Mais de 600 mil chilenos e dezenas de organizações
sociais se mobilizaram pelas ruas durante os dois dias de greve
nacional, organizados pela Central Unitária de Trabalhadores (CUT),
na maior manifestação de massa deste país desde os tempos em que
Augusto Pinochet governava o Chile pela força. Com isso, ficou
demonstrada a forte convicção do movimento social de seguir adiante
para reformar o sistema deixado pelo neoliberalismo da ditadura.
O
segundo dia de greve, na quinta-feira, iniciou com uma concentração
de quatro marchas que confluíram no centro de Santiago. Ali se
reuniram cerca de 400 mil pessoas que armaram um verdadeiro carnaval
repleto de cartazes e faixas contra as políticas privatizantes em
educação, saúde e fundos sociais. Além disso, exigiram mudanças
no mundo do trabalho em defesa dos direitos dos trabalhadores. Foram
milhares de bandeiras e faixas com slogans contra o governo e
insígnias de colégios, universidades e organizações de
trabalhadores. Segundo o presidente da CUT, Arturo Martínez, a
paralisação e a mobilização popular envolveram 90 cidades do
país.
“Saudamos as centenas de milhares de chilenos e
chilenas que se mobilizaram em todo país e manifestaram sua vontade
e esperança de construir um Chile distinto. Estamos muito contentes.
Temos a esperança de que o governo, após essa mobilização,
consiga refletir e abrir conversações com o objetivo de buscar uma
saída para a atual situação”, disse Martínez.
Junto a
ele, estava o rosto mais visível do movimento, Camila Vallejo,
presidenta da Confederação de Estudantes do Chile, e Lorena
Pizarro, presidenta da Agrupação de Familiares de Presos
Desaparecidos, além de outros dirigentes sociais e sindicais, que
expressaram as diferentes forças sociais presentes na
mobilização.
Movimento social – Os dirigentes
informaram que o movimento social se organizará de forma permanente
para exigir mudanças econômicas como uma reforma tributária que
institua mais impostos para as grandes empresas e os consórcios
transnacionais, a destinação de mais recursos para a educação e
para uma saúde digna. Também defenderam a incorporação do
plebiscito como forma de consulta à cidadania e o avanço do
processo rumo a uma nova Constituição política.
“Vimos a
alegria de trabalhadores, estudantes, jovens, avôs e avós, vimos a
esperança de construir um Chile mais justo”, disse Vallejo. “Nossa
demanda por uma melhor educação é uma demanda social, de nossas
famílias e nossos pais que são trabalhadores”, acrescentou a
dirigente.
Enquanto isso, as pessoas seguiam manifestando-se
nos edifícios gritando palavras de apoio aos manifestantes e
sacudindo bandeiras. “E vai cair a educação de Pinochet”,
“governar é educar” ou “um povo educado não é explorado”,
eram algumas das frases que se liam nos cartazes e faixas dos
manifestantes.
Em meio à marcha,
o sociólogo e estudantes de pós-graduação da Universidade do
Chile, Rodrigo Morales, disse à Carta Maior que “os que não
têm acesso à educação superior de qualidade sempre têm trabalhos
precários e mal remunerados. Portanto, o movimento estudantil e o
movimento trabalhador são dois espaços contíguos que fortalecem as
demandas”.
Passado o meio dia, a marcha continuava em ordem,
No entanto, cerca de 300 jovens com o rosto encoberto levantaram
barricadas e enfrentaram os carabineiros (a polícia chilena). “Não
justifico o que fazem, mas não têm oportunidades nem outra maneira
de reclamar. É preciso prestar atenção neles também”, disse
Carmen, uma mulher com um lenço no rosto, que chorava por causa do
gás lacrimogêneo.
A jornada continuou com o duro
enfrentamento entre os encapuzados e a polícia. Houve saques,
queimas de bandeiras chilenas, danos a propriedades privadas e
inclusive a tentativa de colocar fogo na porta de uma igreja.
Finalmente, os policiais conseguiram dispersar os manifestantes, mas
permaneceram as sequelas, principalmente o cheiro do gás
lacrimogêneo.
Ao cair à noite, o subsecretário do Interior,
Rodrigo Ubilla, disse que 26 policiais ficaram feridos – cinco dos
quais teriam recebido impacto de balas – e 210 pessoas foram
detidas por motivos diversos. O porta-voz do governo, Andrés
Chadwick, pediu “uma noite de paz”, após os disparos, barricadas
e foguetes dos dias anteriores.
Contudo, estes atos de
violência isolados, não afetam o tema principal. O mal estar da
grande maioria dos chilenos que estão cansados. Mal estar que sai às
ruas e seguirá manifestando-se enquanto o governo não escute o
clamor popular. Enquanto esse texto era finalizado, as panelas de
protesto outra vez começavam a soar. E mais forte ainda na
periferia. Ali onde a pobreza segue dizendo “presente”.