Paul Singer: “Governo faz pouco contra spread escandaloso de truste bancário.”

O economista Paul Singer, de 79 anos, é talvez o mais longevo membro do
segundo escalão federal. Levado ao governo pelo ex-presidente Lula, há
oito anos e meio é secretário nacional de Economia Solidária, de onde
assistiu incólume às recentes denúncias de corrupção que ceifaram
cabeças no ministério do Trabalho.


No acanhado gabinete que
ocupa no terceiro andar do ministério, Singer dedica-se a pensar e
propor ações que permitam aos trabalhadores tocar a vida sem depender
de grandes corporações. Ali surgem ideias de estímulo a cooperativas
que substituem patrões ou de microcrédito para ser operado por bancos
comunitários, a juro baixinho.


Para o professor, há um
“escandaloso” e injustificável spread praticado por um “truste
bancário” no Brasil. Ele acredita que discutir o juro cobrado pelos
bancos nos empréstimos ao cliente final é hoje tão ou mais importante
do que o debate sobre a taxa básica do Banco Central (BC), a Selic.


O
governo, afirma o professor, erra ao usar muito pouco os bancos
públicos para fazer concorrência contra o truste privado. Tirando o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com seus
empréstimos subsidiados para as empresas, Banco do Brasil e Caixa
Econômica Federal (CEF) praticamente não se diferenciam do sistema
financeiro privado.


O que é incomprensível, considerando que o
governo, nas palavras do ministro da Fazenda, Guido Mantega, aposta
hoje no crédito como arma para reativar a economia depois do PIB zero
do terceiro trimestre.


Segundo Singer, essa estagnação resultou
de reações do sistema financeiro ao “pleno emprego” no Brasil e levou
os bancos a promover um campanha, via imprensa, de que haveria pressões
inflacionárias fortes demais. Resultado: o governo tomou medidas contra
o crescimento no fim de 2010 e no início de 2011, e os efeitos da crise
europeia encarregaram-se de potencializá-las.


Estas e outras reflexões de Paul Singer, o leitor confere abaixo na entrevista exclusiva que ele deu à Carta Maior.


Por que o Brasil teve PIB zero no terceiro trimestre?


PAUL SINGER:
Estávamos num crescimento muito vigoroso em 2010, que em parte foi
recuperação do crescimento que não houve em 2009, por causa da grande
crise internacional. Com esse forte crescimento, a economia chegou ao
que eu julgo que é pleno emprego: ninguém fica desempregado muito
tempo, só algumas semanas. Uma das consequências do pleno emprego são
pressões salariais. O Dieese [Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconomômicos]
divulgou que a grande maioria dos acordos salariais registrou ganhos
reais para os trabalhadores. Isso gerou no mercado financeiro,
principalmente nos bancos, uma expectativa de inflação. E uma campanha,
desencadeada pelos bancos, pelos seus economistas, seus porta-vozes que
têm muito acesso à imprensa, de que era preciso que o BC aumentasse os
juros, para dar um breque no crescimento, antes que a inflação se
tornasse incontrolável. Também tivemos problema de expectativas, por
causa daqueles pobres países da periferia da União Europeia.


quem ache que houve aí intensidade exagerada do governo brasileiro em
conter o crescimento, inclusive porque também foi feito um grande
arrocho fiscal. Houve exagero?


SINGER: Eu fui contra
a elevação dos juros quando foi feita, ao longo de todos esses anos.
Nossos juros são fora de série, quanto mais você conseguir aproximá-los
dos níveis usuais no mundo, tanto melhor para nós. O esforço brasileiro
deveria ser normalizar os juros. Mas não conseguiu porque, cada vez que
a economia tende ao pleno emprego, o BC interveio de uma forma bastante
drástica.


Inflação e pleno emprego são uma tensão permanente ou ela tem como ser superada?


SINGER: Tem, tem como ser superada.

Como?


SINGER:
Substituindo o capitalismo por economia solidária. Esse é um processo
que está de alguma maneira acontecendo. Na economia solidária, nas
cooperativas, não tem luta por salário. Os trabalhadores são os donos
da empresa e decidem quanto vão retirar por mês, mas dentro das
possibilidades da cooperativa. Certamente, a situação de pleno emprego
não fará os trabalhadores das cooperativas aumentar sua retirada. Só se
ela aumentar sua produção, conseguir vender mais a preços melhores.


No marco do capitalismo não tem como superar?


