Qual reforma tributária?

Não precisa ser especialista
em matéria tributária
para ter a sensibilidade de perceber que a estrutura tributária
brasileira é altamente regressiva. A população mais pobre paga,
proporcionalmente, muito mais tributos do que as camadas mais abastadas
da elite. E o mais interessante é que aqueles que tomam as iniciativas
dos movimentos contra os impostos são justamente os que mais se
beneficiam do modelo regressivo aqui existente. O artigo é de Paulo
Kliass.

Podem
anotar aí! Com a aproximação das eleições, voltarão ao centro dos
debates alguns temas recorrentes em nosso País. Reforma tributária,
reforma política, reforma previdenciária, reforma administrativa,
redefinição do pacto federativo, entre tantos outros.

Sem
dúvida,
trata-se de elementos sensíveis e significativos de
estruturação da sociedade brasileira, na maioria dos casos com
amarrações de ordem constitucional. Ou seja, para implementar alguma
mudança, faz-se necessário que o Congresso aprove um tipo de medida
chamada Proposta de Emenda Constitucional – PEC. E a própria Carta
Magna de 1988 prevê que as alterações em seus dispositivos só sejam
efetuadas por votação com maioria de 3/5 dos congressistas e com 2
votações em cada uma das Casas, o Senado Federal e a Câmara dos
Deputados. Aliás, uma justa preocupação dos constituintes em evitar que
os avanços conquistados com a Carta Cidadã pudessem ser objeto de
retrocesso político apenas com votações ordinárias no trâmite
legislativo, que às vezes ocorrem com o plenário vazio e apenas
contando com os votos das lideranças partidárias.


Mencionar a
necessidade de reformas passou a ser uma verdadeira panacéia para todos
os males de nossa sociedade. Em princípio, todas as forças políticas
parecem estar de acordo a respeito da necessidade de promover mudanças.
No entanto, o assunto fica complicado quando se passa a debater os
conteúdos e os sentidos das alterações. As questões são polêmicas e os
interesses em jogo se revelam bastante contraditórios. E a dificuldade
em se reunir uma tal hegemonia parlamentar (60% dos votos presentes) em
torno de uma linha de transformação faz com que as mudanças
substantivas sejam raras.


Neste artigo vamos tentar localizar
o
equilíbrio de forças e os interesses em torno da reforma tributária.
Imagino que não haverá força política ou grupo partidário que se
declare plenamente satisfeito com os dispositivos do Título VI,
Capítulo I da Constituição, que trata do Sistema Tributário Nacional
(arts. 145 a 162). No entanto, é necessário compreender bem quais são
os sentidos das diferentes linhas de reforma de nosso sistema de
tributos.


Vez por outra nos vemos com artigos
e campanhas contra
a tão propalada “carga tributária excessiva”, que “inviabiliza a ação
empresarial e encarece o custo Brasil”. Apesar de ser verdadeiro o
argumento do crescimento do total de tributos em relação ao PIB
ocorrido ao longo dos últimos anos, a questão é mais complexa do que
simplesmente adotar a redução dos impostos como solução para “destravar
as amarras que impedem o empreendedorismo”. Um fenômeno, normalmente
“esquecido” no debate, é que houve também, no mesmo período, um grande
crescimento das despesas orçamentárias de caráter financeiro, em razão
do patamar elevado da taxa de juros imposto pela política monetária
ortodoxa. E esse é um dos fatores que contribui para explicar a atual
carga tributária.


O primeiro ponto a destacar é a
respeito da
injustiça que caracteriza a estrutura tributária em nosso País. Os
economistas costumam classificar os modelos tributários em dois tipos:
i) progressivos e ii) regressivos. Os primeiros seriam característicos
de sociedades que optam por taxar mais aqueles que mais têm patrimônio,
mais consomem ou recebem renda mais elevada. São considerados os
modelos de maior justiça social. No segundo caso – o regressivo, o
modelo é perverso em termos de desigualdade sócio-econômica: pagam mais
tributos as famílias ou os indivíduos que possuem menor patrimônio,
consomem menos ou recebem menor renda.


Não precisa ser
especialista em matéria tributária para ter a sensibilidade de perceber
que a estrutura tributária brasileira é altamente regressiva. A
população mais pobre paga, proporcionalmente, muito mais tributos do
que as camadas mais abastadas da elite. E o mais interessante é que
aqueles que tomam as iniciativas dos movimentos contra os impostos são
justamente os que mais se beneficiam do modelo regressivo aqui
existente.


