Para psicólogo de Brasília, “a organização do trabalho está doente”

Leia a entrevista completa com o psicólogo Vitor
Barros Rego, publicada em versão resumida na última edição de O
Espelho Nacional, publicação da Contraf-CUT dirigida aos
funcionários do Banco do Brasil. Para Vitor, professor
universitário, mestre em psicologia social do trabalho e das
organizações pela Universidade de Brasília (UnB), o trabalho nos
bancos está adoecendo os trabalhadores.

Responsável pela
Clínica do Trabalho que acontece no Sindicato dos Bancários de
Brasília, Barros atende cotidianamente aos trabalhadores e conhece
de perto as consequências do modelo de administração dos bancos,
marcado por pressão elevada e intensa competição entre os
colegas.

“Trabalhar não é só fazer algo, mas é também
ter um convívio, compartilhar ideias, conflitos, acertos, erros,
contradições. É uma dimensão invisível deste trabalho que
permite o reconhecimento da contribuição social de cada um ao
grupo”, afirma ele. “No entanto, quando todos competem
contra si e/ou estão extremamente atarefados com demandas urgentes,
não há espaço para nada disso. Assim, considero que o adoecimento
no trabalho é um adoecimento social, que tem origem na organização
de trabalho que está doente”, sustenta Vitor, autor do livro
“Adoecimento Psíquico no Trabalho Bancário: da prestação de
serviços à (de)pressão por vendas”, lançado no último dia
11 na sede do Sindicato de Brasília.

Leia abaixo a íntegra
trechos da entrevista:

O Espelho – Baseado em seu trabalho
como psicólogo do Sindicato de Brasília, qual sua impressão sobre
a saúde dos bancários? Quais as queixas mais comuns?

Vitor
Barros Rego
– A saúde dos bancários está fortemente
debilitada. A maioria só busca ajuda quando há um quadro clínico e
mental muito avançado: não conseguem dormir, concentrar,
raciocinar, alguns não lembram fatos corriqueiros ou, no caso de
LER/Dort, já não conseguem vestir a própria roupa, por exemplo.
Mostram irritação constante, choro compulsivo e uma frequente
sensação de inutilidade. Os diagnósticos mais comuns são de
depressão; ansiedade generalizada; reações ao estresse; síndrome
do pânico; as sinovites e tenossinovites e as repercussões destas
na coluna vertebral (dorsalgias, lombalgias e hérnias). São
diagnósticos que marcam a forte pressão diária por resultados, a
cultura dos excessos de punições aos erros, da alta competitividade
e do enxugamento de funcionários nos setores.

Tirando a
questão do diagnóstico clínico e psiquiátrico, dois fatores
fundamentais estão claros nesses adoecimentos: a questão ética e
as relações socioprofissionais marcadas por hostilidades,
distanciamento e até mesmo humilhações. A ética (ou a falta dela)
está nos critérios de avaliação de desempenho baseados em
favoritismos e resultados duvidosos. O bancário que quer fazer um
bom trabalho, sem jogo sujo, vê outros que são reconhecidos e
começa a sentir-se excluído ou então pressionado para fazer o
mesmo. Como todos têm seus desempenhos comparados (permeados pelos
rankings), aquele que não está no ritmo dos outros é
automaticamente taxado de mau funcionário por simplesmente não ser
como os demais. Ou seja, prolifera a intolerância às diferenças. O
fator “relações socioprofissionais” é essencial para o
trabalho como algo constituinte da identidade do trabalhador.
Trabalhar não é só fazer algo, mas é também ter um convívio,
compartilhar ideias, conflitos, acertos, erros, contradições. É
uma dimensão invisível desse trabalho que permite o reconhecimento
da contribuição social de cada um ao grupo. No entanto, quando
todos competem contra si e/ou estão extremamente atarefados com
demandas urgentes, não há espaço para nada disso. Assim, um
bancário, quando está com sua saúde física debilitada, ninguém
percebe, pois não tem tempo para perceber, ou mesmo nunca viu este
fulano no setor, de tanto trabalho e indiferença. Assim, considero
que o adoecimento no trabalho é um adoecimento social, que tem
origem na organização de trabalho que está doente.

O
Espelho – As doenças psíquicas têm crescido muito como causa de
afastamento na categoria, segundo dados do INSS. A organização de
trabalho e o modelo de negócios imposto pelos bancos têm influência
nisso?

