Estive em Salvador no início de agosto e, a convite de dois antigos
amigos meus de lá, o Léo Ornellas e o Valdir Estrela, fui ver o “Sarau
Bem Black”, evento em que escritores, poetas, músicos e outros
praticantes da arte negros apresentam seus trabalhos no Bar Sankofa, no
Pelourinho, todas as quartas-feiras à noite.
– Este fenômeno da cultura de periferia tem crescido, a despeito de
um certo desprezo do “mundinho oficial da cultura”. A cultura negra
nasce como um grito contra a opressão – a capoeira, o candomblé, o samba
e, mais recentemente, o hip-hop. Não se trata apenas de uma expressão
simbólica de um punhado de “artistas” que se consideram iluminados. Mas
sim a luta pela resistência e existência como povo, a manutenção das
conexões com a ancestralidade e a proposição de alternativas.
O jovem de periferia tem se apropriado de tecnologias, está buscando
produzir as suas próprias expressões culturais e criando alternativas
criativas ao monopólio da indústria cultural. Isto tudo apesar de
continuar sofrendo com o aumento da repressão dos aparelhos policiais
nos bairros periféricos.
O movimento hip-hop nos anos 1980 foi fundamental para denunciar as
políticas de extermínio de jovens negros nas periferias. De lá para cá,
fomentou grupos de expressão cultural – via grafite, poesia, fanzines e
música – que hoje se materializa em diversas experiências de grupos de
teatro, saraus, DJ’s e até produção de filmes usando dispositivos
móveis, como câmeras de celular.
Esta geração de artistas negros vem se articulando em rede. Nelson
Macca, do Sarau Bem Black, em Salvador, esteve em São Paulo, na Bienal
do Livro e estabelece contatos frequentes com os seus colegas da capital
paulista, local do já famoso sarau da Cooperifa, e de outros menos
conhecidos mas não menos importantes, como o Sarau da Brasa, na Freguesia do Ó, o Sarau Elo da Corrente, em Pirituba; o Sarau dos Mesquiteiros, na Zona Leste.
Estes escritores de periferia, além dos saraus, constroem sistemas
independentes de publicação e venda, numa tentativa guerrilheira de
furar o bloqueio das indústrias editoriais que praticamente ignoram esta
experiência. Os cadernos de “cultura” da grande mídia ainda se limitam a
comentar os grandes eventos dos cânones das artes brasileiras, aliás os
que tem sido mais agraciados com as políticas atuais do Ministério da
Cultura na gestão da irmã do Chico Buarque. Cultura negra admitida é só
os desfiles de carnaval que rendem lucros fabulosos para a indústria da
mídia e do turismo.