Em entrevista concedida ao site da Contraf-CUT, a médica e pesquisadora
da Fundacentro, Maria Maeno, denuncia que o Programa de Controle Médico
de Saúde Ocupacional (PCMSO), previsto pela Norma Regulamentadora 7
(NR7), é desvirtuado pelas empresas e utilizado como fonte para
demissões de trabalhadores. O assunto será um dos pontos da pauta da
Mesa Temática sobre Saúde do Trabalhador, que acontece nesta terça-feira
(26) com a Fenaban, em São Paulo.
De acordo com a médica, o programa tem teoricamente o objetivo de
promoção à preservação da saúde do conjunto dos trabalhadores. Mas na
prática, “a estrutura montada para a elaboração do PCMSO é contratada
pela empresa sem qualquer participação dos trabalhadores, o que
caracteriza uma dependência total dos profissionais aos interesses da
empresa”, afirma Maeno.
A médica defende ainda que o SUS precisa assumir de fato a garantia da
saúde e integridade dos trabalhadores. “Considerando o conceito de
determinantes sociais da saúde e do adoecimento, o SUS tem que assumir
que o espaço de trabalho é assunto de sua competência. Isso se aplica
aos conselhos de saúde que existem em todas as esferas de governo:
municipais, estaduais e federal”, salienta Maeno.
Confira a entrevista na íntegra:
O que é o PCMSO?
O Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) é previsto
pela Norma Regulamentadora 7 (NR 7) e tem teoricamente o objetivo de
promoção a preservação da saúde do conjunto dos trabalhadores. Segundo
essa NR7, o PCMSO “deverá ter caráter de prevenção, rastreamento e
diagnóstico precoce dos agravos à saúde relacionados ao trabalho,
inclusive de natureza subclínica, além da constatação da existência de
casos de doenças profissionais ou danos irreversíveis à saúde dos
trabalhadores.”
Como tem funcionado na prática?
O problema principal é que a estrutura montada para a elaboração do
PCMSO é contratada pela empresa, sem qualquer participação dos
trabalhadores, o que caracteriza uma dependência total dos profissionais
aos interesses da empresa.
Quais são os principais problemas enfrentados pelo trabalhador?
O trabalhador é avaliado periodicamente por médicos que representam a
empresa, que passa a ter assim, o perfil de adoecimento dos seus
trabalhadores. Essa informação pode ser utilizada para outras
finalidades que não as previstas na NR 7. Frequentemente o trabalhador
não tem acesso ao seu prontuário, o que caracteriza uma violação de
direito e também frequentemente o exame periódico é utilizado como exame
demissional, o que é permitido pela NR 7 em determinadas
circunstâncias.
Poderia apontar algumas soluções para estes problemas?
Eu acho que o empregador deve oferecer condições de trabalho não
adoecedoras e a saúde dos trabalhadores faz parte da saúde pública.
Assim, se o SUS, o Ministério do Trabalho e o Ministério da Previdência
Social trabalhassem em conjunto, com ações integradas e coordenadas,
compartilhando bases de dados, as possibilidades de se prevenir
acidentes e adoecimentos seriam reais. Dentro do contexto de
fragmentação de ações entre órgãos dessas áreas, no mínimo, qualquer
estrutura de saúde que tenha acesso ao trabalhador para avaliá-lo
deveria ser obrigada a dar satisfações aos trabalhadores e ao poder
público. Em tese, as ações do SEMST deveriam ser avaliadas pelo SUS,
pois é um serviço de saúde localizado dentro das empresas.
O programa tem sido usado como fonte para mapeamento de bancários doentes para futuras demissões? Como funciona este mecanismo?
Infelizmente sim. Como disse, a própria NR 7 prevê que os exames
periódicos podem ser utilizados como exames demissionais desde que
realizados em determinados prazos dependentes do grau de risco da
empresa. Muitas empresas realizam exames periódicos de seis em seis
meses, por exemplo, para poderem utilizar os exames periódicos como
exames demissionais. A tendência dos trabalhadores é de tentarem a todo o
custo manterem-se no trabalho, mesmo quando percebem que têm
dificuldades e assim, nos exames periódicos são considerados aptos para o
trabalho, o que nem sempre é real.
Como tem sido o processo de participação dos trabalhadores no Programa?
Não há qualquer participação dos trabalhadores no PCMSO e sequer o
acesso é permitido. Além do pecado original de ser realizado e
controlado pelo SESMT que é órgão da empresa, infelizmente constato que
ele se restringe à realização de exames complementares padronizados,
muitas vezes desnecessários e indicados inadequadamente. É preciso rever
todo o sistema de proteção à saúde dos trabalhadores.
Podemos pensar em um modelo ideal de programa?
Acho que qualquer modelo deve ser socialmente construído e um princípio
básico é pararmos de nos contentar com palavras politicamente corretas.
O SUS tem que assumir de fato que a garantia da saúde e integridade dos
trabalhadores, como os demais membros da sociedade, faz parte de suas
atribuições determinadas em lei. E considerando o conceito de
determinantes sociais da saúde e do adoecimento, o SUS tem que assumir
que o espaço de trabalho (condições e organização do trabalho) é assunto
de sua competência. Isso se aplica aos conselhos de saúde que existem
em todas as esferas de governo: municipais, estaduais e federal.
Deve-se buscar uma integração entre as pastas da Saúde, do Trabalho e da
Previdência Social, com a ampla participação da sociedade. Essa
integração é citada sempre, mas não há iniciativas para que ela ocorra.
As três pastas têm ações sem qualquer integração e contribuem para uma
menor efetividade do Estado na promoção de saúde e prevenção de
acidentes e doenças.
Também se fala em participação dos trabalhadores, mas ao mesmo tempo a
sua organização por local de trabalho é reprimida, é proibida.
Fala-se em transparência, mas sequer há informações sobre os riscos e
outros aspectos adoecedores do trabalho aos trabalhadores, como é
direito constitucional.
Todos os serviços de saúde, incluindo os das empresas, devem ter suas
ações controladas pelo Estado. Atualmente, os trabalhadores ficam a
mercê de serviços controlados unilateralmente pelas empresas, o que até
contraria as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
que preconizam a autonomia desses serviços. Por princípio, se os
serviços são contratados pelas empresas, sua autonomia no mínimo é
duvidosa.
Recentemente foi publicado o Plano Nacional de Segurança e Saúde no
Trabalho, fruto de um trabalho tripartite (governo, trabalhadores e
empregadores). Uma tarefa urgente do movimento sindical é avaliar quais
aspectos devem ser priorizados e trabalhar uma agenda que seja do
interesse dos trabalhadores.
Se o movimento sindical não se organizar correrá risco de ser atropelado
por interesses alheios à melhoria real das condições de trabalho.
Poderemos ter, como já temos, diminuição artificial da notificação de
acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, maquiagem das más
condições de trabalho, agravamento da precariedade das relações e
condições de trabalho e exclusão cada vez maior dos trabalhadores. Tudo
isso com a chancela formal do movimento sindical, o que é muito grave.