A
coordenação da campanha nacional “Palestine: State 194” calcula
que mais de um milhão de pessoas reuniu-se ontem, no centro das 10
regiões distritais palestinas, para demonstrar aprovação ao pleito
que Mahmoud Abbas, presidente da OLP, apresentará à 66ª.
Assembleia Geral da ONU na sexta-feira, dia 23.
Essa
demonstração de apoio é confirmada por uma pesquisa realizada pelo
Instituto de Pesquisa Harry S. Truman e pela Universidade Hebraica de
Jerusalém. Divulgada no dia 21, ela aponta que 83% dos palestinos
apoiam a reivindicação à ONU, confirmando outro levantamento, do
Instituto Near East Consulting, de Ramallah, segundo o qual essa
porcentagem é de 84%. Entre os israelenses, 69% querem que o governo
aceite a decisão da ONU.
A disposição dos palestinos
contrastou com o marasmo das últimas semanas. Nesse período, a
conversa girou em torno de assuntos nada agradáveis: a ocupação,
que se manteria mesmo com o reconhecimento do Estado palestino na
ONU; de um possível aumento da repressão por parte do governo
israelense quando a Assembleia terminar; da ilegitimidade do governo
da Autoridade Nacional Palestina (ANP), cujo mandato expirou em 25 de
janeiro de 2010; de acusações sobre “corrupção” dentro da ANP
e da falta de liberdade que caracteriza a vida dos palestinos.
O
desânimo, porém, começou a ser substituído pelo entusiasmo poucos
dias antes das manifestações de ontem. No dia 20, uma enorme
cadeira de madeira pintada de azul – referência ao assento que a
Palestina deveria ocupar na ONU –, colocada em Al-Manara, a praça
central de Ramallah, atraía moradores, ativistas e turistas, que se
deixavam filmar e fotografar em frente a ela. Um restaurante local
preparou uma pizza retangular com as cores da bandeira palestina,
usando produtos locais (zata, queijo branco, hortelã, tomates) e a
levou à praça, chamando a atenção de transeuntes e motoristas.
Grupos se reuniam em diversos pontos da Al-Manara, discutindo prós e
contras da ida à ONU. E no início da noite uma carreata saiu da
Al-Muqata, a sede do governo, e foi até a praça Yasser Arafat,
recentemente reformada, sob aplausos e gritos de vitória.
No
dia 21, as vans de sete lugares que fazem as vezes de ônibus
chegaram a Ramallah lotadas, trazendo moradores das vilas próximas.
O trânsito complicou-se em consequência do número de pessoas que
se dirigia a pé até a Yasser Arafat, perto da Al-Manara. E eram
tantas que, além de tomar toda a praça, espalharam-se pelas várias
ruas que desembocam nela. Nos prédios baixos do entorno, moradores,
cinegrafistas e fotógrafos disputavam espaço nas sacadas dos
apartamentos e nos terraços do último andar. Um palco enorme foi
montado para receber oradores e autoridades, e outros, menores,
colocados à frente e nas laterais do centro da praça, serviam à
mídia.
Bandeirinhas palestinas enfeitavam o cenário,
cruzando a praça pelo ar, como os nossos coloridos enfeites das
festas juninas. Vendedores de falafel, sucos e os ambulantes que
vendem chás, usando roupas típicas, trabalhavam sem descanso.
Muçulmanas com seus vestidões e hijabs, mulheres em trajes
ocidentais, pessoas de todas as idades carregando bandeiras e
cartazes saudando o “Estado 194” sorriam e posavam para a mídia
internacional. Chamava a atenção a presença de jovens, caras
pintadas com o número 194 e bandeiras palestinas.
“Estou
muito animada”, afirmou Tara Shtayyeh, 12 anos, ainda vestida com o
uniforme escolar. “Finalmente vamos ter um Estado. Tenho certeza de
que a Assembleia da ONU votará a nosso favor.”
