Funcionários acima do peso, trabalhadoras que
vestem minissaia e usam decote. Homens que têm barba, possuem
cabelos compridos, tatuagem, usam piercing ou, simplesmente, são
considerados fora do padrão estético. A Justiça trabalhista tem
sido cada vez mais chamada a decidir os limites de interferência das
companhias na aparência de seus empregados.
Os manuais de
conduta, que algumas possuem, são aceitos pelo Judiciário e o
descumprimento dessas orientações pode justificar demissões por
justa causa. O Judiciário, no entanto, tem condenado as companhias
pela chamada discriminação estética, quando essas exigências
ultrapassam o que poderia ser considerado razoável.
O banco
Bradesco, por exemplo, foi condenado recentemente por proibir o uso
de barba por seus funcionários – vedação que chegou a constar no
manual de regras da empresa, segundo o processo.
A decisão
do juiz Guilherme Ludwig, da 7ª Vara do Trabalho de Salvador
determinou o pagamento de R$ 100 mil por dano moral à coletividade
dos trabalhadores, a retirada da previsão do manual da instituição
e a publicação de retratação em jornais locais.
A decisão
foi tomada em uma ação civil pública ajuizada em fevereiro de
2008, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). O magistrado
entendeu que a regra era abusiva e violaria o artigo 3º, inciso IV,
da Constituição. O dispositivo proíbe preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Dessa decisão ainda cabe recurso.
Em uma outra ação contra
o banco, um advogado que trabalhou no departamento jurídico da
instituição também alegou discriminação estética pelo mesmo
motivo. Segundo seu depoimento no processo, um de seus chefes falava,
de forma reiterada e usual, na frente de colegas, que “barbicha”,
não era coisa de homem”.
A 6ª Turma do TST, porém,
não concedeu a indenização porque as testemunhas teriam entrado em
contradição sobre quem seria o gerente responsável pela
humilhação. Ainda assim, o ministro Augusto César Leite de
Carvalho, relator do recurso, deixou claro em seu voto que “a
exigência imposta pela empresa de trabalhar sem cavanhaque ou sem
barba pode afetar o direito à liberdade, à intimidade, à imagem,
previstos na Constituição”. O Bradesco, por meio de sua
assessoria de imprensa, informou que não comenta assunto sub
judice.
Como não há regra que defina claramente em quais
situações as empresas podem interferir na aparência de seus
funcionários, as decisões têm sido tomadas a partir da aplicação
de dois princípios constitucionais: dignidade da pessoa humana e
razoabilidade, como afirma o juiz do trabalho Rogério Neiva
Pinheiro, que atua em Brasília.
Em um caso julgado pela 5ª
Turma do TST, os ministros entenderam que não seria abusiva a
proibição do uso do piercing prevista no manual de regras do
supermercado Atacadão, do grupo Carrefour, em São Paulo. “Uma
vez que, se uma parte da população vê tal uso com absoluta
normalidade, é de conhecimento público que outra parte não o
aceita”, afirma o relator do processo, ministro Emmanoel
Pereira.
Segundo a decisão, o supermercado, ao fixar normas,
“busca não agredir nenhuma parcela de seu público consumidor
e, por isso, tem o poder de estabelecer restrições”. Para os
ministros, a empresa não teve outra alternativa senão demitir o
empregado por justa causa, que, mesmo sabendo das regras, foi
trabalhar com um piercing no lábio e não o retirou após repreensão
da direção. A empresa informou, por meio da assessoria de imprensa,
que prefere não comentar o assunto.
Para a advogada
trabalhista Sônia Mascaro, do Amauri Mascaro Nascimento Advocacia
Consultiva, somente se pode preterir determinados profissionais para
uma função se houver justificativa plausível, caso contrário
caracteriza-se discriminação.
Ela lembra que a Convenção
nº 111, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1958,
ratificada pelo Brasil, já trazia previsão relativa à
discriminação. Segundo a convenção, é discriminação todo o
ato, fato comportamento que tenha por objetivo dar preferência ou
excluir alguém.
Foi o que ocorreu com um professor de
educação física obeso, de uma escola de Maringá (PR). Ele foi
indenizado em R$ 10 mil ao alegar que foi chamado de gordo e de ser
incapaz de ser bom professor de educação física.
A decisão
da 6ª Turma do TST foi unânime. Para o relator, ministro Aloysio
Corrêa da Veiga “deve a empresa cuidar para um ambiente de
respeito com o trabalhador, não possibilitando posturas que
evidenciem tratamento pejorativo, ainda mais em razão da condição
física, o que traz sofrimento pessoal e íntimo ao empregado, pois
além de ser gordo ainda tem colocado em dúvida a sua competência
profissional”.
Uma trabalhadora das lojas C&A, em
Curitiba, que alegou ter sido considerada feia e velha para os
padrões estéticos da empresa também obteve indenização de R$ 30
mil no TST. Segundo testemunhas, seu superior teria dito que “ela
era bonita do pescoço para cima, e do pescoço para baixo era feia”.
Para a funcionária, a demissão aconteceu em função da
idade e por critérios relacionados à aparência física. A
trabalhadora foi contratada como vendedora aos 28 anos e demitida aos
38 anos. Em nota, a C&A informou que “preza pelo respeito e
ética entre seus funcionários, clientes e fornecedores” e que
investe constantemente em treinamentos para que não ocorram casos
desta natureza.
O advogado João Marcelino, do escritório
Tavares, Riemma e Advogados Associados, afirma que como todos esses
julgados giram em torno do princípio da razoabilidade, tendo em
vista que não há, no Brasil, regra legal estabelecendo critérios
objetivos, as decisões dependerão muito do contexto.
Ele
explica, que a barba, por exemplo, poderia ser vetada caso o
funcionário trabalhasse com alimentos. Por outro lado, a saia curta,
que pode não ser recomendável em um ambiente como um escritório,
pode ser aceita em outros locais.
Manual pode exigir padrão
de roupa – A Justiça Trabalhista tem admitido o uso de manuais
pelas companhias para estabelecer padrões de roupas para uso em
ambientes de trabalho. Ao analisar o processo de uma digitadora da
Brasilcenter Comunicações, prestadora de serviços de call center
pertencente ao grupo Embratel, a 3ª Turma do Tribunal Superior do
Trabalho (TST) foi unânime ao entender que a companhia, com o poder
diretivo dado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pode
exigir que seus funcionários estejam vestidos de forma adequada ao
serviços que prestam.
No caso, a funcionária alegou que a
companhia exigia que ela usasse roupa social, sem determinação de
cores, e sapatos fechados. Assim, pedia indenização para o
pagamento de despesas com roupas. No entanto, os ministros entenderam
que a própria funcionária admitiu que não era exigido uniforme –
que daria direito ao pagamento dos valores gastos pela empresa – e
que ela poderia utilizar essas roupas em outras ocasiões, fora do
horário de trabalho. Segundo a decisão da relatora, ministra Rosa
Maria Weber, “é razoável que a empresa proibisse o uso de
decotes, alças, saias muito curtas, para que se construa um ambiente
respeitável. Não há abuso de poder em tal atitude”. A decisão
é de outubro de 2009.
Para a advogada trabalhista Sônia
Mascaro, do Amauri Mascaro Nascimento Advocacia Consultiva, essa
decisão do TST sinaliza que a empresa tem poder para estabelecer
regras em relação ao vestuário de seus funcionários. “Até
porque isso pode interferir na imagem da companhia”, diz.
Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Embratel e da
Brasilcenter informou que as empresas não comentam decisões
judiciais.