A
Suécia baniu, em 2004, a publicidade na TV dirigida às crianças, com
apoio de 88% da população. Desde 1991 ela já não podia ser veiculada
antes das 21 horas. As decisões estão fundamentadas em pesquisas
conduzidas pelo sociólogo Erling Bjurström. Diz ele que “algumas
crianças já aos 3 ou 4 anos de idade conseguem distinguir um comercial
de um programa normal de televisão, mas que somente dos 6 aos 8 anos é
que a maioria consegue fazer a distinção”.
sociólogo, só aos 12 é que todas as crianças conseguem ter uma posição
crítica em relação à publicidade ou discernir corretamente sobre os seus
objetivos. No Brasil nunca se fez esse tipo de pesquisa, mas acredito
que, apesar de todas as diferenças culturais e econômicas existentes
entre os dois países, as respostas seriam semelhantes. Afinal não é
justo impor pressões comerciais às crianças quando elas ainda não tem
idade nem para diferenciar ficção da realidade.
Está mais
do que provado o poder de indução da TV às diferentes formas de
comportamento infantil, positivas e negativas. Infelizmente estas
últimas são predominantes, variando apenas o grau de periculosidade.
Desde amarrar um avental às costas e pular de alguns degraus da escada,
imitando um herói de desenho animado, até esfaquear a coleguinha como
fez um menino em Brasília, reproduzindo imagens vistas na televisão,
como ficou comprovado.
Aprende-se
com os anúncios que só através do consumo se chega à felicidade e que a
posse de determinados objetos torna algumas pessoas diferentes e
superiores a outras. Molda-se, dessa forma, toda uma vida. Os únicos
antídotos existentes para esse envenenamento precoce são oferecidos pelo
entorno familiar e pela escola, instituições capazes de relativizar o
poder da televisão. Em reduzidos setores da sociedade brasileira isso é
perceptível. Escolas com métodos pedagógicos modernos e competentes,
país intelectualizados e com um nível de renda que permita o acesso a
outras formas de conhecimento impedem que a televisão e a propaganda
exerçam domínio absoluto sobre a cultura infanto-juvenil. Falamos,
infelizmente, de uma minoria privilegiada. A maioria no Brasil têm na
televisão sua única fonte de informação e entretenimento, tornando-se
presa fácil da monopolização cultural.
Sobre as
crianças mais velhas, há uma pesquisa da Unesco, realizada em 23 paises
(entre eles o Brasil), com cinco mil jovens de doze anos, mostrando a
importância dos heróis televisivos e “pop-stars” na imaginação
infanto-juvenil. Eles são cada vez mais modelos de vidas consideradas
bem sucedidas. Não é por acaso que astros da televisão, pelo menos aqui
no Brasil, transfiguram-se em garotos-propaganda, usando para vender
mercadorias a aura conquistada nos programas de entretenimento.
Trata-se
de uma violência praticada por adultos que seduzem as crianças e os
jovens com seus encantos ficcionais, conseguindo estabelecer com eles
uma relação fraternal e de confiança, mas ao mesmo tempo os traem, ao se
apresentarem como vendedores de todo tipo de mercadoria. Fazem isso,
muitas vezes, sem o mínimo pudor, inserindo o comercial no meio do
programa infantil, impedindo a distinção entre o entretenimento e o
comércio. É o tão decantado merchandising, xodó de publicitários e
camelôs eletrônicos.
Não se
respeita na TV nem a distinção que jornais e revistas responsáveis fazem
entre anúncios e conteúdo editorial, separando-os muitas vezes com fios
grossos e, se necessário, colocando em destaque a expressão “informe
publicitário”. Não se respeita nem o artigo 36 do Código Brasileiro do
Consumidor onde consta que “a publicidade deve ser veiculada de tal
forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. E
nem mesmo o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária que
também exige a identificação do anúncio em seu artigo 28.
Se de um
lado a ofensiva publicitária é cada vez mais intensa, buscando
conquistar corações e mentes desde o berço, de outro alguns governos
começam a se sensibilizar para a questão, instituindo formas de proteger
a infância da televisão. Aliás, a Constituição brasileira diz que a lei
deverá criar mecanismos para proteger a família da TV, lei que até hoje
inexiste. Mas na Europa, a década de 1990 mostrou avanços sensíveis,
impulsionados pela Convenção da ONU de 1989 que preconizava a
necessidade de “encorajar o desenvolvimento de orientações apropriadas
para proteger a criança de informações e materiais prejudiciais ao seu
bem estar”.
Colocando
em prática essa orientação, França, Inglaterra, Alemanha e Itália
estabeleceram regras de proteção à infância, entre elas a exigência de
uma distinção clara por meio de sinais óticos ou sonoros das emissões
publicitárias. É exatamente o oposto da confusão proposital efetivada
pelo merchandising.
Além
disso, a Diretiva Européia sobre Televisão sem Fronteiras, adotada por
vários países do continente, indica que os anúncios não devem incitar
diretamente as crianças a comprar, ou estimulá-las a persuadir seus pais
para que comprem alguma coisa, valendo-se da inexperiência e da
credulidade infantis. Nem pensar, por exemplo, a exibição do comercial
que passou na TV brasileira, onde um jovem não queria chegar à festa
trazido pelo pai, para não se sentir criança na frente dos amigos. Mas
quando o pai trocava de carro e ele aparecia descendo de um modelo novo e
caro, a vergonha era deixada de lado, superada pelo orgulho de possuir
um carro último tipo.
Alguns
países foram além do sugerido pela Diretiva Européia. A Alemanha proibiu
a inserção de publicidade em qualquer programa infantil. Nos canais
públicos italianos não pode haver propaganda em programas infantis e na
França o merchandising é proibido. A decisão sueca é ainda mais avançada
e se apóia, além da pesquisa, na constatação de que as crianças não
nascem com anticorpos necessários para se defender das pressões
comerciais e, por isso, têm direito a zonas protegidas.
Aqui
continua imperando a lei da selva. Produtos para o público infantil são
anunciados antes, durante e depois dos programas dirigidos a essa faixa
etária. Qualquer tentativa de civilizar a televisão é apontada como
censura ou obstáculo à livre iniciativa, sem que os autores dessas
falácias se sensibilizem com as deformações culturais e psicológicas
impostas pela propaganda. São os mesmos que se queixam da violência
urbana, da brutalidade no trânsito, do mau comportamento das crianças e
adolescentes, fechando os olhos para a relação desses fatos com a
educação para o consumo e o individualismo, impostas incessantemente
pela propagada na TV.