Demora no plano de reforma agrária do governo já causa insatisfação

Pressionado por uma marcha que arrastara à capital federal cerca de
cinco mil trabalhadores sem-terra em protesto contra a paralisação da
reforma agrária, o governo anunciou em agosto que lançaria um plano com
metas assentamento para o período de 2012 a 2014. Quase três meses
depois, o plano figura só no discurso.


Entre os movimentos
representantes de pequenos agricultores e sem-terra que articularam a
marcha, a opção até agora tem sido evitar críticas públicas, para não
atrapalhar negociações com – e dentro do – o governo. Contudo, o
descontentamento com a demora cresce e já leva lideranças a romper o
silêncio.


“As negociações com o governo prosseguem, mas a passos
de tartaruga. Os movimentos têm tido muitas conversas com o ministro
Gilberto Carvalho, mas poucos resultados concretos”, afirma Gilberto
Cervinsk, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB).


Segundo Cervinsk, a existência de um canal de
diálogo frequente e a receptividade com que os movimentos têm sido
recebidos pelo ministro fazem com que dêem um “voto de confiança” ao
governo Dilma. Mas ele também defende que as negociações se transformem
em respostas “concretas e urgentes”.


A promessa – Chefe
da Secretaria Geral da Presidência, principal órgão de intermediação do
governo com movimentos sociais, Carvalho foi quem vocalizou, em agosto,
a decisão de Dilma Rousseff de montar um plano de assentamentos com
metas até o fim da gestão dela.


Na ocasião, o ministro dissera
que a marcha, organizada pela Via Campesina, um agrupamento de
movimentos, tinha conseguido “recolocar a reforma agrária na pauta do
governo” e que a presidenta queria que a equipe lhe apresentasse
um plano em setembro.

Por meio da assessoria de imprensa, Carvalho informa que, por ora, não há novidades.

Segundo Carta Maior
apurou, Dilma já teve ao menos uma reunião com o ministro do
Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, para discutir o plano. O
ministro que passou a informação à reportagem disse que o plano terá um
pé no ideal e outro realismo – ou seja, não atenderá tudo o que a Via
Campesina pede.


Na época da marcha em Brasília, que foi
acompanhada por manifestações em diversos estados do país, a Via
Campesina dizia haver 200 mil famílias acampadas no Brasil à espera de
terra.


Em resposta à cobrança, o governo havia anunciado
também que liberaria R$ 400 milhões para o Instituto de Colonização e
Reforma Agrária (Incra) comprar terras ainda em 2011. O órgão informou,
por intermédio da assessoria de imprensa, que todos os recursos já
teriam sido repassados às superintendências regionais e que a aquisição
já teria começado. Mas não forneceu um balanço a respeito.


Dilma centraliza – O Incra, segundo Carta Maior apurou,
tem passado por uma reestruturação profunda em suas superintendências
regionais, com trocas em diversos cargos. Este processo conta inclusive
com a participação dos movimentos sociais, chamados a opinar sobre
indicações técnicas. A reestruturação seria um dos motivos atrapalhar
as desapropriações.


Além disso, a presidenta Dilma Rousseff
decidiu centralizar mais em si e na Casa Civil, decisões relacionadas a
desapropriações. Desde que assumiu, Dilma assinou apenas um decreto de
desapropriação de terras para fins de reforma agrária, em fevereiro.
Mas foi para ampliar terra desapropriada pelo antecessor, Luiz Inácio
Lula da Silva.


De lá para cá, Dilma fez 17 desapropriações e
só uma destinada a assentar pessoas – quilombolas em Minas Gerais. As
outras 16 foram para a a justiça trabalhista em Minas Gerais, para
empresas que administram rodovias privatizadas, obras no aeroporto de
Cumbica (SP) e obras ferroviárias.


“A única desapropriação do
período, para atender aos atingidos pela hidrelétrica de Barro Grande,
em Vacaria (RS), é iniciativa exclusiva do governo do Rio Grande do
Sul”, reclama o coordenador do MAB.


Segundo Cervinsk, nem mesmo
medidas administrativas – que poderiam ser taxadas como de planejamento
ou gestão – estão em andamento. “Se você perguntar para a presidenta
Dilma qual é a política de reassentamento de atingidos, hoje, no
Brasil, ela não saberá responder, porque não há definição”, diz.


Lei do silêncio – A
reportagem procurou duas vezes o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), que integra a Via Campesina, para comentar a demora do
governo. Primeiro, o MST respondeu, por meio da assessoria de imprensa,
que as lideranças não queriam falar sobre o assunto para não prejudicar
as negociações com o governo. Depois, a assessoria disse que os
principais líderes do MST não foram achados.


A reportagem
procurou também os representantes do Movimento dos Pequenos
Agricultores, por meio do e-mail divulgado no site do movimento, mas
não obteve retorno.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) também não se manifestou.

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