Os dirigentes brasileiros mentem. Isso acontece, principalmente, quando o
assunto é gestão. É o que mostra pesquisa realizada com 330
representantes do alto escalão das maiores empresas em operação no país,
sendo 48% com faturamento anual superior a R$ 5 bilhões. No estudo, os
comandantes admitem que a mentira em suas companhias é comum em assuntos
relacionados aos funcionários, fornecedores, parceiros e até governo.
“Eles dizem uma coisa e fazem outra”, afirma a pesquisadora e consultora
Betania Tanure, que conduziu o estudo. Entre os pesquisados, 74%
admitem que o discurso oficial é oposto ao que acontece na prática.
Essas incoerências aparecem nos mais diversos âmbitos da gestão – desde o
feedback enganoso, à falsa preocupação com qualidade de vida das
equipes que continuam sendo altamente demandadas e até o privilégio para
amigos em detrimento dos demais funcionários.
Quase 60% dos pesquisados dizem que o desempenho dos subordinados não é
discutido e, quando isso acontece, a verdade nunca é dita. “Isso é
preocupante porque cria na pessoa uma percepção distorcida sobre a
própria performance”, diz Betania. Essa falta de conhecimento fica
evidente, por exemplo, quando alguém é surpreendido com a demissão, uma
vez que não percebeu qualquer sinal de descontentamento do superior. “É
injusto a pessoa não saber como seu trabalho é avaliado.”
O mais grave, segundo a pesquisadora, é que 9% dos respondentes afirmam
que não elogiam ninguém para que o empregado não se acomode e se torne
preguiçoso. “Essa é uma postura do século passado que vai contra todos
os princípios de engajamento e motivação tão discutidos hoje em dia.”
Senso de justiça parece também ser outro embuste no mundo corporativo.
Enquanto no discurso os executivos costumam propagar que suas empresas
tratam todos de forma igualitária, no dia a dia a história perece ser
outra. No levantamento, 26% dos entrevistados dizem que as diferenças
existem, além de uma visível preferência dos dirigentes pelos amigos.
Segundo Betania, essa é uma característica de culturas mais coletivistas
como a brasileira e outras de origem latina. “Nelas, as relações
pessoais estão mais presentes no ambiente de trabalho”, afirma. Mas esse
tipo de comportamento é notado também entre russos, chineses e
indianos. Em sociedades mais individualistas como a americana, a
canadense ou a sueca, por exemplo, o lado pessoal e profissional não se
misturam tanto nas organizações.
Falsa autonomia é outro ponto levantado no estudo. Um em cada quatro
entrevistados afirma que os chefes costumam dizer que os subordinados
têm poder para decidir algo, mas logo em seguida alteram a decisão
tomada por eles. Na verdade, os comandantes sempre têm a palavra final.
Inclusive, as relações que se dizem respeitosas, para 14% dos executivos
ouvidos são, na verdade, desrespeitosas.
O autoritarismo, segundo o estudo, predomina nas corporações
brasileiras. “Falar de gestão democrática é uma grande mentira”, diz a
pesquisadora. Essa falsidade, segundo ela, está em todos os lugares, dos
corredores às salas de reunião das diretorias. “Ninguém imagina o que
as pessoas pensam de fato sobre elas”. Para 12% dos respondentes chamar
alguém de amigo no alto escalão não significa nada, pois pelas costas
“todo mundo enfia a faca.”
Outro dado que chama a atenção, de acordo com Betania, é que as mentiras
não se restringem ao âmbito interno das organizações. Mais da metade
dos respondentes disseram que a prática se estende também aos
fornecedores e aos clientes. “Muitas vezes, os problemas de execução são
escondidos.” Para 21% deles, o que se fala para os parceiros não é
necessariamente o que é realizado. Cerca de 30% dizem que o mesmo
acontece com os clientes. “O discurso para conquistá-los muitas vezes
está distante da realidade”, afirma.
Até para o poder público os executivos mentem. Nesse caso, a mentira
pode envolver sonegação, questões trabalhistas, de segurança ou falsos
motivos alegados para o fechamento de uma fábrica, por exemplo. Desse
relacionamento institucional incoerente não escapa nem mesmo a
comunidade que gravita ao redor da companhia. Isso acontece quando a
empresa diz que investirá em educação e não gasta nada com isso, ou
quando ela afirma estar cumprindo metas ambientais e não está. “O caso
clássico é o executivo negar algo que realmente disse”, diz Betania.
O lado positivo do estudo, para a pesquisadora, é que os brasileiros
estão admitindo as falhas na gestão. Segundo ela, os dados precisam ser
usados para tratar dessas inconsistências, pois elas afetam o resultado
operacional. “A mentira tem perna curta.”