Pouco mudou no pagamento de bônus aos executivos de bancos americanos

Quatro anos após o colapso do Lehman Brothers e a quase paralisação
total do centro nervoso do capitalismo – o momento em que o medo
sobrepujou completamente a ganância em Wall Street -, começamos a ver
alguns sinais de esperança.


A boa notícia: vários grandes bancos finalmente começaram a adotar
medidas para reformar o sistema de remuneração fora de controle de Wall
Street, que recompensa banqueiros e operadores com grandes bonificações
pela tomada de riscos insanos com o dinheiro de outras pessoas. A má
notícia: esses bancos estão na Europa, e a maioria de seus primos
americanos ainda não se deu conta disso.


Nos últimos dias, o Deutsche Bank e o UBS anunciaram que pretendem mudar
seus sistemas de remuneração. O Deutsche Bank disse que a parcela do
pagamento que seus 150 principais diretores administrativos recebem na
forma de ações diferidas será exercível após cinco anos, em vez de três,
o que deverá aumentar um pouco mais a concentração desses executivos.


Nos Estados Unidos, porém, praticamente não se fala sobre o assunto.
Banqueiros e operadores de Wall Street ainda são recompensados com
grandes bonificações baseadas somente na receita que eles geram a partir
de produtos que vendem. Assim como acontecia antes da crise financeira e
ao contrário de quase todos os outros negócios do planeta, cerca de 50%
de cada dólar de receita gerado em Wall Street assume a forma de bônus.


Não surpreende que esse sistema absurdo de remuneração encoraje
banqueiros e operadores a continuarem vendendo e negociando, dando pouca
importância às consequências sobre o resto da sociedade.


Quanto à responsabilidade final, esqueça.


E o pior é que nem Lloyd Blankfein, o presidente-executivo do Goldman
Sachs, nem Jamie Dimon, seu colega do J.P. Morgan Chase – os líderes
mais conhecidos de Wall Street – disseram até agora alguma coisa sobre
mudar esse sistema falho, enquanto continuam recebendo dezenas de
milhões de dólares em compensações anuais. Em vez disso, o Goldman
sacrifica a qualidade ao eliminar seu programa de treinamento de
analistas de dois anos para estudantes do último ano de faculdade. Isso
não é liderança.


A seu favor, James Gorman, o presidente-executivo do Morgan Stanley,
pelo menos mencionou o sistema falho de remuneração de Wall Street: em
2011, as bonificações em dinheiro dos banqueiros e operadores do banco
receberam um teto de US$ 125.000.


Gorman disse em público, no Fórum Econômico Mundial em janeiro, que
aqueles que não gostaram podem ir embora. Poucos fizeram isso até agora e
por que fariam? Onde mais, a não ser em Wall Street, eles podem receber
tanto por arriscar um dinheiro que não é deles?


Como a estrutura básica de remuneração em Wall Street continua em sua
maior parte inalterada, o mesmo acontece com o comportamento de seus
profissionais, apesar da aprovação da lei Dodd-Frank e da composição e
recomposição incessantes das novas regras que ela exige.


Quem poderia se esquecer, nos últimos meses, do desastre no J.P. Morgan
que ficou conhecido como “London Whale” (“A Baleia de Londres”), em que
quase US$ 6 bilhões em dinheiro de depositantes foram perdidos em uma
aposta obscura e imprudente sobre a direção das taxas de juros? Ou da
devastadora perda de confiança nos mercados provocada pela manipulação
da taxa do mercado interbancário de Londres, a Libor, por grandes
bancos? Ou mesmo o escândalo de lavagem de dinheiro envolvendo o HSBC?
Ou das manobras contábeis no Standard Chartered para ajudar o Irã? Ou do
escândalo de “insider trading” envolvendo a Nomura Holding? Todos eles
ocorreram depois que a crise financeira desnudou uma cultura em Wall
Street mais parecida com a mafiosa Cosa Nostra do que qualquer outra
coisa.


Por que tem havido tão pouca mudança, muito embora individualmente
banqueiros, operadores e executivos pareçam meio que estar aceitando a
culpa pelo que deu errado?


O exemplo mais recente veio de Anshu Jain, um dos dois novos comandantes
do Deutsche Bank, que apresentou um plano de mudança de cultura interna
com a admissão de que “erros tremendos foram cometidos. Podemos ver que
os tempos mudaram e precisamos mudar, e mudar rapidamente”.


Talvez parte da resposta seja que o comportamento em Wall Street reflete
simplesmente as normas mais recentes aceitas em sociedade como um todo,
que infelizmente vem registrando um declínio constante da ética, da
moralidade, da conformidade e da liderança na geração mais nova.


Wall Street ensinou ao grande mercado as maravilhas das opções de ações,
das indenizações generosas em casos de demissão e da remuneração
executiva excessiva, entre outras coisas, todas elas criadas para
enriquecer uns poucos que estão no topo por uma obrigação mínima de
prestar contas por seu comportamento.


Também fomos inundados no ano passado – graças à tentativa de Mitt
Romney de se tornar presidente – com o fato de como é fácil para os
magnatas dos fundos de “private equity” e fundos de hedge fazer fortunas
usando o dinheiro de outras pessoas, ao mesmo tempo em que minimizam os
impostos que pagam. É um grande trabalho se você consegue dar conta
dele. Mas tudo isso contribui para um fluxo constante de mensagens que,
parafraseando o ator Michael Douglas, quer dizer: “Greed is Good” [“a
ambição é uma coisa boa”, em tradução livre].


Se a crise financeira e suas consequências nos ensinaram alguma coisa,
porém, é que a ambição nem sempre é boa. Nem chega perto disso. Se eu
fosse presidente-executivo de uma instituição financeira de Wall Street,
recebendo dezenas de milhões de dólares por ano, eu ficaria embaraçado
de me chamar de “líder” ao mesmo tempo em que estaria perpetuando um
sistema de remuneração que continuaria recompensando o mau comportamento
em minha firma.


Enquanto os líderes de Wall Street não voltarem a colocar seus
patrimônios em risco todos os dias – como faziam há duas gerações,
quando Wall Street era uma série de parcerias privadas e pequenas -, a
ideia de uma mudança real no centro financeiro dos EUA continuará sendo
uma piada.

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