O estresse provocado pelas jornadas prolongadas e crescentes exigências
por metas no trabalho interferem além da saúde, na vida familiar, na
avaliação da médica do trabalho e pesquisadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Margarida Barreto.
Categorias de trabalhadores acostumados a viver sob pressão ou de grande
exigência – como os psicólogos, assistentes sociais e profissionais da
saúde em geral – buscam a redução de jornada de trabalho por meio de
projetos de lei em trâmite no Congresso e também por mobilizações
públicas junto aos sindicatos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) recomendam uma jornada máxima de 30 horas para estes
casos, e centrais sindicais fazem coro ao pedido. No entanto, ainda há
resistência dos setores públicos e privados em adotar as medidas, que
podem reduzir a incidência de doenças adquiridas no trabalho e melhorar o
desempenho e produção do funcionário.
Em entrevista, Margarida relaciona a decisão das empresas em não reduzir
a carga horária com um possível receio de ter de forçar gastos para
aumentar o quadro de funcionários para suprir as lacunas das jornadas.
A intensidade do problema é visível: dados da Previdência Social mostram
que no período de janeiro a março de 2012 foram 511.564 auxílios-doença
concedidos. O número representa pouco mais de 10 mil pedidos ante o
total do mesmo período no ano passado. À medida em que surgem mais vagas
de emprego, segundo a médica, mais se torna indispensável a discussão
sobre a qualidade dele para o trabalhador.
Quais os efeitos de uma jornada longa em uma profissão estressante?
A questão da saúde é fundamental. Primeira coisa é que as consequências
de um trabalho sob estresse independe de categoria, de ser homem ou
mulher. Tudo leva a uma fadiga mental e física, e consequentemente a
diminuição da capacidade de produzir. E, claro, o patrão insiste em não
diminuir a jornada porque acha que seus gastos vão aumentar tendo de
contratar novos trabalhadores. Isso é um engano total.
Um trabalhador que exerce uma jornada prolongada tem de produzir cada
vez mais e não pode cair de cama. Ele acaba adoecendo justamente por
conta disso. É uma rotina insuportável, e leva não só ao cansaço mas
também a outras complicações, como doenças gastrointestinais como as
gastrites, e psicológicas, como o desânimo, pesadelos, angústia.
O trabalhador muitas vezes se sente incapaz de dar conta daquilo que lhe
é imposto, quando na verdade é desumano. Um terreno permeado de
contradições. É mais do que justo esta reivindicação dos trabalhadores
na questão da redução da jornada e, associado a isto, vem a questão da
estabilidade no emprego.
Qual a argumentação que trabalhador pode dar quanto ao que é submetido?
Eu acredito que a argumentação deve estar embasada não só nas questões
de saúde, não só na questão ética. Um trabalho prolongado e denso é
fonte de desprazer, de sofrimento. Barra a criatividade do trabalhador e
possibilita um maior índice de acidentes e de adoecimento.
Qual seria a alternativa para o trabalhador que não vê a saída da redução da jornada e também não encontra respaldo na lei?
A alternativa está nas lutas que exijam como um todo mudanças na
organização de trabalho. Quando você pensa na jornada, ou nas
horas-extras, está dentro do acordo de trabalho.
Mudar significa possibilitar a este trabalhador, fazer seu serviço de
forma digna, sem estresse, com autonomia. Se eu tenho uma relação com o
empregado que só exige metas cada dia maiores e não dá possibilidades de
micropausas quaisquer, não dá para esperar muito.
Não querendo ser saudosista, mas antes os trabalhadores tinham ao menos a
chance de sair para fumar um cigarro, bater um papo com um colega. Hoje
você não tem esta possibilidade, porque poucos trabalhadores devem
cumprir o que foi estipulado. Passa a ser um luxo pensar em conversar
com o colega do lado.
Não ter tempo sequer para relaxar, para dar um bom dia sequer ao
companheiro de trabalho, complica. Nas grandes empresas, apesar do
ambiente bonito e clean, já são ambientes pesados. Imagine então numa
terceirizada, por exemplo. É sobrecarga, exigência, e exploração cada
vez maiores. Isto acaba tendo repercussões até dentro da vida familiar.
Falando em funcionários terceirizados, a rotina de um funcionário de
call center, por exemplo, é totalmente controlada pelos empregadores.
Inclusive os momentos de pausa, que são poucos… este modo de se
relacionar com os empregados virou uma tendência?
Claro, e é chocante pensar que em pleno 2012 ainda vemos por aí
problemas com intervalos até mesmo para ir ao banheiro. Geralmente,
estes funcionários só podem ir quando tem alguém para cobrir o serviço
no seu lugar. Uma hora a situação entra em colapso.
A forma atual de pensar políticas para as empresas levam em consideração
o período de crise, um pensamento neoliberal. Pensa-se na quantidade de
trabalho, mas não no indivíduo. Todas as mudanças econômicas no mundo
se refletem na questão do trabalho, e quem sempre paga a conta da
ganância é o trabalhador.
Desde o momento em que ele é não somente superexplorado, mas quando ele
só vale para a empresa enquanto tem saúde. Mas nesta condição, me diga:
como ele pode manter a saúde? Há uma contradição.
Certa vez, um trabalhador químico me disse algo que vale muito para o
agora. Ele reclamou que a luta não é só pelos salários, mas pela
manutenção do trabalho. A preocupação de conseguir se manter no emprego.
Esperava que não chegássemos a este ponto, mas chegamos.
E é um desafio aos sindicatos…
É um desafio para cada categoria, aos trabalhadores como um todo. É
estar vendo não só a questão de saúde em si, mas o que está causando a
deteorização da saúde dos trabalhadores. Por que há uma destruição cada
vez maior das relações de trabalho? Se não tem saúde, ele (o
trabalhador) vai perder o emprego. E vai ter uma relação de precaridade
dentro da própria casa. É um efeito dominó.
Há uma discussão quanto ao crescimento constante do emprego e, ao
mesmo tempo, a preocupação sobre a qualidade deles ao trabalhador. Como
você vê o assunto?
É uma questão que me incomoda muito ultimamente esta do pleno emprego.
Aí eu pergunto: que pleno emprego é este que os trabalhadores estão
tendo e adoecendo cada vez mais? É um ciclo depressivo tanto na questão
do sistema capitalista mundial, mas também das relações de trabalho.
Para mim, a coisa é muito crítica e exige enquanto movimento organizado
pensar além. Não é só esta a discussão, tudo envolve um sistema
político. Se eu fosse resumir em uma palavra, eu diria que nunca foi tão
necessário construir uma nova sociedade com um novo olhar, que não dê
privilégio a um grupo de famílias que comandam o planeta.