SINGER:
Não quero ser tão radical… Houve tentativas. Quando houve os 30 anos
gloriosos antes do neoliberalismo, houve um crescimento muito forte da
economia capitalista com pleno emprego, era a política keynesiana. O
pleno emprego foi inscrito nas constituições. E havia pressões
inflacionárias, claro que havia. E as tentativas que houve foi fazer um
entendimento político com os sindicatos. Colocar os patrões, as
centrais sindicais e o governo, de forma tripartite, para negociar
aumentos de salários e de preços, controlar os dois, para que a
inflação fosse pequena. Foi chamado de neocorporativismo. Deu muito
certo na Suécia, na Áustria… Mas o cômputo geral dessas tentativas
não foi bom. Chegou-se à conclusão que isso dava certo em poucos
países, porque exige uma unidade muito grande entre os trabalhadores e
entre os patrões. Tem que pensar que as empresas competem entre si, não
é simples alinhar todas. E os trabalhadores tampouco. Começou a haver
greves selvagens contra os sindicatos. E de fato a inflação acabou
sendo maior.


O senhor acha que o pleno emprego veio para ficar no Brasil ou precisa ser cultivado?


SINGER:
Precisa ser cultivado, claro. Se isso que aconteceu no terceiro
trimestre se repetir, se a economia, sei lá, estagnar, não crescer
mais, aí pode acontecer que você tenha aumento do desemprego e saia da
situação de pleno emprego. Eu digo pode porque o outro fator
importante, que é o demográfico, nesse momento não pesa. Se essa
entrevista fosse cinco anos atrás, minha resposta seria enfaticamente:
“Se não crescer, vem desemprego”. Porque teriam jovens entrando no
mercado de trabalho incessantemente.


Se a luta política entre
trabalhadores, por emprego, e sistema financeiro, por inflação baixa,
não vai acabar, cabe ao Estado arbitrar. Para o senhor, o Estado está
arbitrando corretamente?


SINGER: Nesse ponto, a
política da presidenta Dilma é diferente do presidente Lula, é a nossa
grande novidade macroeconômica. E e eu servi aos dois presidentes, não
tenho preferência.

Acha possível ou desejável acelerar a queda da taxa de juro? Ou aliviar o superávit primário? Ou os dois?


SINGER:
Não há a menor dúvida de que nós deveríamos chegar a juros civilizados.
Os americanos estão com juro zero, se você descontar a pequena inflação
que eles têm, estão com juro negativo. Não só eles. Os países europeus
todos estão praticando uma taxa de juros muito pequena. Isso é positivo
até do ponto de vista da distribuição de renda. O juro é um pagamento
de quem ganha menos para quem ganha mais, é uma forma de concentração
de renda. É uma discussão antiga no Brasil. Desde que a inflação foi
debelada pelo Plano Real, era de se esperar que a taxa de juros
regredisse. E não estou pensando na Selic [a taxa básica do BC],
não, estou pensando nos juros cobrados pelos bancos. Hoje, estamos com
juros ao consumidor de, sei lá, 6%, 7%, 8% ao mês, e uma inflação de
0,5% ao mês, ou menos. É um spread escandaloso, não tem como
justificar. Há um truste bancário. Uma das coisas que o governo podia
fazer, e faz parcialmente, muito pouco, é reduzir a taxa de juros dos
bancos oficiais. A Taxa de Juros de Longo Prazo [TJLP] do BNDES já está quase civilizada, quase zero real. Se o BNDES pode fazer isso, qualquer banco público também pode.


a concorrência dos bancos públicos pode baixar os spreads que o senhor
chamou de escandalosos? Ou o governo poderia fazer algo além
?


SINGER:
Você poderia fazer uma lei limitando os juros, existe a lei da usura.
Mas a gente geralmente procura as formas politicamente menos
provocativas. E o governo não quer provocar o sistema financeiro.


Acredita que o Banco do Brasil e Caixa Econômica teriam mesmo condições de trabalhar com juros como os do BNDES?


SINGER:
Não estou acompanhando os balanços bancários, mas comparando a situação
dos bancos brasileiros com qualquer banco europeu, norte-americano…
Qualquer um pratica juros muito menores.


O interesse do
sistema financeiro também se manifesta no superávit primário. Aí o
senhor acha que o governo tem de mudar a política também?


SINGER:
A questão toda é o que queremos fazer com a dívida pública brasileira,
sendo que a nossa, comparativamente, é pequena. A política dos oito
anos do governo Lula foi de reduzir a dívida pública, isso foi muito
bom para o Brasil. Para os próprios banqueiros também foi bom. Uma
política conservadora, dê o nome que você quiser. E a Dilma está
fazendo por igual. Agora, vamos supor que o governo brasileiro
estivesse tão bem que pudesse pagar, sei lá, 10% da dívida a cada ano.
No segundo ano, eu preveria que haveria escassez de moeda. Seria
terrível para a economia, a economia pararia de crescer. O sistema
financeiro capitalista exige dívida pública, o título é sempre o mais
seguro, é o lastro da moeda emitida pelos bancos. Se falta moeda, todo
mundo guarda moeda. Cria nas pessoas a ânsia do entesouramento, não
botariam dinheiro no banco, mas numa caixa. Você não compra, para
guardar. E não comprar significa crise. É preciso ter um suprimento de
moeda, e essa moeda básica é a dívida pública. O ideal seria
praticamente manter ou até ampliar um pouco a dívida, na medida em que
a economia inteira está crescendo.