Vitor – Dia 11 de julho, lançarei o livro
“Adoecimento psíquico no trabalho bancário: da prestação de
serviços à (de)pressão por vendas” e lá coloco quatro
fatores dessa organização do trabalho bancário que influenciam
para este quadro de tantos afastamentos por doenças semelhantes na
categoria: 1) qualidade total; 2) práticas neoliberais; 3) marketing
interno dos bancos; e 4) os métodos de avaliação de desempenho. O
neoliberalismo trouxe a flexibilização dos mercados, mas também
dos contratos de trabalho: põe-se um salário base baixo e
acrescentam-se várias gratificações para que o bancário possa ser
“jogado” pra cima e para baixo da empresa sem qualquer
problema jurídico, mas com certeza com danos emocionais gravíssimos.

Além disso, essas práticas trazem em seu cotidiano a
filosofia administrativa do foco nos resultados. Ora, quando se diz
que o que importa são os resultados, a alta cúpula abre espaço
para que o caminho para alcançar estes resultados possa ser
ignorado. Dessa forma, os fins (metas) justificam os meios (“jogo
sujo”) claramente, e com aval. Se o cara bateu 160% das metas
com clientes fantasmas, isso não importa. Os 1.600 pontos estão lá.
E, por fim, o neoliberalismo abriu espaço para que as rivalidades
sejam entre colegas da mesma empresa a partir da somatória de dois
“motivadores”: rankings de “quem faz mais” e
premiações atribuídas. Assim, criou-se um jogo de azar, onde
somente um é vencedor e o restante é perdedor. Isso é péssimo
para o convívio humano, mas ótimo para a produtividade. O trabalho
bancário se tornou, então, descontínuo e sem fim, pois as metas
podem ser batidas num mês, mas mês seguinte vem mais.

O
Espelho – Qual o papel da Qualidade Total nesse contexto?

Vitor
– A Qualidade Total é bastante exaltada como melhor maneira de gerir
a empresa. Em sua prática, a Qualidade Total propõe dois massacres:
o enxugamento de pessoal e a manualização do trabalho. Quando se
tem o número contado de pessoas para trabalhar, além de
intensificar o ritmo e o volume de trabalho (possibilitando adquirir
LER/Dort), cria-se situação de super-heróis, que nunca podem
adoecer (ou permitir que seus filhos adoeçam). Um desfalque numa
equipe “ajustada” é entendido como abandono do barco, como
se o abandonador (quem adoece ou sai de férias) não desse a mínima
para aqueles que ficaram com o trabalho dividido por menos pessoas.

Essa conduta hostil dificulta reabilitações e,
principalmente, o convívio. Já a manualização é um processo de
colocar tudo que se acredita ser necessário para a execução do
trabalho em normas e manuais. No entanto, ignoram imprevistos (sempre
constantes), além de tirar a autonomia, a essência e o sentido do
trabalho, já que tudo está no manual. E, quando se transforma esse
trabalho em mera execução de normas, os rankings se tornam o único
“divertimento” para ainda ter um resgate de identidade no
trabalho. O setor de marketing é um dos mais valorizados dentro das
empresas. A imagem da empresa perante seus clientes é importante,
mas passar uma boa imagem para seus funcionários rende fidelizados
encantados com palavras e músicas bonitas, como “Imagine”,
de John Lennon. Trata-se de uma era narcisista onde dentro da empresa
tudo é lindo, todos vivem em irmandade. Assim, qualquer paradoxo ou
contradição que venha a surgir no ambiente de trabalho são
mascarados nessas campanhas, propagandas e cartilhas. É uma forma de
apelar para vender para seus funcionários a própria empresa. Ou
seja, tentando convencê-los que ali que é o lugar deles. Algumas
cartilhas internas também pregam, assim como os religiosos, que a
conduta desejável dentro e fora da empresa seja seguida, o que faz
refletir se isso não é uma forma tão direta e sutil de
adestramento de seus funcionários.

O Espelho – E as
chamadas avaliações de desempenho?
Vitor
– As avaliações
de desempenho, ferramentas necessárias nas empresas, apresentam-se
como uma afronta à qualidade do trabalho bem feito e o senso de
justiça. Isso acontece porque é pelo resultado dessas avaliações
que decidem quem deverá ter ascensão na carreira. No entanto, o
juiz que faz a avaliação, inserido no contexto neoliberal, avalia
quanto o avaliado fez, e não como. Assim, avalia-se o quanto ele foi
útil, dispensando conhecer as técnicas e esforços empenhados para
alcançar tal resultado. É aqui que entra a destruição do senso de
justiça, pois os que vendem muito, não importando como, são os
“promovíveis” e dignos de reconhecimento. Para os que se
esforçaram com ética e qualidade de um trabalho bem feito, fica a
exclusão e o balde de água fria.

