A greve dos servidores públicos federais, que atinge outras
categorias nesta semana, ganhou as primeiras páginas dos jornais da
grande mídia nesta quinta-feira (9). No entanto, falta uma análise sobre
a evolução salarial da categoria, que detém um passivo histórico:
durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, 80% do
funcionalismo público ficou sem reajuste. Além disso, é preciso
regulamentar a Convenção 151 da OIT.
Em abril de 2010, o Senado ratificou
a convenção da Organização Internacional do Trabalhao (OIT) , de 1978,
que estabelece o direito do servidor à negociação coletiva nas esferas
municipal, estadual e federal. No entanto, até agora nenhum projeto de
lei foi aprovado nesse sentido.
“O problema de fundo é que os servidores têm o direito constitucional à
greve, mas, não há uma legislação que dê o poder de negociação por se
tratar de um regime especial. Eles não têm data-base e têm estabilidade e
aí a opinião pública usa essa informação para caracterizar a categoria
como sendo privilegiada, sem explicar o papel do Estado e do funcionário
público. Então, o Estado geralmente não negocia. Houve algum esforço
para regulamentar no governo Lula, mas não se chegou a um resultado
concreto”, citou o economista Umberto Martins, assessor da Central de
Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
João Paulo Ribeiro, o JP, secretário nacional de Serviços Públicos e do
Trabalhador Público da CTB e coordenador de Organização Sindical da
Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Públicas
Brasileiras (Fasubra Sindical), lembrou que a depreciação do funcionário
público vem desde o governo de Fernando Collor, que foi eleito com o
slogan de “Caçador de Marajás”.
“A grande mídia comprou a ideia e o que ficou foi isso. Mas, é preciso
mencionar que os marajás, como eram chamados os servidores públicos que
tinham altos salários, eram herança dos governos militares. Mas, o
estrago foi feito. Foi um desastre total. Depois disso, foram 8 anos de
governo Fernando Henrique Cardoso quando amargamos reajuste zero nas
universidades federais”, contextualizou JP.
O governo FHC entrou para a história do país como a era das
privatizações, onde muitas estatais foram “vendidas a preço de banana”,
como costumava criticar o economista Aloysio Biondi, autor de Brasil Privatizado, que faz um balanço sobre as perdas do país com o desmonte das empresas públicas.
“Houve o estímulo de PDVs [Programa de Demissão Voluntária] e cresceu
muito a terceirização de cargos no setor público. No final do governo de
FHC o Ministério Público Federal percebeu as perdas, e que, de fato,
não estava se gastando menos com a contratação de terceirizados e que a
qualidade do serviço no setor havia caído. Então, assim que o Lula
assumiu surgiram diversas ações públicas de inconstitucionalidade, e aí
houve uma reversão do quadro, com recontratação e reajuste de salários
em 2005”, contou JP, acrescentando que em 2007 houve também um reajuste
parcelado até 2010. “Mas falta uma revisão na reestruturação das
carreiras e recompor os pisos”, continuou.
Com relação aos salários dos servidores, o governo FHC priorizou
reajustes em carreiras públicas que contribuem com a arrecadação do
Estado como a Polícia Federal, o Judiciário e o Fisco, o que corresponde
a 20% dos servidores federais. “Mesmo essas carreiras precisam ser
revistas, já que se tratam de servidores que lidam com a contribuição e
fiscalização. Afinal, servidor público bem remunerado não é corrupto”,
ponderou JP.
O presidente da CTB, Wagner Gomes, reforçou que se trata de um
movimento grevista com forte aspecto econômico e que são justas as
reivindicações. “O funcionalismo público federal acumula uma pedra
salarial grande , principalmente na época do Fernando Henrique Cardoso.
Houve uma preocupação em restabelecer a situação durante o governo Lula,
que recompôs muitos salários. Mas não foram todas as categorias e, por
conta do passivo histórico, os salários dos servidores ficasram
achatados. Agora com a Dilma, o ultimo aumento foi em 2010, para a
maioria. Mas, ainda assim, há uma perda grande do poder aquisitivo”,
argumentou o dirigente da central sindical.
Ele alertou sobre a condução da política econômica do país que vem sendo
adotada e que não privilegia as áreas sociais. “É preciso ver o que o
governo têm condições de fazer como, o que já temos dito, direcionar os
recursos do superávit primário, que é usado para pagar os juros da
dívida pública, mas que poderia ser utilizado para recompor a folha de
pagamento do Estado”, disse Wagner Gomes, lembrando a situação dos
professores, que muitos ganham R$ 800, bem abaixo do piso nacional
instituído pelo próprio governo, via Ministério da Educação.
