A Lei Maria da Penha
completa seis anos nesta terça-feira, dia 7, promovendo uma
transformação na mentalidade do Judiciário e uma mudança na
maneira como a sociedade enxerga o problema da violência contra a
mulher. Se no começo eram comuns as sentenças judiciais que
recusavam o cumprimento da legislação, hoje não resta dúvidas de
que o país considera que se trata de um crime, e não de uma questão
doméstica.
“A gente teve uma mudança na forma de encarar a
violência contra a mulher, que agora é entendida como um crime, de
responsabilidade do Estado, e não como uma questão intra-familiar.
Essa mudança cultural foi promovida e hoje temos pesquisas que
comprovam que a população sabe que a violência contra a mulher é
crime, conhece a Lei Maria da Penha, apoia a iniciativa. Isso é uma
mudança muito significativa”, diz a coordenadora Geral de Acesso à
Justiça e Combate à Violência da Secretaria de Políticas para as
Mulheres da Presidência da República, Ana Teresa Iamarino, em
entrevista à Rede
Brasil Atual.
Nesta
terça, o governo federal promove um encontro em Brasília para
discutir as novas frentes que se abrem para avançar no combate ao
crime de violência contra a mulher. Na última semana, porém, a
ministra Eleonora Menicucci deu início às ações neste campo com a
assinatura de um convênio com o Ministério da Previdência Social e
o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
A partir de
agora, o INSS vai acionar judicialmente o agressor para que arque com
os custos previdenciários decorrentes de afastamento do trabalho ou
de pensão por morte. “Além de ser mais uma forma de punição,
pois o agressor é processado criminalmente, isso pode criar uma
possibilidade de a mulher entrar com uma ação de indenização”,
afirma Ana Teresa.
Confira a seguir os principais trechos da
entrevista.
Como vai funcionar a parceria com a
Previdência no sentido de orientação para prevenção da violência
contra a mulher?
Em relação às ações preventivas nós
elaboramos uma cartilha que vai ser distribuída nos postos do INSS
para as beneficiárias, que traz questões referentes à Lei Maria da
Penha. Orientando como que a pessoa deve agir em uma situação em
que ela seja vítima de violência doméstica e familiar contra a
mulher. Tem diversas perguntas e respostas para ajudar as mulheres a,
primeiro, entender o que é a violência contra mulher, porque muitas
vezes, pelo fato de a violência ser naturalizada, muitas mulheres
não sabem que estão vivenciando uma situação já prevista como um
crime. E que ela tem toda uma rede de serviços especializados para
ajudá-la a sair dessa situação. A cartilha passa por esse momento
de sensibilização, de entender o que é a violência contra a
mulher, e depois o que fazer numa situação de concretização dessa
violência.
Você acredita que a questão do
ressarcimento tem um caráter preventivo, ou seria muito mais de
reparação?
De reparação. Inclusive, essa questão foi
bastante ressaltada pela ministra Eleonora Menicucci por um caráter
educativo. O que acontece: o INSS vai ajuizar ações regressivas
contra os agressores, da violência doméstica e familiar contra a
mulher, para receber de volta os valores gastos com o pagamento dos
benefícios às mulheres que deixaram de trabalhar, por estarem
impossibilitadas devido à violência. Não se trata de uma
indenização à mulher, mas sim de uma indenização ao Estado por
ter gasto aquele valor, sendo que quem deu causa é um agressor
específico. Ele é quem tem de se responsabilizar por isso. Nesse
sentido, além de ser mais uma forma de punição, pois o agressor é
processado criminalmente, isso pode criar uma possibilidade de a
mulher entrar com uma ação de indenização. E agora, além dessa
indenização para a mulher, que também é cabível, o agressor tem
de devolver aos cofres públicos o que o Estado gasta com essa
agressão. Nesse sentido também é pedagógico, pois ensina que ele,
além de estar cometendo um crime, ele tem de pagar financeiramente
essa agressão. A situação que deu origem à ideia em relação à
violência contra a mulher foi a de acidentes de trânsito. Quando
uma pessoa recebe um benefício do INSS em decorrência de um
acidente de trânsito, a pessoa que causou o acidente tem de devolver
esse valor. Ou seja, a pessoa tem de saber que ela não pode dirigir
de forma arriscada por vários motivos, inclusive esse. Então esta é
a analogia com a violência contra a mulher.
Você
acredita que no Judiciário pode haver resistência sobre essa
parceria?
Não, não. Eu acredito que essa iniciativa
esteja bastante respaldada na legislação e que não vai haver
resistência legal ou jurídica em relação a isso. O INSS está
fazendo uma busca por todos os benefícios que têm essa origem, de
violência contra a mulher. E a primeira ação a ser ajuizada será
no próprio dia 7, quando se comemora seis anos da Lei Maria da
Penha.
A essa altura, qual a grande dificuldade
que se encontra para fazer avançar a aplicação da lei e como você
avalia estes seis anos?
Nós avaliamos de forma muito
positiva os seis anos da Lei Maria da Penha. A gente teve uma mudança
na forma de encarar a violência contra a mulher, que agora é
entendida como um crime, de responsabilidade do Estado, e não como
uma questão intra-familiar. Essa mudança cultural foi promovida e
hoje temos pesquisas que comprovam que a população sabe que a
violência contra a mulher é crime, conhece a Lei Maria da Penha,
apoia a iniciativa. Isso é uma mudança muito significativa. E, a
partir da lei, nós tivemos condições de organizar a rede de
serviços especializados de atendimento à mulher. Que se compõe de
centros especializados de assistência social, centros especializados
de atendimento à mulher, que dão todo o suporte psicossocial,
serviços de abrigamento, para aquelas mulheres estão em risco
iminente de morte, que não podem retornar para suas casas. Temos
também a criação e qualificação das delegacias especializadas de
atendimento à mulher, a constituição dos juizados e dos núcleos
nas Defensorias Públicas e no Ministério Público.
Ou seja, temos toda uma
organização de política pública voltada ao enfrentamento da
violência contra a mulher que avançou muito nesses seis anos. Além
disso a gente conseguiu avanços no setor jurídico. Temos diversas
sentenças favoráveis à mulher, que ajudam a romper com esse ciclo
de violência também. E os agressores passaram a ser punidos de uma
forma mais severa. A lei consegue atuar tanto na punição dos
agressores quanto na proteção das mulheres. Claro que nós sempre
temos novos desafios, que inclusive são originários desse avanço.
Quanto mais você trabalha de forma especializada, mais você
qualifica, então mais você encontra questões a serem superadas.
Esse é, inclusive, o foco do encontro nacional de delegadas
especializadas em violência contra as mulheres que será realizado
nos dias 7 e 8 de agosto, no marco do aniversário da lei.
No
começo da aplicação da Lei Maria da Penha surgiram alguns
argumentos de juízes muito resistentes. Esses casos passaram a
ocorrer com menos frequência?
Com certeza. Isso é muito
claro nos julgados. Essa resistência maior foi no início, o que
gerou questionamentos inclusive nas cortes superiores, no Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). E,
recentemente, a partir da decisão do STF em relação à
constitucionalidade da lei e à indicação da forma correta da sua
interpretação, sanou por completo essas dúvidas. Isso está
completamente superado a partir do pronunciamento do STF.