No PIB zero, só a agropecuária cresceu com suas exportações…


SINGER: É, estamos matando a fome dos chineses…

A qualidade do desenvolvimento brasileiro está bem distribuída, na sua opinião?


SINGER:
Difícil responder essa pergunta. Diria que efetivamente nos
transformamos no maior exportador de alimentos do mundo, acho que mais
do que os EUA, que são um clássico exportador. Isso é uma coisa que
ajuda a economia brasileira. O ideal é ter uma balança comercial
equilibrada, e estamos perdendo espaço na exportação industrial,
inclusive por causa da valorização do real. Isso tem um pano de fundo
muito feliz, não para o Brasil, mas para o mundo. Estamos numa crise de
escassez de alimentos, uma crise que a FAO [a agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura]
proclamou, houve um grande aumento de preços em 2008, e as pessoas não
conseguiam comer. Nesse ambiente, o Brasil tem uma posição
privilegiada. Mas crescer em cima da infelicidade e da fome dos outros,
não é uma boa. O que acho que o Brasil precisa fazer é ajudar
principalmente a África a produzir seus alimentos. A África foi
colonizada e foi extremamente mal orientada, hoje importa seus
alimentos. Nós temos muito para oferecer, uma tecnologia agrícola
respeitável.


O senhor mencionou o câmbio. Acha que o Brasil tem que se adaptar a ele ou o câmbio tem que se adaptar ao Brasil?


SINGER:
Já está bem melhor do que já foi. Talvez o dólar devesse ainda subir,
mas não muito, talvez até R$ 2. O que está sendo muito discutido hoje
pelos meus colegas é a desindustrialização. O Brasil hoje tem uma
exportação industrial menor do que já teve e, ao mesmo tempo, estamos
exportando produtos agrícolas. O peso da agricultura na economia está
aumentando, mas da indústria não. Seria importante o Brasil acompanhar
o resto do mundo no avanço tecnológico.

E como se altera a equação cambial?


SINGER:
O governo tem recursos para ter a taxa de câmbio que ele considera a
melhor, não temos mais a política que nós herdamos do Fernando
Henrique, a tal da livre flutuação, não vejo nenhuma vantagem na livre
flutuação, porque ela é totalmente financeira. Se o câmbio determinado
no mercado fosse pela troca de mercadorias, por serviços… Se fosse da
economia real… Mas não, a grande demanda por dólares é dos
especuladores, e aí podemos ter taxa de câmbio desfavorável aos
interesses do país.


O senhor acha possível atingir 5% de crescimento no ano que vem, diante do impulso pequeno dado no segundo semestre deste ano?


SINGER:
É muito difícil fazer projeção para o ano que vem, a partir deste ano.
A grande incógnita é em que medida a situação internacional vai
degringolar ou não. Porque, nesse momento, o foco da incerteza é só a
Europa. E por uma anomalia política, a meu ver. A direita europeia está
chegando ao poder em países em que tinha perdido as eleições com a
bandeira da austeridade. E a austeridade significa recessão, significa
cortar brutalmente os gastos públicos, piorar os serviços sociais,
mandar uma parte dos funcionários públicos para casa, tudo para reduzir
o gasto público e tentar reduzir a dívida. Mas isso a Europa ocidental.
Os Estados Unidos, tenho a impressão que está se recuperando, a China e
a Índia, que são na verdade os grande motores da economia mundial,
estão mantendo um bom crescimento… Acho que a previsão do Guido [Mantega, ministro da Fazenda]
tem boas chances de se realizar, não é impossível, talvez nem
improvável. E política tem que ser essa mesma, de manter um crescimento
de 5% é uma meta boa. Nós deixamos de crescer como população. Isso
torna um crescimento de 5% algo equivalente a 7%, 8%.


O que o Brasil pode fazer adicionalmente para crescer?


SINGER:
Distribuir renda. Nós somos um país, eu diria, em grande medida
autossuficiente. Numa época nossa grande dependência externa era o
petróleo, mas isso com o pré-sal mudou completamente, nossos
potencialmente um grande exportador. Do que nós dependemos, o que
precisamos importar tanto que não só possa produzir no Brasil? Nós
podemos ainda substituir importações, nós deveríamos ter substituído.
Mas, como barreira externa, não vejo nenhuma ameaça.

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