Ponto cortado? – Com relação ao fato de a Advocacia Geral da União (AGU) ter cassado a
liminar de sindicatos dos servidores que impediam o corte do ponto,
resultando em desconto de salários, todos os dirigentes consultados pelo
Vermelho, e até o Ministério do Planejamento, por meio de sua
assessoria de imprensa, foram unânimes em dizer que se trata de um ponto
negociável nas rodadas de negociação. Além disso, lembraram que o atual
governo progressista de Dilma foi eleito democraticamente com apoio do
movimento sindical que está nas ruas protestando justamente por confiar
na negociação.
“Os trabalhadores sabem que estão diante de um governo democrático e,
por isso, sentem mais confiança para lutar e fazer greve e que por isso
contam com uma margem maior de negociação. Há uma relação de respeito e
confiança entre as partes. Se é governo de direita, como o anterior,
trata os manifestantes na pancadaria, com desconto de ponto, PDV”,
acrescentou o presidente da CTB, mencionando que a greve está
fortalecida graças a união de três centrais sindicais que atuam no
serviço publico: a CTB, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a
Conlutas.
Já o dirigente da Fasubra, JP, enfatizou que não é o momento de discutir
cortes de salários: “Isso é mais uma tentativa de detonar o movimento
grevista. O governo sabe que se cortar o ponto acaba acirrando ainda
mais os ânimos e a greve não será interrompida por isso. Não vamos ceder
à chantagem”, reforçou JP.
Negociações ainda não chegaram à Câmara – As negociações para o reajuste dos servidores ainda não atingiram a
Câmara, mas deverá ser um dos temas a serem discutidos durante a
tramitação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2013, que chega ao
Congresso no dia 31 de agosto. O governo anunciou a realização de
negociações na próxima semana, as últimas antes do fechamento do novo
orçamento.
O Executivo prometeu fazer uma proposta no próximo dia 13, e segundo o
presidente da Comissão Mista de Orçamento, deputado Paulo Pimenta
(PT-RS), para que a proposta de orçamento de 2013 contenha os reajustes,
é preciso que os projetos que preveem essa recomposição salarial de
várias categorias sejam enviados.
O governo argumenta que com a crise internacional e a queda na
arrecadação, não é hora de conceder reajustes para servidores, e por
isso as propostas devem ser modestas.
Pimenta avalia que o dia 31 será o encerramento de uma primeira rodada
de negociações, e daí pra frente os parlamentares terão condições
inclusive de intermediar as discussões. “É prematuro falar em índice,
porque isso será fruto de uma negociação global, que envolve os Três
Poderes, principalmente o Judiciário, que já tem pressionado”, ressaltou
o deputado.
Deputados do PCdoB defendem negociação – O deputado Assis Melo (PCdoB-RS), que é líder sindical e diretor da
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), diz que está
acompanhado a movimentação dos servidores públicos e defende a busca de
negociação.
Segundo ele, o governo precisa encontrar mecanismos de negociação para
evitar que a greve se alastre e prejudique a população que é o
beneficiário final dos serviços públicos. Ele acredita que durante as
negociações, o governo poderá explicar quais as dificuldades em atender
de imediato todas as reivindicações, mas que sinalize com o atendimento
de algumas delas, considerando a situação expostas pelos servidores.
A deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), que manifestou apoio à greve dos
servidores públicos, cobrou uma sintonia fina do governo com as demandas
das categorias. “O primeiro passo para um Estado eficiente é a
valorização dos seus servidores. E isto se materializa numa justa
remuneração e no reconhecimento das atividades de Estado, fundamentais
ao pleno funcionamento da máquina pública”, ponderou.
A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) afirma que a bancada do PCdoB tem
atuado em diversas frentes no intuito, que os parlamentares possam
colaborar no processo de negociação. “Temos nos colocado como um ponto
de apoio dos servidores públicos federais, principalmente, para a busca
de abertura nas negociações, para a articulação de audiências coletivas
e/ou específicas de categorias junto aos ministérios”, afirmou.
A deputada diz que compreende a necessidade do Governo de aplicar uma
política de proteção contra a crise econômica, mas destaca que “é
preciso reconhecer que existem categorias que carecem de valorização”,
ponderando também que as medidas de contenção tomadas pelo Governo “não
devem ser impostas somente sob os ombros dos servidores públicos”.