Continuar é seguir transformando

Nos próximos meses, o povo brasileiro viverá mais um momento
extraordinário de sua história. Quando for às urnas eleger o sucessor ou
a sucessora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro, o
Brasil terá a possibilidade de decidir se manterá a rota virtuosa
traçada nos últimos anos ou se vai pôr um freio às recentes conquistas
de natureza social e econômica.

por Dilma Rousseff, para a revista Princípios

O povo brasileiro decidirá se promoverá o salto ainda maior, desejado
por uma população que voltou a sonhar alto, ou retrocederá ao ritmo da
estagnação das duas décadas anteriores; se, enfim, dará continuidade ao
projeto iniciado pelo atual governo ou embarcará de volta rumo a um
outro projeto, com um outro grupo a comandar os rumos da Nação.

Não são questões fora de propósito, mas opções definidoras dos rumos
do Brasil. Trata-se de reconhecer uma discussão fundamental – a
aprovação de um projeto, ou de um modelo, que está transformando a face
do país. Projeto este conduzido com extrema competência, sensibilidade
social e altivez pelo presidente Lula. Sem se resignar à condição de uma
mera cópia aperfeiçoada, ou uma simples reprodução de padrões
importados, o Brasil está reescrevendo sua história, sabendo identificar
suas necessidades, particularidades e esperanças.

É por essa razão que o brasileiro tem emitido sinais claros de que
deseja a continuidade dessa trajetória recente. E a continuidade
desejada pelo Brasil é a continuidade da mudança. É continuar mudando
para melhor – o emprego, a renda, a saúde, a segurança pública, a
educação, a eliminação da pobreza extrema, a inserção de milhões e
milhões de brasileiros na classe média, o combate à desigualdade entre
as pessoas, os gêneros, as etnias e as regiões.

Defender a continuidade da mudança significa justamente partir de um
mesmo (e bem-sucedido) modelo para completar uma tarefa que começou e,
assim, permitir a aceleração ainda maior de seus resultados. Feito
passageiro numa viagem percorrida em estrada de extrema qualidade, o
brasileiro tem diante de si a opção de pegar uma estrada diferente –
incerta, possivelmente insegura ou simplesmente capaz de atrasar a
viagem. Ou não mudar de rota, nem voltar atrás. A estrada brasileira é
longa e é preciso tempo, esforço e insistência para completar a
trajetória.

Defender a continuidade da mudança não significa, portanto, ser o
mais do mesmo em relação ao que o Brasil viveu nos últimos anos.
Sobretudo porque o próximo governo começará a partir de uma base
infinitamente superior àquela encontrada em 2003. Naquele momento, o
Brasil havia quebrado, a inflação era uma ameaça real na casa dos dois
dígitos, exibíamos uma profunda fragilidade externa, o Estado brasileiro
sofrera um ataque contínuo de desmonte, política industrial era algo
inexistente e as políticas sociais eram boas, mas fragmentadas. Com
esforço e muito trabalho, visão de futuro e audácia, disciplina e
objetividade, conseguiu-se mudar essa realidade. A estrada percorrida,
desde então, permitiu ao país deixar para trás uma marca que se repetia
de maneira constante: a enorme distância entre o falar e o fazer, entre o
discurso e a realidade.

O Brasil foi não somente o último a trafegar no terreno pantanoso da
crise financeira internacional como o primeiro a atravessá-lo. Com
estabilidade macroeconômica, sem sobressaltos e sob a proteção da mão
visível da democracia, soube adotar políticas sociais agressivas para
incorporar uma gigantesca massa da população à classe média – cerca de
31 milhões de pessoas – e trazer dignidade a 24 milhões de brasileiros
que viviam na pobreza extrema. Foi um modelo que voltou a conjugar o
verbo crescer, abolido havia tanto tempo no país. E, pela primeira vez
na história, viu-se um crescimento econômico com real inclusão social.
Mostrou-se que estabilidade monetária, crescimento, empregos com
carteira assinada, investimentos públicos e privados e inclusão social
acelerada não eram coisas inconciliáveis. Uma frase fundamental dita
pelo presidente Lula, nos primeiros meses de 2003, explica o processo:
“Primeiro começaremos fazendo apenas o necessário; depois vamos fazer o
possível; e, quando menos se esperar, estaremos realizando o
impossível”.

Historicamente, quase todos os presidentes governaram para ? da
população. Para muitos deles, a maioria dos brasileiros deveria ser
dispensada do mapa de prioridades do governo. Havia quem dissesse que
era preciso arrumar a casa primeiro para depois melhorar a situação. Mas
nunca chegava a hora dessa arrumação da casa. Convém reconhecer, no
entanto, que é impossível arrumar uma casa deixando ?dela bagunçados. Ao
relento. À margem do progresso. O Brasil era uma casa dividida, marcada
pela injustiça e pelo ressentimento. O governo Lula fez o contrário.
Provou que só fazia sentido governar se fosse para todos. Mostrou que
aquilo que era considerado o estorvo significava, na verdade, um impulso
para crescer e fazer o país avançar. Quebrou um tabu histórico e
incluiu os mais fracos e necessitados na rota do desenvolvimento – um
caminho socialmente correto e economicamente indispensável.

