Alvo de dois manifestos, política cultural de Dilma está em xeque


apenas nove meses no cargo, ministra da Cultura, Ana de Hollanda, tem
sido contestada por militantes que reclamam de suposta ruptura com
legado de antecessores lulistas. Para ativistas, faltam diálogo e
visão abrangente de cultura. Depois de manifesto em abril, nova
carta aberta fala em “crise”. Reivindicações coincidem
com propostas aprovadas em Congresso petista.

Nos conturbados anos 1960, o intelectual galês
Raymond Williams inovou a forma de se pensar a cultura, ao propor
que, para muito além das artes letradas, a prática abrangesse
também o modo de vida dos povos. Pesquisou exaustivamente a cultura
operária e, ao lado de colegas como Edward Thompson e Stuart Hall,
fundou os Estudos Culturais. A disciplina rodaria o mundo
notabilizando trabalhos sobre feminismo, cultura jovem e periférica,
povos em diásporas e mídias alternativas, entre outros temas
desprezados até então.

É justamente para tentar colocar
essa concepção abrangente nas políticas culturais do governo Dilma
Rousseff, que um grupo de produtores e agentes tem mobilizado cada
vez mais adeptos. Nos últimos dias, eles lançaram mais uma carta
aberta contra o ministério da Cultura, intitulada “País Rico é
Pais com Cultura!”, na qual se valem do slogan oficial da
presidenta Dilma Rousseff para tecer duras críticas. Segundo o
texto, o ministério está mergulhado numa “crise de
legitimidade e confiança”.

O movimento já havia
divulgado um manifesto em abril com inúmeras queixas. Agora, sobe o
tom. Na semana que vem, os militantes prometem dar início a uma
agenda de mobilizações regionais para reforçar a campanha de
contestação à ministra Ana de Hollanda, irmã do cantor Chico
Buarque. Já há reuniões confirmadas em três capitais. Ana vai ter
uma audiência com Dilma nesta sexta-feira (09/09).

“A
ministra vem negando o vetor antropológico do ministério, que
havíamos conquistado no governo Lula. Cultura não é apenas arte,
mas, principalmente, comportamento”, afirmou à Carta Maior
o produtor cultural Pablo Capilé, signatário do manifesto e um dos
mais ativos militantes do movimento.

Saudade de Gil e Juca
– C
om outras 1093 assinaturas até a tarde desta quinta-feira
(8/9), o manifesto reúne velhos e novos agentes da cultura que
acreditam ter conquistado direito à interlocução com o poder
federal nas gestões dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira.
São mestres da cultura popular, lideranças indígenas, cinéfilos,
hackers, blogueiros.

O movimento começou logo após discurso
de posse de Ana de Hollanda, encarado como negação do legado de Gil
e Juca. De lá para cá, a insatisfação aumenta sempre que o
ministério toma alguma atitude, por mais simples que pareça, que
desagrada os militantes.

Eles reclamam, por exemplo, de o
ministério ter retirado de sua página na internet a logomarca do
Criatives Commons, projeto que disponibiliza licenças flexíveis
para obras intelectuais. Acham que Ana teria se aproximado demais do
Ecad, entidade responsável por arrecadar e distribuir direitos
autorais musicais e que é alvo de uma das duas CPIs criadas pelo
Congresso em 2011.

A ministra também estaria protelando o
envio ao Legislativo de projeto que reformará a Lei de Direitos
Autorais. E se recusando a receber produtores culturais para reuniões
e a participar de debates públicos.

O diálogo atual entre o
ministério e a sociedade civil estaria limitado a um colegiado
setorial, que reúne a cúpula do ministério e um grupo restrito de
agentes privados. “O órgão, criado há cerca de seis anos, é
muito engessado. Não tem condições de acompanhar a velocidade de
crescimento e mudança do setor cultural e, por isso, é muito pouco
representativo”, reclamou Capilé.

“Até há alguns
setores dentro do ministério abertos ao debate, mas eles têm sua
força minimizada pela ação da ministra. E nós, brasileiros,
sabemos bem que não adianta ter bons jogadores se o técnico não é
bom, se o técnico não tem legitimidade para discutir os problemas
do time com o presidente do clube”, completou.

Reinvindicações
coincidentes –
Além da queixa sobre a postura mais geral da
ministra, os produtores e agentes culturais cobram, de forma mais
específica, a implementação do Plano Nacional de Cultura,
construído no governo Lula. A aprovação sem alterações, pelo
Congresso, de proposta de mudança constitucional que institui
orçamento mínimo para a Cultura e do Programa Nacional de Fomento e
Incentivo à Cultura (Procultura).

Exigem, ainda, a
divulgação do texto final reforma da Lei dos Direitos Autorais e
seu envio imediato ao Congresso, mantendo-se contribuições feitas
pela sociedade durante a consulta pública a que o texto foi
submetido. Para eles, as colaborações são “avanços”.

As
reivindicações, em sua maioria, coincidem com resoluções
aprovadas por 1,3 mil delegados petistas do IV Congresso Nacional do
partido, realizado em Brasília (DF) no último fim de semana.

No
documento final, o PT diz que o governo Lula, cujos ministros da
Cultura eram filiados a um outro partido, o PV, consolidou uma nova
política cultural. E, com ela, teria valorizando artistas,
instituído políticas de memória e fomento às artes e apoiado uso
e difusão das novas tecnologias, que têm impacto na criação,
produção e distribuição de bens culturais.

“Para o PT, a
cultura é um direito social, o que implica em [sic] uma nova visão
de papel do Estado como garantidor deste direito por meio de
políticas públicas de produção, difusão e fruição dos bens
culturais”, diz o documento.

O texto ressalta, em
participar, a defesa do Plano Nacional de Cultura e do orçamento
mínimo para o setor. Foi aprovado, coincidentemente, no mesmo dia em
que a carta aberta “País Rico é País com Cultura!” foi
divulgado.

Próximos passos – Na segunda-feira (12/9),
o grupo de produtores e agentes culturais promove uma reunião em
Curitiba (PR) para discutir a crise. Na terça (13/9), o debate será
na capital fluminense. Na quarta, em Belo Horizonte (MG). “Nós
temos uma grande mobilização de pessoas ligadas à cultura de todos
os estados do país. São mais de dois mil cineclubes e três mil
Pontos de Cultura que estão nessa luta, só para exemplificar”,
disse Capilé.

De acordo com ele, o grupo vai continuar
buscando formas de melhorar o diálogo com o poder público, por meio
do Congresso e da interlocução com outros ministérios. “Essa
ministra não tem o respeito da classe e nem da sociedade civil.
Vamos continuar, também, a pressionar o governo para que sejamos
recebidos diretamente pela presidenta Dilma ou pelo secretário-geral
da presidência, Gilberto Carvalho”, acrescentou.

A
reportagem procurou o ministério da Cultura para conversar sobre as
críticas, mas foi informada pela assessoria de imprensa de que
ninguém no órgão irá se manifestar.

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