Sob o título “A
pobreza e a cor da pobreza”, o jornal Folha de S.Paulo publicou
nesta sexta-feira, 13 de maio, um artigo de Luiza Bairros, ministra
da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República.
Para ela, “é preciso tornar
visíveis e valorizar dimensões da pessoa e do universo
afro-brasileiro que desempenham papel decisivo na conquista da
autonomia. Todos somos humanos, e a resistência aos processos
desumanizadores do racismo é, de longe, a maior contribuição dos
negros à cultura brasileira”.
Leia a íntegra do artigo
de Luiza Bairros:
A pobreza e a cor da pobreza
Em
“Leite Derramado”, mais recente romance de Chico Buarque,
há um personagem que, ao se referir com ironia ao radicalismo de seu
avô abolicionista, afirma que ele “queria mandar todos os
pretos brasileiros de volta para a África”.
Nessa visão,
abolicionismo radical equivalia a se livrar dos negros. De todo modo,
após 1888, as elites brasileiras irão se comportar como se os
libertos, que as serviram por quase quatro séculos, não estivessem
mais aqui. Mas estavam, e por sua própria conta.
No início
do século 20, eram frequentes os prognósticos sobre o
desaparecimento da população negra, que supostamente não
sobreviveria ao século.
Ao mesmo tempo em que se criticavam
as soluções de laboratório defendidas pelo ideário eugenista, em
voga aqui e em muitos países, também se apostava no
embranquecimento via miscigenação.
ais tarde, ao se debruçar
sobre os resultados do Censo de 1940, Guerreiro Ramos considerou
“patológico” o desequilíbrio nas respostas ao quesito
cor, tendentes, em sua esmagadora maioria, a sobrevalorizar a cor
branca.
Na contramão dessa tendência, os dados censitários
de 2010, há pouco divulgados, confirmam o que já se delineava no
Censo de 2001: iniciativas de valorização da identidade, com origem
nos movimentos negros e hoje em processo de institucionalização,
asseguraram a maioria negra em uma população que ultrapassa 190
milhões de brasileiros.
Nesse longo percurso de afirmação,
as mudanças não se limitaram a uma percepção de si mais positiva,
exclusiva dos afro-brasileiros.
A consciência negra avançou em
conexão íntima com a consciência social como um todo. Não se
trata, portanto, da mera substituição de um segmento populacional
dominante por outro, mas do reconhecimento de que os valores do
pluralismo ajudam em muito a consolidar nosso processo
democrático.
Contudo, ainda persistem dificuldades a serem
enfrentadas.
Hoje, temos uma sólida base de dados, que mostra
reiteradamente que mulheres e homens negros estão entre os
brasileiros mais vulneráveis, numa proporção muito maior do que
sua presença relativa na população total.
Por isso, a
priorização da erradicação da pobreza extrema pelo governo da
presidenta Dilma abre possibilidades inéditas de abordar rica e
diversificada experiência humana, que ainda precisa ser considerada
em toda a sua amplitude.
O sucesso das iniciativas de combate
à pobreza extrema requer a reversão de imagens negativas, a
superação de práticas discriminatórias e o redimensionamento dos
valores de cultura e civilização que, afinal, contra todas as
expectativas, garantiram a continuidade dos descendentes de africanos
no país.
Quando o assunto é superação da pobreza extrema,
é justo supor que os negros tenham algo a dizer.
Segmentos
empobrecidos de outros grupos raciais também o terão, é certo. Mas
os negros têm a oferecer suas estratégias de resistência ao
racismo, que, desde o período colonial, interpôs obstáculos
ideológicos e culturais à afirmação plena de sua humanidade -a
base das desigualdades de renda e de oportunidades que ainda
vivenciam.
Assim, no atendimento a direitos básicos que
articulam renda, acesso a serviços e inclusão produtiva, é preciso
tornar visíveis e valorizar dimensões da pessoa e do universo
afro-brasileiro que desempenham papel decisivo na conquista da
autonomia. Todos somos humanos, e a resistência aos processos
desumanizadores do racismo é, de longe, a maior contribuição dos
negros à cultura brasileira.