Cerca de 200 pessoas se aglomeram em cadeiras de plástico, no chão de
terra batida e até em uma árvore próxima. A tenda 14 da Cúpula dos Povos
foi se enchendo e o calor tornou-se insuportável. Por volta do meio
dia, Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e professor da universidade
de Coimbra, e Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária,
sentaram-se à mesa junto a outros dois integrantes do Ripess (Rede
Internacional de Promoção da Economia Social e Solidária) da América
Latina e Caribe. “Os militantes e revolucionários estão se encontrando,
com seus ideais, angústias e medos”, disse Singer, apontando para a
plateia.
A economia solidária como proposta de resistência ao
modelo vigente foi o fio condutor desse debate que aconteceu na Cúpula
dos Povos. “É preciso transformar o sistema político brasileiro”,
declarou Boaventura. Esse modo de gerir a economia, continuou, é baseado
na gestão dos empreendimentos pelos próprios trabalhadores, que os
administram por meio da auto-gestão, em uma forma de democracia direta.
“Trabalha-se com a ação humana”, explica o professor.
Para
Boaventura, o capitalismo consiste em uma economia anti-solidária,
anti-verde e anti-humanitária. O papel da sociedade civil é
pífio,“apêndice do capitalismo”, enquanto a hegemonia dos bancos, do
agronegócio e das grandes corporações é evidente. Toma como exemplo as
verbas destinadas à pesquisa: 95% são destinadas ao agronegócio e apenas
5% são cedidas aos estudos sobre agricultura familiar. “É um mundo
absurdo, onde metade morre por obesidade e a outra por inanição”,
declarou.
A chamada “economia verde”, tema debatido à exaustão
nos eventos oficiais da Rio+20 e tratado como a solução para os
problemas climáticos e econômicos, foi colocada em questão por
Boaventura. “É uma perversão total transformar a natureza em mercado.
Economia verde é suprir o capitalismo com mais capitalismo”. E ele faz
um alerta aos países com base industrial, como o Brasil, que estariam a
reprimarizar suas economias, ou seja, exportando mais produtos agrícolas
do que industriais. “Esses países estão exportando sua natureza, suas
riquezas. Quando os recursos naturais acabarem, essas nações estarão
muito mais pobres do que antes”, diz.
A economia capitalista
afasta o processo de produção do produto final. “Olho para o meu celular
e vejo que há trabalho escravo, há sangue para que isso esteja no meu
bolso. Mas nós, no ímpeto do consumo, esquecemos que por trás do
aparelho há um duro processo de produção”, exemplifica Boaventura. “A
economia solidária vai ser a economia de transição, ela vai nos ajudar a
fazer o trânsito entre a produção e o consumo”, afirmou.
“Um
novo modo de gerir a economia através da integração das pessoas”, disse
Singer, sobre a economia solidária, à Carta Maior. “É o melhor modelo
desenvolvido até agora”, continua o economista. Para ele, já está
ocorrendo a mundialização da economia solidária por meio de reuniões do
Ripess e ações que englobam diversos países. Recentemente, ocorreu no
Rio de Janeiro a “Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável – Reunião Mundial sobre Economia Solidária”, que contou com
participantes da América Latina, Filipinas, Malásia e Canadá, entre
outros.
Sobre a Rio+20, Boaventura alerta sobre a fragilidade do
documento oficial preparado – consequência, em sua avaliação, da
retirada dos pontos de divergência que dificultariam o consenso entre a
cúpula governamental, tornando-o genérico e ineficiente. “Não é de se
espantar que não haja nenhum compromisso obrigatório que vá levantar
idéias, sobre o Protocolo de Quioto, por exemplo, para um outro nível de
comprometimento. Não tenho grandes esperanças em relação à reunião
intergovernamental. Há uma grande distância entre as políticas do
governo e dos movimentos sociais”, disse o português.
A Cúpula
dos Povos, para Singer, é “um momento de troca de idéias, de sonhar um
mundo mais igual, mais democrático, mais livre, de tornar tudo isso
realidade”. Sobre a diversidade de movimentos, ele declara que essa
diferença precisa e deve ser respeitada e cultivada. Para Singer, a
diversidade é de suma importância para unir na ação aquilo que há em
comum. “Há um fermento na sociedade de grande mobilização social”,
acrescenta, por fim, Boaventura.