A Polícia Militar brasileira conseguiu a façanha de aumentar, ainda
mais, sua péssima fama internacional. Reflexo da extrema violência
praticada contra a população, pelas práticas de corrupção e de
execuções extrajudiciais e por policiais envolvidos em grupos de
extermínio e milícias.
É o que sinalizam duas recentes
publicações internacionais. A primeira delas é o relatório do Grupo de
Trabalho sobre o Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, do
respeitado Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas (ONU). O documento é elaborado por uma comissão que avalia todos
os países sob a perspectiva dos direitos humanos, e para a avaliação
do Brasil poupou eufemismos e falou claramente em “esquadrões da morte”
para se referir à polícia.
A outra publicação foi a da Anistia Internacional,
divulgada no mês de maio deste ano com dados relativos a 2011. Esta
concluiu que no quesito Segurança Pública,“os agentes de aplicação da
lei continuaram a usar a força de modo excessivo e a praticar torturas e
execuções extrajudiciais”.
A fama de violenta não é só reconhecida pelos
próprios brasileiros, e por essas publicações, mas comprovadamente
indicada em uma série de pesquisas alarmantes. Confrontando somente os
dados estaduais fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública sobre a
PM paulista, por exemplo, com o último relatório divulgado pelo FBI
(Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos, em tradução
livre), é possível constatar que a PM matou no estado de São Paulo
2.045 pessoas em confronto durante 2005 a 2009, enquanto todas as
forças policiais estadunidenses mataram no mesmo período 1.915.
O Conselho da ONU recomendou ainda que o Brasil
trabalhe para extinguir a Polícia Militar, e como a Anistia
Internacional, disse que a corporação é acusada de agir fora das leis
vigentes no país. Já a Anistia pontuou que a população mais pobre
continua refém tanto da violência de grupos criminosos quanto do
“policiamento abusivo que geralmente trata os moradores como supostos
criminosos”.
Violenta e criminosa – “A Polícia Militar representa o Estado que é inimigo
da população. O Estado brasileiro não promove o bem estar social, que
garante os direitos das pessoas. Mas garante os direitos e ostatus quo de quem
se beneficia com a desigualdade do país. A violência da polícia
militar é uma prova da natureza do Estado garantidor das
desigualdades”, analisa o sociólogo Renato Cinco.
Morador da cidade do Rio de Janeiro, Renato afirma
que a relação da população carioca com a PM é marcada por desconfiança e
medo. Denuncia também que o medo se estende aos policiais das Unidades
de Polícias Pacificadoras (UPPs) promovidas pelo governo federal, que
são acusados de proibir até mesmo as atividades culturais das
comunidades militarizadas, como os bailes de funk. “O que tem hoje nas
favelas do Rio de Janeiro é ocupação militar, e não pacificação. Hoje
está se naturalizando a ideia de que os ricos podem viver
democraticamente enquanto os pobres têm que viver na ditadura militar”,
destaca o sociólogo. Dados oficiais do próprio governo do Rio de
Janeiro revelam um cenário de violência policial assustador. Eles
mostram que entre 2007 e 2010, não menos que 4.370 pessoas morreram em
confronto com agentes da lei, nos chamados “autos de resistência”,
medida administrativa criada durante o regime militar e que indica a
morte de um suspeito em confronto com a polícia. A média é de três
autos de resistência registrados por dia.
Assim foi inicialmente anunciada a morte da juíza
Patrícia Acioli, morta com 11 tiros em 11 de agosto de 2011 em frente a
sua casa, no bairro de Piratininga, região oceânica de Niterói (RJ).
Para a Anistia Internacional, a execução foi motivada “por sua postura
inflexível diante das milícias e da criminalidade policial”. Conforme o
inquérito da Divisão de Homicídios de Niterói comprovou, a morte de
Acioli foi decretada depois que ela determinou a prisão de um grupo de
PMs pela execução do adolescente Anderson Matheus, de 14 anos, dentro
da favela do Salgueiro, no bairro de São Gonçalo, em julho do ano
passado. O crime contra ela teria sido articulado pelo tenente-coronel
Claudio Luiz Silva de Oliveira e pelo tenente Daniel Santos Benitez
Lopez, e contou com o apoio de 11 policiais militares. Os dois oficiais
estão presos desde dezembro no presídio federal de Campo Grande (MS).
Segundo o relatório da Anistia, apenas nos estados do Rio de Janeiro e
São Paulo, 804 pessoas foram mortas em circunstâncias descritas
como “autos de resistência” em 2011. Também reafirma suspeita de que
policiais, tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil, estejam
envolvidos em grupos de extermínio e com milícias “que praticam ações
de limpeza social e extorsão, além de tráfico de armas e drogas”.
Entre algumas ações destacadas pelo documento está
Operação Sexto Mandamento, da Polícia Federal, que acabou com a prisão
em fevereiro do ano passado de 19 policiais militares do estado de
Goiás, incluindo o subcomandante da PM coronel Carlos Cézar Macário.
Eles são suspeitos de fazer parte de grupos de extermínio, que
torturavam e executavam pessoas sem nenhuma ligação com o crime. Na
época, a investigação desse envolvimento afirmou que havia indícios de
participação de policiais militares em 37 casos de desaparecimentos
forçados.
Outro assassinato praticado por policiais que chocou
o Brasil foi o do menino Juan Moraes, de 11 anos. Ele desapareceu
durante uma operação do 20º Batalhão da Polícia Militar na comunidade
Danon, em Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro. Seu corpo foi
encontrado posteriormente dentro de um rio no município de Belford
Roxo, na Baixada Fluminense. A investigação da Polícia Civil conclui
que ele foi morto pela Polícia Militar e que seu corpo também foi
removido por policiais.