O Brasil ostenta hoje
uma “desproporção” entre a força de sua economia e seus níveis
educacionais que o Plano Nacional da Educação (PNE) 2011-2020
precisa ajudar a combater. É a sétima economia do mundo, posição
tomada recentemente da Itália, mas, ao mesmo tempo, ocupa só a 88ª
posição no ranking das Nações Unidas na área da educação.
Para
o novo presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Daniel
Iliescu, a superação da contradição exige que o Congresso
Nacional mude o PNE proposto pelo governo e fixe em 10% do Produto
Interno Bruto (PIB), e não em 7%, a meta de investimentos públicos
na área. E que a meta seja atingida até 2014, fim do governo Dilma
Rousseff, e não apenas em 2020. “10% do PIB é uma bandeira muito
poderosa. Não é só do movimento educacional, tem relação com o
projeto de futuro que a gente quer debater para o Brasil”, diz
Iliescu, eleito para um mandato de dois anos neste domingo (17/07),
último dia do 52° Congresso Nacional da UNE, realizado em Goiânia
(GO).
Estudante de sociologia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), Iliescu, de 26 anos, é filiado ao Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), que comanda a UNE há tempos. Ele
representa a continuidade de uma gestão que costuma ser acusada por
opositores de Dilma e do ex-presidente Lula de adesista ao governo
federal.
Em entrevista à Carta Maior, Iliescu diz que a UNE
tem e seguirá tendo independência em relação ao governo, com o
qual se relaciona por “obrigação” de defender os interesses da
classe estudantil, e aponta a divergência no PNE como exemplo de
autonomia.
Ele também faz uma avaliação dos seis primeiros
meses do governo Dilma, com críticas à política econômica (ajuste
fiscal e aumento de juro “preocupam muito”) e elogio à postura
política da presidenta (há “tolerância zero com corrupção”).
E fala sobre erros e acertos da gestão do ministro da Educação,
Fernando Haddad. A seguir, o leitor confere a íntegra da
entrevista.
Sua eleição representa a continuidade de uma
gestão que adversários do governo chamam de chapa-branca. A UNE é
chapa branca?
Daniel Iliescu: A nossa gestão vai procurar, em
primeiro lugar, ter uma relação de independência com o governo
federal. É uma relação que a UNE desenvolve historicamente com
todo e qualquer governo. A UNE tem obrigação de se relacionar com
os governos, em respeito aos interesses dos estudantes pelos quais
ela luta. E as principais opiniões que a gente tem levantado, as
principais campanhas em que a UNE tem apostado, são opiniões de
dissenso em relação ao governo. Em especial, nossa abordagem ao
Plano Nacional de Educação, que é um assunto que a UNE discute há
algum tempo, desde a Conferência Nacional de Educação de 2010. A
UNE defende [investir em educação] 10% do PIB até 2014,
contrastando e criticando a proposta do governo federal de 7%. Então,
apesar dessas opiniões de alguns adversários do governo federal, de
caricaturar a ação do movimento estudantil, a gente consegue passar
muita confiança para a sociedade brasileira de que é função da
UNE ter independência e pressionar o governo federal a ter mais
compromisso com o país.
O PNE vai ser, na sua gestão, o
principal ponto de reinvindicação e de negociação no nível
federal?
Daniel Iliescu: Pelo menos nessa largada da gestão,
vai ser a prioridade. É a principal discussão que o Brasil faz
sobre educação de dez em dez anos. A gente apresentou, junto com a
UBES [União Brasileira dos Estudantes Secundaristas], cerca de 60
emendas ao projeto na comissão especial da Câmara dos Deputados. E
vamos convocar os estudantes brasileiros a se unir ao movimento
social e à sociedade civil organizada para construir, no fim de
agosto, uma grande jornada nacional de lutas sobre o PNE. Mas a gente
espera que o PNE não seja a única pauta da gestão.
Você
acha que há condições de, fazendo pressão no Congresso, convencer
o Executivo a ampliar de 7% para 10%?
Daniel Iliescu: 10% do
PIB é uma bandeira muito poderosa, que pode se tornar a bandeira de
todo o país, não é uma bandeira corporativa, só do movimento
educacional. É uma bandeira que tem relação com o projeto de
futuro que a gente quer debater para o Brasil. O Brasil vive uma
oportunidade ímpar de desenvolvimento econômico, ultrapassou a
Itália e é a quinta economia do mundo. No entanto, a ONU, pelo seu
braço que é a Unesco, que mede níveis educacionais de vários
países como taxa de analfabetismo e acesso à universidade, coloca o
Brasil na posição de número 88. É muito desprorporcional hoje o
Brasil em termos de suas possibilidades econômicas e o Brasil em
termos de educação que oferece à população. O Brasil precisa
ampliar de forma robusta o financiamento. O PNE aprovado em 2001 já
apontava a necessidade de investir 7% do PIB até 2010 e isso não
foi cumprido pelos governos na última década.
