Preparando a grande marcha

A Cúpula dos Povos exerce mais ou menos a função que o Fórum Social
Mundial em relação a Davos, na Suíça. No caso, trata-se do Riocentro,
todo cercado de segurança, povoado de representantes de governo, de
empresas, de algumas organizações, mas principalmente do discurso
oficial da economia verde e do desenvolvimento sustentável. No aterro do
Flamengo, ao longo de três, quatro quilômetros onde ficam espalhadas as
tendas, numa distribuição irreconhecível, que deixa todo mundo
enlouquecido, não têm que não fale contra as propostas discutidas pela
burocracia oficial, incluindo a ONU.


Sempre de um lado das
entidades, de trabalhadores, camponeses, agricultores, pescadores,
índios, mulheres de todas as áreas – é impressionante a participação
feminina, não arriscaria uma contagem, porque é provável que seja
maioria-, do outro lado o Riocentro. “lá eles querem implantar a
economia verde, e nós estamos aqui, discutindo os verdadeiros
problemas”. É mais ou menos esse o discurso. A Marcha Mundial das
Mulheres, com seus tambores de lata e baquetas de madeira abriu a
manifestação da Cúpula, fora dos arredores do Aterro do Flamengo. Pela
primeira vez, o Povo da Cúpula saiu às ruas do Rio de Janeiro. E bastam
algumas quadras para chegar ao coração da cidade maravilhosa. No
primeiro caso na sede do BNDES, o banco que financia hidrelétricas,
frigoríficos e obras de infra-estrutura.


Ontem foi o caso da
Vale, na rua Graça Aranha, do outro lado da rua está a sede da Firjan, a
Federação das Indústria do RJ. Cerca de 800 pessoas discutiam os
principais pontos para o documento final da Cúpula dos Povos,
provavelmente será apresentado na sexta-feira, junto com o lançamento do
documento oficial do Riocentro, a nossa Davos tropical. Uma assembléia
onde falaram 30 pessoas e tinha o dobro para continuar. Eram dois
minutos por participante, alguns não cumpriam.


É preciso
ressaltar a quantidade de denúncias de pessoas, lideranças perseguidas
por esse Brasil afora, e em várias partes do mundo. Na assembléia
participaram representantes da Colômbia, Costa Rica, Bolívia,
Moçambique, Equador, Espanha e Itália, entre outros. Tem muita gente
ameaçada de morte nesse país. Como o pessoal do Quilombo Rio dos
Macacos, na Bahia, como contou Rosilene, a representante:


“-
Moramos a 200 anos dentro da nossa área. Mas a Marinha do Brasil
instalou uma base naval dentro das nossas terras. Várias famílias estão
sofrendo, cercadas, são agredidas, inclusive vários já morreram. Ninguém
faz nada, todo mundo sabe do caso. Agora, está marcado o prazo de 1º de
agosto para toda a comunidade ser despejada. Espero que mandem o meu
caixão para Brasília”.


Um representante do sindicato dos europeus
dá um relato sobre dificuldades de famílias tendo dificuldades para
comer, sofrendo repressão policial para se manifestar e não conseguem se
organizar. Antigamente vinham da Europa para explorar os países do Sul,
como ele recordou. “Pedimos desculpas por isso, mas agora estamos todos
na mesma luta contra as corporações”.


Corporações,
transnacionais, multinacionais, grandes empresas espalhadas por centenas
de países, como IBM, do setor de tecnologia, fatura mais de US$ 130
bilhões, ou a Walmart, que faz propaganda sustentável e verde, seu
presidente é engajado, mas trata-se de maior varejista do planeta,
fatura US$400 bilhões. As mineradoras são o alvo local, personalizadas
na Vale, presente em 38 países, a nossa multinacional, no ano passado
teve um lucro de R$30 bilhões. Agora caiu um pouco, apenas R$10 bilhões
no primeiro trimestre. Caíram os preços do minério de ferro, apesar de
continuar acima de 130 dólares a tonelada. A Vale vendeu 70 milhões de
toneladas em 2011, a China, mundialmente, compra mais de 300 milhões. É
uma empresa transnacional, mas com sócios bem conhecidos: Bndespar,
fundos de pensão Previ, Petros e Funcef, Bradesco, Mitsui e Opportunity,
do banqueiro Daniel Dantas.


