Discriminação bancária: uma realidade injustificável

Qual não foi minha surpresa quando, no perpassar do mês de maio, ao
dirigir-me a um banco onde possuo conta, deparar-me com uma situação
desalentadora. Aliás, para dizer a mais pura verdade, sempre soube que
num País marcado historicamente pela segregação racial, social,
econômica e política – como o nosso – não poderia haver desvencilhamento
total de sua origem, isto é, ruptura capaz de não deixar resquícios ou
vestígios de sua gênese. Bem recordo das lições do inesquecível
Professor Carl Hermann Weis – de ciências da natureza – neste sentido…

Essa
idéia lançada, faço questão de ressaltar, embora ainda obscura para o
leitor, não se traduz diferente no bojo societário é medida que o intimo
comportamento e interesses de fundo social em muito também se
influenciam por sua carga histórica. Não estou a justificar o que hei de
narrar, mas, ao contrário, torno preliminar minha tentativa de
compreensão ou indignação da praxe bancária com seus correntistas,
inobstante nossa avançadíssima perspectiva legal (imperativa/ Estatal)
traçados, dentre outros diplomas normativos, pela Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 e pelo Código Consumerista, isto
é, pela Lei 8.078/90.(…)

Por dentro da agência havia uma nítida
divisão em dois pavimentos. Um térreo, no qual se realizavam as
operações com os correntistas principais (denominados “ouro”) e algumas
outras transações de caixa de menor mobilização (volume de clientes); no
andar superior, eram realizadas operações dos clientes “comuns”. Estes
últimos eram submetidos a filas desproporcionais se comparados aos
serviços prestados pela mesma agência logo abaixo. Conglomeram-se
atribuições das mais diversas, ou seja, desde pagamentos e atendimentos
aos clientes comuns (bem mais volumosos) até prestação de serviços de
pessoas jurídicas (menores em termos econômicos e maiores em termos
quantitativos – naturalmente), afora os mais variados outros tipos de
serviços, ocasionando um trânsito (estrangulamento) setorial evidente e
bem maior numa ala da agência – o andar superior. Logo, além de promover
uma discriminação entre correntistas e usuários, traz incongruências
inclusive internas, isto é, entre os próprios funcionários no que tange,
por exemplo, a quantidade de serviços. O fato é que os gerentes
setoriais do andar de cima eram bem mais sobrecarregados que os do andar
térreo… Naquele andar, para se ter uma idéia de quantidade, se
justifica o serviço de atendimento ser munido de filas eletrônicas, no
qual o interessado adquire “ticket de ordem” para atendimento, bem
diferente do andar de baixo, personalizado…

Se é natural que
uma instituição de crédito (como qualquer outra empresa) possa promover
privilégios aos seus clientes “especiais”, tal conduta vantajosa ou
premial perante os outros, cinge-se a vantagens e/ou benefícios que
justifiquem uma relação de causa-efeito com o elemento tomado para
desigualação, sob pena de configurar-se numa discriminação odiosa,
não-positiva ou inconstitucional.

Noutras palavras: uma coisa é a
discriminação – neste caso positiva, justificável e (re)equilibradora –
no qual se promove, por exemplo, um atendimento privilegiado de
grávidas, deficientes e idosos numa fila indiana para prestação de um
determinado serviço; outra, bem diferente, é estabelecer proporção
inversa entre volume depositado ou investido no banco e o tipo de
serviço prestado.

Ressurge o velho ditado, ainda que outrora
aplicável a outras situações: “cria-se dificuldade para venda de
facilidade”. A maior prova da verossimilhança do aqui alegado é que
nesta agência, pelos critérios por ela adotados, é mais vantajoso (por
obter melhor tratamento e serviço) ter um bom montante nela aplicado que
ser idoso, gestante ou deficiente – que disputam entre si por um melhor
atendimento no andar de cima…

Uma análise pormenorizada deste
fenômeno intra-agências bancárias merece investigação e publicidade.
Órgãos e sociedades de defesa do consumidor devem promover mais este
tipo específico de fiscalização no propósito de reprimir a quebra da
isonomia entre parias sem nexo de logicidade e permissividade
constitucional – o que, permissa venia, ocorre reiterada e
generalizadamente nos bancos.

Por fim, numa leitura mais ofensiva
desta atitude das instituições bancárias, diríamos que tal bonificação
(ou discriminação premial), aparentemente justificável, serve-se para
distinguir, no mesmo espaço físico (do banco), “cidadãos de primeira” e
“segunda classe(s)”. Promovem, portanto, um elo que não se ajusta à
finalidade de civilização almejada por todos nós. Ao contrário,
utiliza-se de um instituto jurídico, de aplicação adstrita e excepcional
para, subjacente, reestabelecer discriminações inaceitáveis e de há
muito superadas.

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