No dia 19 de setembro, movimentos sociais e organizações da sociedade
civil integrantes da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), se
reuniram, no Palácio do Planalto, em Brasília, com o Ministro da
Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e o
Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, para discutir os
encaminhamentos da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
(PNAPO). O decreto 7.794 foi sancionado no dia 21 de agosto pela
presidenta Dilma Rousseff, e agora será instituída uma Comissão Nacional
com 28 representantes (14 do governo e 14 da sociedade civil) que irá
elaborar propostas para o Plano Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica, que deve ser elaborado até o final de fevereiro de 2013.
De
acordo com Gilberto Carvalho, o governo quer valorizar a participação
dos movimentos sociais no processo de construção da PNAPO e a Comissão
Nacional, de composição paritária, será muito importante daqui para
frente. Ele destacou ainda que outros espaços, como o Conselho Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), têm contribuído de
maneira crítica e autônoma nos últimos 9 anos.
“Grandes e
importantes propostas que nós conseguimos forjar e pôr em andamento
devemos exatamente à participação da sociedade, sobretudo quando
conseguimos organizar os canais adequados. Agora a Secretaria Geral será
referência na coordenação inicial desse processo, junto com o
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)”, afirmou.
Na visão
de Pepe Vargas, Ministro do Desenvolvimento Agrário, com a publicação do
decreto uma etapa foi vencida estipulando questões essenciais dessa
política, como conceitos, critérios, instrumentos e a Comissão Nacional,
que garante a participação social. É preciso agora instituir uma câmara
interministerial, sob coordenação do MDA. Ele apontou avanços no
decreto, como o capítulo que trata das sementes crioulas.
“No que
diz respeito ao MDA, não vemos razão de interrompermos alguns
programas, como as chamadas de Ater (Assistência Técnica e Extensão
Rural). Devemos até outubro lançar as chamadas públicas de Ater para
agroecologia, e a partir desse ano colocar um eixo da sustentabilidade
nas chamadas de Ater em geral”, afirmou.
Cerca de 20 pessoas de
movimentos sociais do campo participaram da reunião. Segundo Eugênio
Ferrari, do núcleo executivo da ANA, os movimentos que participaram
dessa construção sempre tiveram clareza que a conjuntura não era
favorável, pois a tendência do governo é o fortalecimento do modelo
agrícola hegemônico, o agronegócio. No entanto, enfatizou que é
importante reforçar algumas políticas que têm contribuído para o avanço
da perspectiva agroecológica, como o Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e que a
política de agroecologia deve consolidar e ampliar esses mecanismos.
“Temos
clareza que uma política de agroecologia deve ser voltada para o
conjunto da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais.
Com essa estratégia, construímos na ANA propostas de ações prioritárias
e medidas. Assim participamos até o final de maio, mas quando o decreto
foi lançado ficamos surpresos porque o processo de diálogo foi
interrompido. Ficamos surpresos e insatisfeitos com a ausência da
referência à função social da terra, que é o elemento fundamental e base
física da agroecologia, assim como a ausência da questão da promoção
universal à água, reafirmada como um bem de domínio público. A proposta
de participação social também ficou restringida em relação à proposta
formulada entre o governo e a sociedade civil”, criticou.
Na
avaliação dos movimentos, a questão das sementes materializa um avanço
nesse diálogo, mas é preciso retomar a agenda das questões prioritárias
para atingir avanços substanciais na agroecologia. Outra reivindicação é
que a comissão paritária para a construção do Plano Nacional tenha
caráter eminentemente político, com subcomissões técnicas. Romeu Leite,
presidente da Câmara Temática Nacional de Agricultura Orgânica, reforçou
que não saiu o decreto que as organizações esperavam, mas as discussões
serão retomadas também através Câmara Temática, que se dividiu em três
grupos (econômico, tecnológico e mercados). “Nós acreditamos que os
participantes da comissão nacional têm que ser os que estão envolvidos
nessa história”, ressaltou Leite.
As organizações ficaram
surpresas com o lançamento do decreto durante o Encontro Unitário dos
Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das
Florestas, realizado em Brasília em agosto. De acordo com Rosângela
Cordeiro, do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), foi realizada uma
atividade de agroecologia durante o encontro, com mais de 30
organizações presentes.
