A coalizão do euro ganhou. A Grécia restaurou nas urnas a calamitosa
oferta política do passado. Os conservadores da Nova Democracia, um dos
partidos que, junto aos socialistas do PASOK, conduziram o país à mais
profunda desesperança, ganhou as eleições legislativas com 30% dos
votos. A Nova Democracia se impôs à força emergente da coalizão da
esquerda radical Syriza, que obteve 26%. O PASOK, com 13%, ficou em
terceiro lugar e com amplas possibilidades de formar uma coalizão de
governo com a Nova Democracia.
Assim, os coveiros da Grécia,
agora conhecidos como os partidos pró-austeridade, voltarão a ter as
rédeas do país. No entanto, se por um lado o Syriza não conseguiu os
votos necessários para configurar uma maioria, confirmou sim, nas urnas,
seu espetacular avanço : multiplicou sete vezes o seu coeficiente
eleitoral desde 2009 e obteve 10 pontos a mais que nas eleições
legislativas de seis de maio último (cujos resultados impossibilitaram a
formação de um governo).
A Nova Democracia festejou a sua
vitória na Praça Syntagma e a esquerda radical celebrou sua relativa
derrota ao compasso de “Avanti Popolo”, na Praça do Metrô Universidade,
distantes entre si 600 metros. “Salvamos o euro e o país de um vermelho
delirante”, dizia um militante da Nova Democracia que passeava pela
praça Syntagma com a bandeira azul de seu partido. “Em seis meses
voltamos com 40%, dizia, por sua vez, um militante do Syriza no ato do
Metro Universidade, uma explanada presidida por uma estátuta de Atenas,
Deusa da Guerra, da civilização, da sabedoria, da estratégia e das
artes, entre outros atributos. Mais filosófico, Evangelos, um porteiro
que trabalha à noite na zona da Syntagma, dizia: “ganharam os ladrões,
como sempre tem corrido neste país há mais de 40 anos”.
A Grécia
votou no domingo sob a imensa pressão exercida por seus sócios europeus e
pelos meios de comunicação do Velho Continente, que fizeram uma
campanha feroz e desonesta a favor do continuísmo, apresentando a
eleição com os mesmos argumentos que a direita da Nova Democracia: a
favor ou contra o euro. Então, o medo e a austeridade venceram. Às dez e
quarenta da noite o líder do Syriza, Alexis Tsipras, reconheceu a
derrota. Quando chegou à sede do partido, os abraços e a emoção eram de
uma noite de vitórias.
“É uma sorte para nós. Eles vão queimar
as asas e nós tomaremos o poder mais legitimados”, dizia sem rodeios um
militante do Syriza. A juventude estava feliz. Pela primeira vez em
muitos anos surgiu do nada uma alternativa à cumplicidade destruidora
entre a direita da Nova Democracia e os socialistas. Mas também emergiu a
pior versão da extrema direita, quer dizer, os neonazis do partido
Aurora Dourada, que reiteraram nesta consulta o percentual de 6 de maio
passado, de 7%.
A vitória do líder da Nova Democracia, Antonis
Samaras, é estreita e o obriga a pactuar uma coalizão com o PASOK. Ambos
os partidos começaram a negociar à noite. Os 30% da Nova Democracia
equivalem a um mínimo de 75 assentos, aos quais há de se somar os 50
assentos que se outorga como prêmio ao partido mais votado. Isso
representa 125 assentos e a eles pode se somar os 12% do PASOK (33
assentos), que forma uma maioria de 161 assentos num parlamento de 300.
No entanto, a posição hipócrita do PASOK poderia fazer entrar em jogo a
esquerda democrática do partido Dimar, que obteve 6,2% (17 assentos).
O
primeiro a sair em defesa de uma solução política foi o líder do PASOK,
o ex ministro de Finanças Evangelos Venizelos. “Um governo de
responsabilidade nacional supõe a participação de várias forças de
esquerda”, disse Venizelos, em alusão à inclusão do Syriza na coalizão.