E o veto
dos Estados Unidos? – “E o que a gente poderia esperar deles a
não ser essa oposição sem sentido, não é mesmo? Tudo bem, em
2012 tentaremos de novo a aceitação como membro pleno.”
Ao
lado dela, Mohammad Mimi, também de 12 anos, com o mesmo uniforme
escolar, aprovava as declarações com gestos de cabeça. “É uma
questão de estratégia”, comentou, muito sério. “Vamos
conseguir o Estado, e isso é o mais importante. O resto vem com o
tempo.”
Os dois preferem a solução do Estado único, como
a maioria dos palestinos, mas sabem que ainda não chegou a hora.
“Primeiro é preciso tirar os sionistas do governo de Israel”,
continuou Mohammad, ainda sério. “Porque são eles que não querem
que a gente seja livre.”
Ele só sorri diante da pergunta
sobre o término da ocupação da Palestina. “Ah, isso vai demorar
muito!” Fica sério outra vez. “Será uma batalha difícil, mas
que tem de ser feita.”
Tara concorda com ele: “Difícil e
longa. Acho que, se trabalharmos direito, a ocupação termina quando
formos adultos.”
A consciência política e o realismo
quanto ao fim da ocupação são comuns nos jovens palestinos. Eles
crescem ouvindo a conversa dos adultos sobre esses temas e participam
delas. Os pais os estimulam. E desde muito cedo vão às passeatas e
manifestações contra o muro, as colônias e a ocupação. Primeiro,
no colo dos pais. Depois, em grupos de amigos. Como aqueles que
estavam na praça Yasser Arafat ontem, gritando palavras de ordem,
empunhando bandeiras, cantando hinos de libertação. Todos na faixa
etária de Tara e Mahmmoud, ou um pouco mais velhos.
Também
chamava a atenção a animação das meninas, puxando os slogans
repetidos pelos grupos. Sobrancelhas franzidas, expressão
desafiadora, punhos para o alto, elas gritavam, sem precisar de
autofalante, as frases que ressoavam pela praça e que em português
perdem a rima e a graça: “Do rio (Jordão) até o mar
(Mediterrâneo)/ a Palestina será livre”; “Um, dois, três,
quatro/ ocupação nunca mais/ cinco, seis, sete, oito/ chega de
mortes, chega de ódio”.
Funcionário da ANP, Sameer Hejazi
garantia que palestinos e israelenses, muçulmanos, judeus, cristãos
e ateus são capazes de conviver num único país. “Foi assim
durante milênios, antes de os sionistas inventarem Israel. Pode
voltar a ser”, dizia, confiante. E confessava seu sonho de um dia
postular a presidência de uma Palestina livre.
Diplomático,
evitava fazer críticas diretas a Barack Obama. Preferia contar que
faz parte de um grupo de direitos humanos que há 14 meses escreveu
ao presidente dos Estados Unidos sobre a necessidade de liberdade dos
palestinos. “Ele respondeu a nossa carta. Disse que esperava que em
setembro de 2011 fôssemos membros da ONU.” Dá um sorriso irônico.
“Mas parece que mudou de ideia.”
À sombra de um pequeno
prédio, o soldado Ali, da polícia palestina, observava o movimento.
“Tudo tranquilo”, comentou. “Nenhum incidente, nem mesmo de
pessoas passando mal.” Fato comum no cotidiano de um povo
acostumado ao calor intenso do verão, que hoje passou dos 30 graus.
Das
11h até 13h, aproximadamente, as pessoas permaneceram na praça.
Mas, à medida que os discursos mudaram de voz – os primeiros foram
feitos por jovens animados, substituídos mais tarde pela retórica
das autoridades locais – e tornaram-se longos, com o nome de Abu
Mazen (Abbas) pronunciado a cada sentença, a multidão foi se
dispersando. Talvez um sinal de que, para a maioria, a política
palestina precisa de renovação urgente.