E tal característica – a
regressividade – se combina
a outra, que agrava ainda mais a população de menor renda. Trata-se da
distinção entre tributos diretos e indiretos. Os primeiros são aqueles
que incidem diretamente sobre o contribuinte, que é quem arca com o
ônus tributário. É o caso do imposto de renda, dos impostos sobre
imóveis, entre outros. Já os impostos indiretos são aqueles recolhidos
por um contribuinte, mas cujo ônus fica com outro. E aqui, outra vez,
revela-se toda a face da regressividade. No Brasil são os exemplos
típicos de imposto indireto o ICMS estadual, o IPI federal e outros.
São tributos que as empresas recolhem ao fisco no momento da produção
das mercadorias ou na venda/comercialização de bens e serviços. O
grande “xis” da questão é que os encargos tributários são repassados
aos preços e o consumidor é o verdadeiro “contribuinte“ de fato, na
ponta final do consumo.


Imagine-se, assim, a cesta de
consumo de
uma família que esteja localizada na base da pirâmide social. Todos os
bens e serviços adquiridos ao longo do mês já têm embutidos no seu
preço algo em torno de 30% de tributos. Em geral, ao passar pelo caixa
do supermercado as mercadorias contêm, no mínimo, um percentual
relativo ao IPI e ao ICMS. Assim quem compra um litro de leite, um pão
francês, um quilo de farinha e um saco de café, por exemplo, paga o
mesmo valor de impostos, independentemente de seu nível de renda ou
classe social. Ao quitar a fatura de energia elétrica, de telefonia, de
água, ao pagar a passagem do ônibus e outros serviços públicos ou
privados, o mesmo fenômeno se repete: os pobres pagam as mesmas
alíquotas do que os que recebem maior renda.


Com relação ao
imposto de renda das pessoas físicas, o modelo é também regressivo. As
alíquotas passam a incidir apenas para quem tem renda mensal superior a
R$1.500 – os que recebem menos são isentos desse imposto. E elas variam
de 7,5% a 27,5% sobre a renda recebida. O detalhe é que a alíquota
máxima, que em princípio deveria incidir sobre as faixas mais altas, é
a mesma para todos os contribuintes com renda superior a R$3.740. Ou
seja, o modelo reconhece que o contribuinte que tem uma renda mensal de
R$4.000 deva ser objeto de uma alíquota maior que o que recebe R$2.000.
Mas quem recebe valores de R$100.000 por mês, por exemplo, tem o mesmo
tratamento tributário do que aquele que recebe R$5.000 – ambos estão na
mesma faixa de renda…


Isso para não mencionar todas as
outras
formas de se reduzir o valor do imposto de renda efetivamente pago, por
meio de deduções com despesas com educação, saúde, previdência privada
e outros mecanismos aos quais a população de baixa renda não tem acesso.


O
discurso do liberalismo econômico radicalizado procura demonizar a
presença do Estado na economia e, com ele, vem a postura raivosa contra
a suposta “sanha arrecadadora” do leão. Porém, é importante observar
que a função de recolhimento de impostos, que se atribui ao poder
público, decorre do desenho institucional das sociedades há vários
séculos: a necessidade de construir estruturas de serviços públicos e
oferecer os meios permanentes de acesso à maioria da população aos
mesmos. E aqui vem a lista já bem conhecida de sempre: saúde, educação,
assistência social, previdência social, transportes, serviços de
justiça e cidadania, transportes, energia, comunicações, etc. Por outro
lado, a arrecadação de impostos cumpre com outra função relevante: os
recursos arrecadados operam como fonte para redução das desigualdades
sociais, econômicas e regionais, com o objetivo de promover a coesão do
conjunto da sociedade.


E para cumprir com tais missões, o
Estado
necessita contar com recursos, os quais arrecada da sociedade por meio
dos tributos. E aqui vale uma observação importante: em nosso País, o
termo tributo é utilizado no sentido amplo, lato sensu. Na verdade,
nesse conjunto estão englobados os impostos, as taxas e as
contribuições recolhidos pelos 3 níveis da administração: federal,
estadual e municipal. 

Expediente:
Presidente: Fabiano Moura • Secretária de Comunicação: Sandra Trajano  Jornalista ResponsávelBeatriz Albuquerque • Redação: Beatriz Albuquerque e Brunno Porto • Produção de audiovisual: Kevin Miguel •  Designer Bruno Lombardi