O Brasil precisa de um novo sistema financeiro, que dê contrapartidas
sociais a seus lucros exorbitantes e contribua com o desenvolvimento do
país. O papel dos bancos deve ser definido pela sociedade brasileira, o
que passa pela convocação de uma Conferência Nacional sobre o Sistema
Financeiro e pela regulamentação do Artigo 192 da Constituição. As
sugestões foram apresentadas nesta quarta-feira 24 pela Contraf-CUT no
Seminário Propostas para um Sistema Financeiro Cidadão, promovido na
Câmara dos Deputados, em Brasília.
A posição da Contraf-CUT foi levado ao seminário, realizado
conjuntamente pelas comissões de Defesa de de Finanças e Tributação da
Câmara, pelo secretário-geral Marcel Barros. O dirigente fez questão de
ler ao plenário o texto do Artigo 192 da Constituição:
“O Sistema Financeiro Nacional, estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da
coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as
cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que
disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas
instituições que o integram.”
Esse papel está sendo cumprido pelos bancos no país?, indagou Marcel
Barros no seminário, coordenado pelo presidente da Comissão de Defesa do
Consumidor, deputado Roberto Santiago (PV-SP), que contou com a
participação do deputado Valdivino de Oliveira (PSDB-GO), da Comissão de
Finanças e Tributação.
Bolsa-banqueiro – “Temos um sistema financeiro altamente concentrado, um verdadeiro cartel
dos bancos, em que apenas as cinco maiores instituições detêm 82% dos
ativos, 80% do crédito e 70% do patrimônio do setor. E cobram os juros,
os spreads e as tarifas mais altas do mundo, sem oferecer nenhuma
contrapartida social”, acusou Marcel Barros.
A participação do crédito na economia brasileira, acrescentou Marcel, é
de apenas 46% do PIB, muito menos que a totalidade das economias
desenvolvidas. E dos seis grandes bancos que operam no país apenas 35,5%
dos ativos são destinados a operações de crédito. “A maior parte dos
ativos é utilizada em atividades especulativas, graças à taxa Selic, a
mais alta do mundo, que é uma verdadeira bolsa-banqueiro”, criticou o
secretário-geral da Contraf-CUT.
O seminário, requerido pelos deputados Carlinhos Almeida (PT-SP),
Roberto Santiago (PV-SP), João Dado (PDT-SP) e Arnaldo Jardim (PPS-SP),
fixou como objetivos discutir e buscar soluções para o desrespeito aos
usuários do sistema financeiro nos altos preços das tarifas e juros, no
tempo nas filas, na discriminação aos cidadãos de menor pode aquisitivo,
na insegurança nas agências e na exposição de dados pessoais a
estranhos, via terceirização dos serviços.
Além da Contraf-CUT, participaram do debate, o consultor do Departamento
de Prevenção a Ilícitos Financeiros do Banco Central, Anselmo Pereira
Araújo Netto; a coordenadora do Grupo de Trabalho do Sistema Financeiro
Nacional da 3ª Câmara do Ministério Público Federal, Valquíria Oliveira
Quixadá Nunes; Amaury Martins de Oliva, diretor do Departamento de
Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça; Gustavo
Marrone, diretor de Autorregulação da Febraban; Victor Leonardo de
Araújo, da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); Sérgio Belsito, presidente do
Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central; Maria Inês Dolci,
coordenadora da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor
(Proteste); e Sílvio Giusti, representante da Organização das
Cooperativas Brasileiras (OCB).
Inclusão social – Marcel disse que, em vez de contribuir com o desenvolvimento do Brasil,
os bancos hoje transferem poupança das regiões pobres para as regiões
ricas e acusou as instituições estrangeiras de cobrarem spreads e juros
mais altos aqui do que em seus países de origem, enfatizando que as
empresas financeiras pagam com sobras suas folhas de pagamento e parte
das despesas administrativas somente com a receita de prestação de
serviços.