Pois ontem, mais de 500
representantes da Via Campesina, da Marcha Mundial das Mulheres
realizaram um ato de protesto na frente do prédio da Vale. O trânsito no
centro do Rio de Janeiro parou às 18 horas. Os PMs cariocas e a Guarda
Municipal se desdobravam em cercar as ruas, liberando a passeata. Um
deles falava direto com o comandante : “por enquanto eles tão
tranqüilos, pacíficos”. Um helicóptero monitorava de cima. Focava o
holofote na marcha.


O caminhão de som precisava fazer o retorno
para entrar na rua Presidente Wilson. Carros estacionados nos dois
lados. Meia hora para resolver o caso. A marcha parou na frente do
Consulado Geral dos Estados Unidos. As mulheres cantavam: “oi abre alas
que eu quero passar, e as coisas vão mudar, e a revolução vai chegar”.


Vencidos
os obstáculos, a marcha chegou ao prédio. Os coordenadores abriram um
audiovisual, com imagens dos mineiros que tiveram problemas com a
empresa, pelo mundo inteiro. No Canadá, onde há cerca de dois anos a
Vale comprou uma mineradora local, os trabalhadores fizeram greve
durante um ano. Em outra mina, por 18 meses. Em julho do ano passado
morreram dois mineiros Jason Chenier e Jordan Fram. O Sindicato dos
Mineiros Trabalhadores da Vale acusam a empresa de negligência e falta
de segurança. Scott, o representante do sindicato, estava no caminhão de
som.


– Nunca pensou que um dia estaria no Rio de Janeiro
protestando contra a Vale. Mas a empresa quer mudar nossa cultura,
nossas raízes. Sabemos que o nosso problema não se comprara com outros
países. Mas a luta é uma só”, disse ele.


Na frente da marcha,
portando uma faixa dos atingidos pela Vale, estava dona Francisca da
Silva, de Açailândia, Maranhão. Têm cinco gusarias na região. O minério
de ferro precisa ser tratado para tirar algumas impurezas. Daí sai o
ferro gusa, que é a principal matéria-prima para produzir aço. Se for de
melhor qualidade ainda acrescentam níquel.


As gusarias são
conhecidas por usar carvão da mata amazônica, mas principalmente carvão
ilegal. O problema é que a Vale compra o ferro gusa dessas empresas.
Depois de vários escândalos eles começaram a controlar os fornecedores.
Porém, nos rincões do Brasil, o poder é totalmente das empresas,
inclusive com a ajuda do Estado, incluindo a Justiça.


Dona
Francisca, de 66 anos, morava a 10 anos em Açailândia, antes de começar o
movimento das gusarias e dos fornos de carvão. Além de tudo isso, o pó
de ferro, na hora de quebrar o minério, e as britadeiras não param de
fazer isso, é tóxico, gruda na roupa, que está no varal, provoca tosse e
está provocando câncer. A denúncia feita no ato de protesto é que 41%
da população está doente, com algum tipo de problema. São produzidas 500
mil toneladas de ferro gusa em Açailândia.


Recentemente a Vale
ganhou a licitação de uma grande jazida de carvão de boa qualidade em
Moçambique. Jeremy, o moçambicano que não conseguiu entrar no Brasil, no
início da Rio+20, retornou e estava no caminhão de som. Contou que
1.365 famílias estão sofrendo com os impactos da mineração. A empresa
não respeita as condições de trabalho e a Vale comprou as ferrovias da
região, e ainda pretende montar uma ampla infra-estruturar, incluindo
porto e local de estoque de carvão. A meta é vender carvão para a Índia.
Os indianos consomem 713 milhões de toneladas e só produzem 683
milhões.


A Vale no Brasil tem a linha férrea de Carajá, vai até o
porto de Itaqui, no Maranhão, onde embarca o ferro para a China. No
caminho existem 94 pequenas vilas de moradores. No ano passado morreram
23 atropelados.

Quando chegar o final de 2012, mais uma vez a empresa
vai apresentar seu relatório de sustentabilidade seus diálogos com a
sociedade e com as comunidades. Nele não constará que a Vale ganhou o
título de pior empresa do mundo no Public Eye Awards, O chamado Nobel da
vergonha corporativa, criado em 2000, por voto popular, para empresas
que apresentaram problemas ambientais, sociais e trabalhistas. Foi
entregue em Davos, na Suíça, no verão passado. Hoje é o dia da grande
marcha, no centro do rio. São esperadas 50 mil pessoas. Enquanto começa
oficialmente a Cúpula dos governos o povo da Cúpula estará abrindo o
verbo contra as corporações e o discurso da economia verde, a mais nova
enganação do pedaço.

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