Brasil vai dar ao mundo? O de que somos um país em
desenvolvimento, que respeita o direito do trabalhador, a organização
sindical, o trabalho decente, tão importantes para o ambiente
concorrencial, ou de retrocesso?”, questionou Vagner, durante sua
manifestação.

Para o dirigente, a regulamentação da terceirização no país deve ter
como princípio a igualdade de direitos entre contratados diretos e
terceirizados.

Ele comentou ainda que a terceirização não acompanha a ideia de melhorar
o serviço prestado, mas apenas de diminuir o custo com a mão de obra,
trazendo junto a precarização.

“Além de prejudicar o trabalhador e a qualidade do serviço, a
terceirização onera o Estado, devido à alta rotatividade, com gastos de
seguro-desemprego, do SUS (Sistema Único de Saúde) por conta dos
acidentes de trabalho e alimenta a indústria da judicialização”, avaliou
o presidente.

Segundo Vagner, por trás da proposta há a intenção de fragilizar as organizações sindicais.

“O Sandro Mabel foi infeliz ao propor o tema, ele quer simplesmente é
acabar com as categorias organizadas e cria um mercado informal legal,
como na época do Fernando Henrique Cardoso. Por isso, o PL 4.330 não tem
concordância da CUT, da CTB, da Nova Central e de muitos setores da
Força Sindical e da UGT. O PL inverte a lógica da normalidade
democrática e essa Casa tem o dever de não permitir que isso aconteça
porque não contribui com o desenvolvimento com justiça social, trabalho
decente e distribuição de renda que queremos para o Brasil”, disse o
presidente da CUT.

Vagner citou ainda a sua preocupação com os rumos do debate no
Congresso. Ele sugeriu uma reflexão do que poderia ocorrer no campo, uma
vez legalizada nos moldes do PL 4330 a terceirização no Brasil,
afirmando que o nível de precarização seria certamente muito maior. “Se
ainda combatemos o trabalho escravo no campo, imaginem com a
possibilidade de contratação via empresas prestadores de serviços. Vai
ser uma festa para as coopergatos”, apontou.


Maior jornada, mais mortes – Segundo uma pesquisa da CUT e do Dieese, divulgada em setembro do ano
passado, a terceirização é responsável por gerar menos empregos, porque
os terceirizados trabalham, em média, três horas a mais que os demais
trabalhadores, sem contar hora extra. Assim, realizam tarefas que
deveriam exigir novas contratações.

De acordo com o levantamento, mais de 800 mil novas vagas deixaram de ser criadas por conta das terceirizações.

Ainda conforme o estudo, o salário dos terceirizados é 27,1% menor do
que o salário dos contratados diretos, Em relação à rotatividade, os
terceirizados permanecem 2,6 anos na empresa empregadora, contra 5,8
anos dos contratados diretos.

Um dos dados mais graves trata dos acidentes no ambiente de trabalho:
quatro em cada cinco casos de morte atingem os terceirizados.


Empresários acham tudo normal – A gerente de consultoria da Confederação Nacional da Indústria (CNI),
Sylvia Teixeira de Souza, e o presidente do Centro Nacional de
Modernização Empresarial, Lívio Gioisa, apontam que a terceirização é
mera questão de gestão. “A terceirização faz parte da organização
produtiva das empresas, não tem mais volta”, disse Sylvia.

Já Giosa defende o PL como uma forma de aumentar a competitividade no
Brasil. “O projeto de lei dá segurança jurídica e alimenta os desejos do
lado empresarial e dos trabalhadores e dá ao Brasil uma oportunidade de
deixar de discutir e se compromissar com qualidade e competitividade.”

Eles continuaram com a postura de afirmar que a terceirização não é
sinônimo de precarização e que a terceirização gera empregos.

Alain Alpin Mac Grecor, representante da CNC, chegou a afirmar que os
trabalhadores terceirizados possuem uma média salarial, segundo os seus
dados, que equivale a 50% mais que os trabalhadores contratados
diretamente. “Só rindo”, observa Miguel.


Justiça discorda – Para o procurador do Trabalho da 10ª Região, Fábio Cardoso, a locação de
mão de obra deve ser combatida e penalizada. “Esse projeto de lei não
vai ser o marco da regulamentação da terceirização no Brasil”, defendeu.

Vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho
(Anamatra), Paulo Schimidt, evocou a Carta Magna e também acredita que o
texto apenas aprofunda a precarização. “O debate deve ter como
parâmetro a Constituição, que determina a proteção à dignidade e à
função social do trabalho. Como juiz, vivencio a precarização na forma
de terceirização e acredito que realmente precisa de uma regulamentação,
de limites, e a PL, como está, não dá conta disso.”


Com o deputado Artur Maia, sem esperança – Relator do projeto no CCJ, o deputado Artur Maia (PMDB) ressaltou que
está trabalhando para eliminar conceitos jurídicos que sejam vagos para
evitar dubiedade na interpretação e insegurança jurídica. Mas, deu um
banho de água fria em quem acreditava num texto favorável ao trabalho
decente.

Para ele, o projeto de lei não dá conta de regulamentar a terceirização e
que não deve haver limite. “O processo econômico precisa de
competitividade e não pode ter amarras”, comentou. Ele acredita ainda
que o PL garante o princípio constitucional da livre iniciativa e da
proteção social.

Maia afirmou também que, apesar do pedido da CNI, pretende manter em seu
relatório a exigência de manutenção de objeto social único para as
empresas especializadas prestadoras de serviços, como forma de evitar a
pulverização de representação sindical numa mesma empresa.


Contraf-CUT na audiência – Também presente na audiência, o secretário de Organização do Ramo
Financeiro da Contraf-CUT, Miguel Pereira, disse que, se o projeto de
lei passar, o caminho estará aberto para a concentração de renda. “As
empresas estarão confortáveis, dentro da lei, para substituir os
contratados diretos por terceirizados e diminuir salários. Não adianta
termos uma grande economia se for injusta e com concentração de renda.”

Miguel alertou que “as categorias profissionais atualmente organizadas
serão implodidas. Seja pela substituição de trabalhadores, seja porque
pelo projeto 4330 as empresas poderão contratar quantas empresas
especializadas quiserem”.

Para ele, “o argumento de se manter objeto social único não impedirá que
num mesmo ambiente de trabalho, realizando o mesmo tipo de atividade,
estejam convivendo em condições diferentes, várias categorias de
trabalhadores, que anteriormente compunham uma única categoria. Isso
dividirá e enfraquecerá a organização dos trabalhadores”, afirma Miguel.

Outro argumento utilizado foi de que, se o Brasil pretende ser de fato
uma potência econômica e galgar melhores postos dentre os países
desenvolvidos, deve investir e aumentar a sua “competitividade” e,
portanto, não deve impor limites a esse crescimento.

“O que o deputado se esquece é que o Brasil só será de fato uma nação
rica se essa riqueza for distribuída entre o seu povo. De nada adiantará
ser a 5ª ou a 4ª maior economia do planeta, se não alterar a sua
posição de 12ª nação com a pior distribuição da renda nacional”,
concluiu Miguel.


Mobilização – Mantido esse formato de texto, a resposta da CUT será nas ruas, advertiu
Vagner Freitas. “Não vamos aceitar que num ambiente democrático
tenhamos um ataque aos direitos que conquistamos com muita luta. Vamos
mobilizar nossas bases para derrubar esse projeto de lei.”

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