Quer
dizer, já é uma meta defasada…
Daniel Iliescu: É uma
necessidade defasada. O Brasil vive um bônus demográfico de 50
milhões de jovens, precisa aproveitar essa geração e investir de
forma mais robusta para poder financiar o que a gente entende que
seja uma revolução na educação brasileira, que vai desde o
combate ao analfabetismo, a valorização dos professores em todos os
níveis de ensino, até a produção de tencologia de ponta, de
pesquisa nas universidades. Só uma ampliação desse patamar [de
investimento em educação] para no mínimo de 10% do PIB, e a gente
propõe que isso seja feito até 2014, com o aumento de 1,25% ao ano,
é que a gente consegue enfrentar os desafios e superar as
desigualdades que o Brasil historicamente tem constituído.
E
qual será a prioridade em 2012, depois do PNE?
Daniel Iliescu: O
grande desafio que a gente quer assumir é de se associar ao que tem
de melhor no pensamento brasileiro, melhor do pensamento acadêmico,
do pensamento político, jornalístico, da sociedade civil
organizada, para debater o Brasil na década, debater os rumos do
desenvolvimento brasileiro. A UNE se pauta há 74 anos por um projeto
de desenvolvimento que seja democrático, soberano, ambientalmente
sustentável. E achamos que um debate sobre os destinos da educação
faz parte sobre esse grande debate sobre os rumos do país. O nosso
congresso discutiu temas que vão desde economia até meio ambiente,
que vão desde política até sexualidade. Existe uma pauta extensa,
que interessa aos rumos do país. Este ano mesmo, o Brasil já vive
um processo de conferência nacional de juventude, as suas etapas
municipais, a etapa nacional vai ser daqui a alguns meses. Então,
vamos fazer um esforço de dar opinião sobre tudo o que diz respeito
à juventude, de exercer diálogo com a sociedade e pressão sobre o
governo no Congresso para aprovar o que for de interesse da juventude
brasileira.
Qual sua avaliação do primeiro semestre do
governo Dilma?
Daniel Iliescu: O governo foi eleito
interpretando a vontade da grande maioria dos brasileiros de
aprofundar mudanças no país. Mas houve até agora algumas
sinalizações contraditórias, especialmente no âmbito econômico,
que, na nossa opinião, vão contra este interesse de aprofundar o
desenvolvimento e mesmo da pauta que foi aprovada pela maioria dos
brasileiros. Alguns exemplos disso? O corte no orcamento de R$ 50
bilhões, dos quais R$ 3 bilhões da educação. A política de
constante subida dos juros, que pode travar o investimento no país,
não beneficia as forças produtivas brasileiras. O próprio dólar
sobrevalorizado pode acarretar um risco de desindustrialização.
Então, a gente observa com muita preocupação esse início de
governo. Mas mantendo expectativa também na capacidade de diálogo,
no aprofundamento da democracia para que a sociedade organziada possa
influenciar nesses rumos e ajudar o Brasil daqui para frente.
E
do ponto de vista político? É um governo que, em seis meses, perdeu
dois ministros por denúncias de desvios éticos…
Daniel
Iliescu: A gente obviamente, como toda a sociedade brasileira,
fica consternada e quer fazer pressão para que os mandatários sejam
honestos, a gente fica indigando com todo e qualquer envolvimento em
corrupção. Mas a ação da presidenta Dilma até aqui foi muita
assertiva. Ela passou uma certa segurança à população brasileira
de que a tolerância será zero com todo e qualquer caso de
corrupção. Ficamos também na expectativa para ver se o Brasil
finalmente consegue republicanizar mais a sua relação com o poder
público, que é uma expectativa de toda a sociedade. Isso se
relaciona também com o debate sobre reforma política, que alguns
atores têm entendimento de que é fundamental para o país. Nós
também temos uma expectativa grande de que medidas como a reforma
política possam moralizar mais a vida pública.
Especificamente
sobre o ministro da Educação, Fernando Haddad, qual a sua
avaliação?
Daniel Iliescu: Em primeiro lugar, foi uma gestão
com um grau bastante razoável de diálogo, que é uma postura
importante no Ministério do Educação. Não temos do que reclamar
deste ponto de vista. É também uma gestão com vitórias
importantes e alguns limites importantes a serem considerados também.
Entre as vitórias, eu citaria a ampliação do acesso à
universiade. A gente realizou no Congresso da UNE um ato para
comemorar a marca de 1 milhão de estudantes beneficiados pelo
Prouni. E não são quaisquer estudantes, são de baixa renda, que
ganham de um a três salários mínimos, é um dado a ser comemorado
pelo país, talvez seja um dos maiores programas de inclusão
educacional de todo o continente. No entanto, existem alguns limites
importantes. O próprio limite do financiamento, em que pese na
gestão do Haddad ter tido sempre uma trajetória ascendente, mas
achamos que é um ritmo ascendente ainda muito tímido, não é
compatível com as necessidades do Brasil.