Esta
opção é impossível: Alexis Tsipras recusa logicamente entrar num
governo composto pelas formações que provocaram a hecatombe, que
aprovaram os planos de austeridade e que, acima de tudo, foram eleitos
para impor ainda mais austeridade. O porta-voz do Syriza, Panos
Skorletis, revelou à noite que Tsipras havia falado por telefone com
Antonis Samaras, para dizer-lhe que ele terá de formar um governo “sem o
Syriza”.
Não deixaram muitas opções aos gregos. O liberalismo
europeu lhe pôs numa encruzilhada fatal: ou o rigor ou a quebra. O
paradoxo é teatral: os responsáveis pela primeira quebra deverão aprovar
novas medidas que se traduzirão por mais rigor. “Angela Merkel e seus
bancos nos condenaram a morrer em fogo brando e com fome ou a pagar até
uma eternidade comendo migalhas”, ironizava Nikolas, um militante do
Syriza.
Até onde se pode ver, as contas são uma corda no pescoço
da sociedade grega. Na sexta passada venceu o prazo para o pagamento da
segunda parcela do empréstimo de 130 bilhões de euros que o FMI e o
Banco Central Europeu decidiram outorgar a Grécia em 8 de março passado.
A Grécia tem de receber um pacote de 8 bilhões de euros sem o qual, a
partir de 20 de julho, não terá mais dinheiro para pagar aos seus
servidores. Os bancos também estão sem caixa. Os gregos vêm retirando
seus depósitos há dois meses e os bancos deixaram de financiar as
empresas. O setor privado perdeu um milhão de postos de trabalho nos
últimos cinco anos.
Atenas recebeu até agora 172 bilhões de
euros mediante o resgate capitaneado por Bruxelas. Mas nada melhorou. O
desemprego afeta 25% da população, os bancos necessitam de
recapitalizarem-se e a sociedade existe e se move graças, em parte, à
férrea solidariedade dos laços familiares.
“Faremos o que for
necessário”, prometeu Samaras, à noite. Sem dúvida, será aquilo de que
os bancos e a Alemanha necessitem, visto que o país exerceu uma pressão
imensa para que os conservadores se mantivessem com as rédeas do poder.
Um candidato “anti austeridade” como Alexis Tsipras seria um pesadelo
para a Alemanha. Por isso o fizeram passar por um militante anti-euro,
coisa que é totalmente falaciosa.
Angela Merkel usou a Grécia
como modelo de penalização e conseguiu forçar, por meio de um golpe de
medo, ameaças e intimidações e mentiras, a vitória de uma coalizão que
não reflete em nada nem a voz das ruas nem situação angustiante em que
se encontram as pessoas. Mas entre a nova ameaça – o Syriza – e as
argúcias do velho conhecido – PASOK e ND – as urnas optaram pelos
capitães de má fama. Para a esquerda do Syriza a derrota tem o sabor de
um fruto doce e suculento.
Com o Syriza nasceu na Grécia e na
Europa uma força potente à esquerda do socialismo de governo,
clientelista e corrupto. 26% dos votos é um sonho. “Viver para sonhar,
diz o refrão. Mas nós estamos vivendo o sonho na própria carne”, dizia à
noite um militante do Syriza. A coalizão da esquerda radical grega não
só enfrentou nas urnas os seus adversários políticos locais como a
máquina liberal mais poderosa do planeta. A edição alemã do Financial
Times reflete vergonhosamente a agressão que o povo grego sofreu. O
Financial Times escreveu: “Gregos, resistam à demagogia de Alexis
Tsipras. O país só permanecerá no euro com os partidos que respeitam os
termos dos credores”. Pagar ou morrer.
Mesmo assim, a Grécia fez
do Syriza a segunda força política do país. Isso é muito, diante de
tanta manipulação de um jogo tão sujo. Atenas amanhecerá com a
oligarquia política que levou o país à ruína, negociando um pacto de
governo. A chamada “coalizão do euro” tem o destino em suas mãos. Angela
Merkel e os mercados estão contentes. A esquerda também. Foi apenas uma
batalha numa luta que está apenas começando.