O secretário-geral da Contraf-CUT defendeu ainda a suspensão das
resoluções do Banco Central que ampliam a atuação dos correspondentes
bancários, violando a Constituição Federal ao legislar em substituição
ao Congresso Nacional. A Contraf-CUT apoia a aprovação do Projeto de
Decreto Legislativo (PDC) nº 214/2011, do deputado federal Ricardo
Berzoini (PT-SP), que suspende essas resoluções do BC.
“Existe uma diferença entre “bancarização” e inclusão bancária. O que o
BC e os bancos chamam de “bancarização” é dar um cartão de crédito à
pessoa, deixando-a à sua própria sorte. Normalmente o cidadão abre uma
conta obrigado pelo empregador, que tem benesses do banco. Ele toma
crédito e não tem noção do custo”, criticou Marcel. “Para haver uma
verdadeira inclusão bancária, precisamos ter orientação para o crédito,
educação financeira para que o cidadão saiba o que e quanto está
pagando.”
Marcel cobrou do representante da Fenaban no seminário a assinatura da
carta de intenções que foi apresentada junto com a pauta de
reivindicações da campanha nacional deste ano, comprometendo-se com a
venda ética de produtos.
Por isso, segundo ele, os bancos não querem abrir a conta simplificada,
uma vez que não podem faturar com cobrança de tarifa. 90% desse
atendimento é da Caixa.
As propostas da Contraf-CUT – Por fim, Marcel Barros apresentou as principais propostas da Contraf-CUT para a regulamentação do Artigo 192 da Constituição:
* Discutir papel do Banco Central.
* Destinação do crédito por áreas determinadas segundo as necessidades de desenvolvimento econômico nacional ou regional.
* Ampliação do Conselho Monetário Nacional.
* Exigência com relação a manutenção dos empregos a partir de qualquer incentivo ou socorro financeiro por parte do governo.
* Formulação de mecanismos de incentivo para o desenvolvimento das
microfinanças – aprofundar o debate da importância do cooperativismo e a
atuação dos correspondentes bancários no país.
* Realização da Conferência Nacional do Sistema Financeiro
Concentração bancária – O representante do Ipea no seminário, Victor Leonardo de Araújo, que é
técnico de pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas,
apresentou estudo mostrando que a concentração do atendimento bancário
continua muito acentuada no Sudeste e Sul e que os bancos públicos,
apesar de estarem mais presentes nos municípios mais pobres, não estão
cumprindo o seu papel de fazer a inclusão bancária e promover o
desenvolvimento regional.
O presidente do Sindicato dos Funcionários do BC (Sinal), Sérgio
Belsito, também defendeu uma reorientação do papel do sistema financeiro
nacional, de forma a contribuir para o desenvolvimento do país, e que é
preciso o envolvimento do Congresso Nacional nesse debate.
A procuradora regional da República Valquíria Quixadá criticou a atuação
dos correspondentes bancários, “que estão cometendo verdadeiros crimes
contra aposentados e idosos país afora ao forçarem a venda de produtos
indesejados ou ignorados”, e pediu ao Banco Central que aumente a
vigilância e puna esses abusos.
Maria Inês Dolci, da organização de defesa do consumidor Proteste,
também defendeu investimentos em educação financeira da população,
sobretudo das classes C, D e E emergentes, e denunciou “a picaretagem
dos correspondentes financeiros, que aplicam golpes em relação ao
crédito consignado e induzem as pessoas a assinarem contrato em branco,
além de exercerão pressão para a compra de produtos”.
Desrespeito do Banco Central – O deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), que participou do debate após as
apresentações, criticou a ausência do presidente do Banco Central,
Alexandre Tombini, no seminário. “Mais uma vez o BC mostra que não
respeita o Congresso e a população. Representa mais os bancos do que a
sociedade”, disse.
As acusações de Berzoini foram endossadas pelos deputados Francisco
Araújo (PSL-RR) e Reguffe (PDT-DF), para quem o Banco Central “tem que
ser órgão de Estado, e não atuar a favor dos banqueiros e contra a
população”.