“Foi entregue uma moção feita nesse
encontro, estamos com muita preocupação porque esse tema é muito caro
para nossa vida camponesa, autonomia, soberania alimentar, e é
fundamental que pontos como terra e território estejam fortemente
presentes numa política de agroecologia. Estamos dispostos a ajudar,
porém é preciso ter uma sensibilidade maior. Ao invés de nicho de
mercado, tem que ser de enfrentamento ao capital em defesa dos nossos
bens comuns. Para uma agricultura que sustenta esse país, produz 70% da
comida, que é a agricultura camponesa. Mas há opções muito claras no
governo para o agronegócio”, disse.
“Tem que estimular as feiras,
porque no meio rural tudo está sendo feito por grandes empresas e os
grandes supermercados compram da Ceasa. As feiras livres começam a
perder espaço, é preciso estimulá-las. É preciso rever a política de
crédito”, observou Francisco dal Chiavon, do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST).
De acordo com Denis Monteiro, secretário
executivo da ANA, duas questões foram destacadas nas propostas
formuladas e apresentadas ao governo, que devem estar na agenda de
trabalho da comissão nacional: é necessária a construção de um plano
nacional de sementes crioulas que consiga acabar com a erosão genética e
reduza os transgênicos, além de um plano nacional de redução dos
agrotóxicos. “Não é possível que a situação continue do jeito que está,
somos os maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. Então, essa
política tem que ter isso na sua agenda de trabalho. Porque a situação é
contraditória com a proposta da política de agroecologia, é preciso
avançar muito na questão de políticas públicas que promovam uma
agricultura sem venenos e na vigilância das grandes empresas”, propôs.
Presidente
do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e
também integrante da ANA, Maria Emília Pacheco observou que não há
soberania alimentar e nutricional sem a garantia da terra. Segundo ela, é
preciso ousadia por parte do governo, pois desde 1988 não temos um
marco que garanta os territórios dos povos e comunidades tradicionais.
“Nao
é só ampliar as unidades de conservação, as reservas extrativistas, que
é um avanço e podemos dar exemplos, mas também realizar desapropriações
para a reforma agrária. A terra é um tema atual. E concordamos no
Consea que é fundamental no Brasil um plano de redução de agrotóxicos. A
questão das feiras, por sua vez, é preciso gerar uma descentralização
do abastecimento, considerar as feiras, sobretudo agroecológicas, como
equipamentos de segurança alimentar. Por fim, necessitamos de programas
para o reconhecimento do papel das mulheres na liderança de processos
agroecológicos”, analisou.
Pontos de vista do governo
Há
um entendimento que o arcabouço jurídico formal brasileiro recepciona
boa parte das propostas dos movimentos da sociedade civil, mas não
elimina a disputa política e a correlação de forças dentro do governo,
como no congresso e no judiciário, para essa construção, observou o
Ministro do Desenvolvimento Agrário. Segundo ele, é possível seguir em
frente com o que foi construído até agora, com seus avanços e
insuficiências.
“Precisávamos quantificar os conjuntos de
políticas públicas que foram constituídas nos últimos anos para
agricultura familiar e camponesa, pois nenhum governo fez isso. Temos
que debater isso com os movimentos, para analisar o tamanho da
prioridade que se dá ou não. Eu acho que não é só um problema do
governo, a gente procura um modelo mas também tem que disputar entre os
próprios produtores. Tem uma parcela dentro da produção familiar que não
é agroecológica, precisamos conquistá-la. Com uma política nacional
podemos ganhar mais gente, se não o modelo da revolução verde vai
continuar hegemônico”, concluiu Vargas.
Gilberto Carvalho, por
sua vez, destacou que é importante uma relação tensa com o governo, se
não seria falsa, e a intenção é pressionar dentro da máquina pública
para obter avanços.
“Tem, por exemplo, insumos orgânicos para o
grande latifúndio. Não veremos isso como um nicho de mercado da classe
média, precisamos de fato fazer um processo de grande alteração. Mas o
problema também está dado na sociedade. Então temos que lutar contra o
uso intensivo de agrotóxico, a contaminação da água. Não há tema
interditado entre nós, o decreto não sinaliza a falta de profundidade,
na prática vamos discutir isso. O importante é uma visão nossa de
ambição, pensar grande, ocupar espaços dentro do governo e, sobretudo,
na sociedade. Temos dificuldades dentro do governo para aprovar os
insumos orgânicos, enquanto os químicos são aprovados com muita força e
lobby. É uma batalha, e precisamos estar juntos”, finalizou.