Problemas só
aconteceram no checkpoint de Qalandiya, entre Ramallah e Jerusalém,
mas a ação ali não fazia parte da programação da campanha
nacional. Foi em Qalandiya que o exército israelense testou suas
novas armas de dispersão de multidões. Uma delas, “O grito”, é
um equipamento acústico que leva as pessoas a perder o equilíbrio e
cair, além de causar tontura e náuseas. Uma exposição demorada ao
som, capaz de ultrapassar a barreira dos tapa-ouvidos, provoca danos
ao aparelho auditivo. Outra arma foi uma nova composição química
das bombas de gás, cuja inalação causa desmaio imediato.
Apesar
de preocupados com as novas armas, os coordenadores da campanha
“Palestine: State 194” não escondiam a euforia. Reunidos até
tarde da noite de ontem, eles fizeram o balanço das manifestações.
“Todas ultrapassaram em 100% nossas expectativas”, declarou
Abdallah Abu Rahmah, coordenador nacional das mobilizações
populares. “Tivemos a adesão de mais da metade da população da
Cisjordânia. Não houve nenhum incidente. Já em Gaza, o Hamas não
permitiu nenhum tipo de ação. Eles participaram do começo da
campanha, mas desistiram nas últimas semanas.”
Dia 23, às
18h, estão previstas novas mobilizações. A população palestina
foi convidada a assistir o discurso de Mahmoud Abbas na ONU em telões
colocados nas mesmas praças onde ocorreram as manifestações de
ontem.
Em Israel, colonos versus pacifistas – Os
colonos tinham prometido entrar nas cidades, mas não conseguiram
chegar até elas. Ficaram nos checkpoints e nas estradas, atirando
pedras nos carros, tentando detê-los. Estavam armados.
Nas
vilas, porém, atearam fogo a plantações, cortaram cerca de 500
oliveiras e fizeram ameaças aos moradores, como vem acontecendo
diariamente nos últimos meses. No boulevard Rotschild, em Tel Aviv,
marcharam aos gritos de “A terra de Israel para o povo de Israel”.
Jovens moradores das colônias de Itamar, em Nablus, e Bet
El, em Ramallah, também fizeram passeatas, com o objetivo de
“transmitir a mensagem de que essa terra pertenceu, pertence e
pertencerá a Israel”, segundo informou um dos participantes ao
site do diário Yediot Aharonot. Manifestações como essas ocorrerão
nos próximos dias.
Também nos próximos dias, Israel verá
outro tipo de ação. Pacifistas e apoiadores de causa palestina, que
ontem à noite, em Tel Aviv, fizeram vigília cívica pela paz,
programaram para hoje, às 17h, uma manifestação com a participação
de artistas, escritores e acadêmicos. Entre eles, Amos Oz, escritor
israelense conhecido internacionalmente. Logo depois, às 18h,
palestinos e israelenses celebrarão juntos a “independência” da
Palestina no Clube Ortodoxo, em Beit Jala, na Cisjordânia.
No
dia 23, ao meio-dia, militantes ligados à organização israelense
Peace Now estarão nos principais cruzamentos de Israel distribuindo
folhetos aos motoristas, defendendo o Estado da Palestina. Eles
carregarão cartazes com as frases “Israel diz sim ao Estado
palestino” e “Netanyhau e Lieberman não falam por mim”
(referência ao primeiro ministro e ao titular da pasta das Relações
Exteriores, representantes da extrema direita de Israel).
Mais
práticos, os rabinos da organização judaica Neturei Karta, que
defendem o fim de Israel, preferiram participar da manifestação em
Nablus. Cerca de 30 deles estiveram presentes na cidade palestina. O
porta-voz foi direto: “Os palestinos têm todos os direitos na
terra ocupada por Israel. E Jerusalém é a capital da Palestina. O
sionismo é inimigo de Deus e do povo”.