A data,
o lugar e os convidados. Nada foi por acaso na celebração do 1.º Prêmio
CUT Democracia e Liberdade Sempre que a Central Única dos Trabalhadores
promoveu na noite de terça-feira (13), no Teatro da Universidade
Católica de São Paulo (TUCA).
No mesmo dia em que em 1968 o governo do general Costa e Silva baixava o
Ato Institucional Número 5 (AI-5), responsável por fechar o Congresso,
cassar mandatos parlamentares e suspender a garantia de habeas-corpus
para os cidadãos brasileiros, a maior central sindical do Brasil e da
América Latina rendeu uma homenagem a representantes dos movimentos
sociais que ajudaram ou ajudam a construir diariamente a democracia
brasileira.
A cerimônia começou pouco depois das 20h, com a apresentação do maestro
Wagner Tiso, autor do música-tema da campanha pelas eleições diretas no
país e um dos fundadores do PT.
Coube ao grupo de teatro popular União e Olho
Vivo, fundado em 1966 para resistir à repressão por meio da arte,
executar o hino nacional de uma forma bem brasileira, com viola caipira,
batuque e berimbau.
Carlos Marighella presente
Sobre o palco que por diversas vezes serviu para manifestações contra a
repressão, os atores Paulo Betti e Ester Góes comandaram a celebração e
iniciaram lembrando os 100 anos que Carlos Marighella completaria em 2011. Ele foi executado covardemente pelos militares em 1969.
Também foram citados os colaboradores da CUT na escolha dos candidatos
aos prêmios: a jornalista Denise Fon, o sociólogo Emir Sader, o
ex-deputado federal e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o diretor
do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Rildo Marques.
O artista plástico Elifas Andreato, outra voz que enfrentou a ditadura e
autor do prêmio entregue aos escolhidos, não foi esquecido. E como a
democratização do país passa pela democratização da comunicação, o
blogueiro Eduardo Guimarães, em nome do Encontro de Blogueiros Progressistas também levou Roberto Parizotti
Diversas entidades que lutam pelos direitos humanos compareceram um
troféu. “Uma das razões pelas quais o Brasil mergulhou na ditadura foi a
falta da democracia na comunicação. Porém, os impérios continuam aí,
mentindo e caluniando”, criticou, antes de citar como exemplo o absoluto
silêncio da velha mídia a respeito do livro “A Privataria Tucana”, de
Amaury Ribeiro Junior, que relata as maracutaias no processo de
privatizações durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso.
O público decidiu
Os nomes definidos pela comissão e votados pelo público no site da CUT
trouxeram uma característica em comum: a citação a outros lutadores que
não estão mais presentes.
Como foi o caso da primeira das homenageadas, vencedora em
“Personalidade de destaque na luta pela Redemocratização do Brasil”, a
assistente social e professora, Rosalina Santa Cruz.
“Quero dedicá-lo (o prêmio) a Fernando Santa Cruz (irmão de Rosanalina e
desparecido político), como a muitos outros brasileiros, assassinados
nos campos de extermínio semelhantes ao da Alemanha nazista, ao que
tivemos na Argentina, no Chile, na Guatemala e Uruguai. Às mulheres que
lutaram por uma pátria socialista dando suas vidas por isso”, disse, ao
lado de Idibal Pivetta e Maria Augusta Capistrano, os outros indicados.
Rosalina não deixou passar em branco a tarefa do governo diante das
atrocidades cometidas pelo Estado durante o período da ditadura.
“Exigimos que o governo brasileiro faça uma Comissão da Verdade
legítima, que vá além dos nossos inúmeros relatos e ap
Ganhador em “Personalidade de destaque na luta por Democracia, Cidadania
e Direitos Humanos”, Frei Betto, esteve ao lado de Gegê, líder do
Movimento de Moradia do Centro de São Paulo (MMC), e da representante de
Clara Charf, militante e viúva de Carlos Marighella.
“Não somos concorrentes, somos companheiros lutando pela mesma causa”,
disse Frei Betto, resumindo o espírito da noite. “Esse prêmio não é de
uma pessoa, é de um movimento”, finalizou, para depois dedicá-lo
justamente a Marighella e a Egídio Brunetto, dirigente do Movimento dos
Trabalhadores Sem-Terra (MST) na região do Mato Grosso do Sul, que
perdeu a vida em um acidente automobilístico no dia 28 de novembro.
Antes de ir, deixou um recado. “Espero que a CUT preserve a autonomia e
lembre-se que governo é igual feijão, só funciona em panela de pressão.”
Luta no campo
Como “Personalidade de destaque na luta por Democracia e Direitos dos
Trabalhadores” o público escolheu a farmacêutica cearense Maria da
Penha, cuja luta deu origem a uma lei para punir a violência doméstica
contra as mulheres.
Ela não pode comparecer e foi representada por Tião Simpatia, repentista
autor da Lei Maria da Penha em cordel. Ao seu lado estavam familiares
de Abdias do Nascimento, ativista do movimento negro que foi perseguido
político desde o Estado Novo, obrigado a afastar-se do Brasil durante a
ditadura militar e a viúva de Virgílio Gomes, operário químico
assassinado por agentes da repressão em 1969.
Por motivos de saúde, o bispo Dom Pedro Casaldáliga também não pode
comparecer para receber o prêmio de “Personalidade de Destaque na luta
por Democracia e Justiça no Campo”. Mas, enviou uma representante que
leu uma carta onde ele alertava: “propomos uma utopia a altura de uma
sociedade em construção fundada na profunda riqueza da dignidade do
trabalho. Não podemos servir a dois senhore
A última categoria, “Instituição de Destaque na luta por Democracia e
Liberdade”, foi vencida pelo MST, representado por Gilmar Mauro,
dirigente nacional do movimento, acompanhado pela viúva de Egídio
Brunetto. “Somos apenas portadores do nosso movimento, que só existe
graças à solidariedade de muitos que estão aqui”, disse Mauro.
Homenagem a Lula
Por fim, coube a homenagem a uma personalidade vencedora da categoria
Destaque na Luta por Democracia e Liberdade, em que não houve votação
popular. Porém, considerando os aplausos que arrancou da platéia ao ter
seu nome anunciado, certamente o indicado pela comissão cutista não
sofreria resistência: trata-se do ex-presidente Luis Inácio Lula da
Silva, representado na ocasião pelo presidente do Instituto Lula, Paulo
Okamoto.
Em sua apresentação, Okamoto comentou que uma das missões do instituto é
criar o Memorial da Democracia para contar um pouco da luta dos
trabalhadores que construíram as instituições ali presentes.
A mensagem que leu de Lula trazia o orgulho pela lembrança. “Ter meu
nome associado à luta pela democracia e pela liberdade me enche de
orgulho, mais ainda se vem dos trabalhadores.”
Não deixar a história morrer
Presidente nacional da CUT, Artur Henrique, encerrou a cerimônia e
apontou as duas tarefas prioritárias do prêmio: resgatar a história de
quem defendeu a democracia e a liberdade e continuar essa luta para que o
período sombrio jamais retorne. Luta que envolve, inclusive, a
transformação do modelo de sindicalismo no Brasil.
“Queremos a liberdade também para que o trabalhador possa decidir como
organizar o seu sindicato, sem interferência do Estado. Por isso esse
prêmio é parte de nossa campanha em defesa da Convenção 87 da OIT
(Organização Internacional do Trabalho), que trata da liberdade e da
autonomia sindical”, encerrou.