Esses quatro fatores em
conjunto promovem espaços abertos para desconfiança entre
funcionários, vista na conspiração do silêncio instituída. É um
prato cheio para que a violência moral ocorra sem que qualquer ajuda
dentro do coletivo de trabalho impeça. O assédio moral não é um
ato assediador-assediado, mas também de todo um coletivo que, em
silêncio, é conivente e consente. Assim, aquele funcionário que
tiver dificuldades ou sofrer algum tipo de assédio (moral e/ou
sexual, seja de chefia, do cliente ou de colegas de trabalho) vai
ficar isolado no seu sofrimento, sobrando a irritação para sua vida
pessoal, mascarada em “tarjas-pretas”. Caso sua condição
de humilhação e sofrimento não tenha qualquer apoio
(reconhecimento de que há sofrimento), o risco de suicídio aumenta
consideravelmente. Percebe-se que a grande perda que temos é a
possibilidade de estar em coletivo no trabalho e compartilhar.

O
Espelho – Existe diferença entre bancos públicos e privados nesse
sentido? Comente o caso do Banco do Brasil.
Vitor
– Todos os
dois “ramos” adoecem intensamente. No entanto, nos bancos
públicos, e especialmente no Banco do Brasil, a tendência é
humilhar o bancário, isolando-o das decisões, ameaçando de
descomissionamento (que, em alguns casos, chegam a ser 80% do
salário), excluir do ambiente de trabalho (pede para a pessoa ir
resolver um “problema” no outro lado da cidade e, quando
chega lá, não existe o “problema”), transfere para outro
setor (e, junto com a transferência, uma carta-recomendação que
queima a pessoa para toda a empresa), induz a pessoa ao erro
colocando-a para fazer um trabalho o qual ela não domina
tecnicamente, inventam regras que não existem nos normativos do
banco visando justificar alguma violência moral. Ou seja, fazem de
tudo para que a pessoa peça para sair. E, enquanto a pessoa luta
contra isso, ela vai adoecendo aos poucos até que ela saia, mas já
com a mente e o corpo destruídos.

O Espelho – Os comitês
de ética, conquistas dos bancários que visam combater o assédio
moral, têm funcionado? Esse é um caminho para melhorar a saúde dos
trabalhadores?
Vitor
– O assédio moral abre portas para o
adoecimento, pois fere aqueles dois princípios que falei
anteriormente: a ética e os bons vínculos nas relações
socioprofissionais. Os comitês de ética ajudam, em parte, pois a
exposição é inevitável. No entanto, não há segurança de que
algo possa ser feito para evitar que a violência continue a
acontecer. A última convenção, de dezembro de 2010, na qual o
assédio moral deve ser formalizado e a denúncia analisada pelos
bancos e sindicatos, força para que o banco seja mais responsável
nas suas tomadas de decisões sobre as práticas de assédio. O Banco
do Brasil, infelizmente, não foi signatário. Então, o bancário
fica a mercê do que será decidido neste comitê que não é
imparcial.

Além disso, por mais que se recomende que se
denuncie na Ouvidoria do BB, não sabemos que providências serão
tomadas. Num dos casos que recebemos aqui, descobriu-se que o marido
de uma assediadora denunciada trabalha na Ouvidoria. Então, que tipo
de tratamento terá essa denúncia? Não há esse cuidado. Então, os
comitês de ética devem existir, sim, mas com pessoas capacitadas e
comprometidas com a imparcialidade. Só assim pode-se ter um caminho
para se ter noção de justiça no trabalho. Mas não a saúde
propriamente dita, que depende de outros fatores.

O Espelho
– No Banco do Brasil, uma regra interna diz que um bancário que
fique 90 dias afastado por motivo de saúde pode ser substituído em
sua função, perdendo comissão e salário. Em caso de afastamento
de 180 dias, o próprio sistema automaticamente o descomissiona.
Quais as consequências disso?
Vitor
– Isso faz com que o
bancário afastado não se cure e volte a trabalhar sem se sentir
melhor, pois a comissão chega a representar quase 80% do salário.
Passa a mensagem contrária do próprio marketing do banco: “você
é essencial para nosso crescimento”, ou “você é
insubstituível para nossa sinergia”, ou algo do tipo. Se fosse
essencial mesmo, não ameaçaria assim, muito menos deixaria com que
a pessoa adoecesse desta forma. Desculpe o termo, mas é ridículo
que o bancário seja punido por adoecer, ainda mais se for
reconhecido pelo próprio INSS como acidente de trabalho. Ou seja,
foi no trabalho que ele adoeceu, o trabalho que pague o tratamento e
o mantenha seguro de suas funções quando ele se afastou. A sensação
de injustiça é maior ainda para quem se afasta, pois, em muitos
casos que acompanho, a própria Cassi joga contra, sinalizando que o
bancário não está adoecido, seja psiquicamente, seja por LER/Dort.

Expediente:
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