O Brasil dará continuidade a essa mudança, agora assentado sobre
novas bases. Condições não nos faltam. Somos um povo criativo e
empreendedor. Temos uma democracia sólida e vibrante. Hoje, consolidamos
um grande mercado interno. Possuímos a maior reserva florestal e a mais
limpa matriz energética do Planeta. Nosso parque industrial é
diversificado e a agricultura é cada vez mais forte.

Desfrutamos de estabilidade econômica, agora com grandes reservas
internacionais. Se antes íamos de pires na mão ao FMI pedir empréstimos,
hoje não apenas pagamos a dívida como emprestamos dinheiro a esse
organismo internacional. Recuperamos a autoconfiança e o prestígio
político e econômico no mundo. O Estado brasileiro retomou sua
capacidade de planejar e de integrar-se com o setor produtivo. O
crescimento do Produto Interno Bruto acelerou. O número de famílias
abaixo da linha de pobreza decresceu. Milhões de pessoas ingressaram na
classe média, na economia formal e no mercado de consumo de massa. A
aceleração do desenvolvimento econômico e social foi alcançada com
controle da inflação, redução do endividamento do setor público e
diminuição da vulnerabilidade das contas externas do país diante de
choques internacionais.

O Brasil está melhor, mas se ilude quem acha que se trata de uma
tarefa fácil. Não é. Dar continuidade a essas mudanças recentes exigirá
do futuro governo esforço redobrado e pleno conhecimento para ampliar e
acelerar o que foi feito até aqui. Além disso, suceder um governo
altamente bem avaliado, como é o do presidente Lula, impõe desafios
ainda mais complexos. Mas é uma tarefa da qual não se pode escapar. E
sinto orgulho de fazer parte deste projeto de continuidade.

O caminho para o futuro

O salto para o futuro, em construção no presente, exige que se
desatem alguns nós que nos prendem ao passado. O exemplo mais importante
dessa imposição é o caráter indispensável, fundamental, de uma educação
de qualidade. É por isso que a nova etapa do desenvolvimento brasileiro
começará a partir da educação. Ela é um dos gargalos para o
desenvolvimento sustentado e para a elevação definitiva do padrão de
vida dos brasileiros. É uma agenda imprescindível, uma vez que o país
enfrentará, a partir de agora, os desafios da sociedade do conhecimento.
Precisamos recuperar um atraso secular e, ao mesmo tempo, saltar para
um futuro de acesso pleno, democrático e popular à educação, ao ensino e
à informação. Antes, houve negligência em relação ao ensino médio,
estagnação do ensino técnico, paralisia nas universidades públicas.

O governo Lula retirou a política educacional de um estado de
lassidão e a levou a uma mudança de paradigma. Reconstruiu a gestão da
educação brasileira. Corrigiu a política da indiferença e estabeleceu
novas prioridades: uma política integrada de ensino, da creche à
universidade; universalização da educação básica de qualidade;
democratização do acesso ao ensino; garantia de permanência dos alunos
na escola; superação da exclusão por classe social, etnia ou gênero;
fortalecimento da relação do ensino com o trabalho; e, por último, mas o
mais importante, valorização dos profissionais da educação. É o momento
de dar sequência à transformação educacional que está em curso no
Brasil. Da creche à pós-graduação.

Isso significa não somente oferecer uma remuneração condizente com a
importância dos professores, mas dar especial atenção à formação
continuada dos profissionais do ensino fundamental e médio e fazer com
que eles tenham pelo menos o curso universitário. É importante também
que tanto o aluno quanto as escolas sejam avaliados, de modo que
possamos garantir qualidade ao ensino. Completar a revolução educacional
significa ainda espalhar o que o presidente Lula voltou a fazer:
escolas profissionalizantes por todo o Brasil, levando a cada cidade, a
cada município, escolas técnicas capazes de abrir oportunidades de
empregos para seus alunos. E, por fim, qualificar o ensino
universitário, reforçando a pós-graduação, equipando nossas
universidades, assegurando bolsas de estudo de apoio aos alunos mais
necessitados.

Essa soma de esforços garantirá a condução da sociedade brasileira à
tecnologia e ao conhecimento. Trata-se de uma evolução fundamental – a
democratização no acesso à informação, à tecnologia, à cultura e ao
conhecimento. O próximo grande passo é o pleno direito popular de acesso
à internet em alta velocidade. Quanto maior a capacidade de um povo de
processar informações complexas, mais conhecimento, riqueza e poder esse
povo terá. A inclusão digital é uma exigência econômica, social e
cultural imprescindível para a competição entre os países e para as
necessidades dos cidadãos.

A educação ocupa o topo da pirâmide de prioridades, mas é evidente
que a nova etapa do desenvolvimento exigirá tarefas em muitas outras
áreas. Para o Brasil seguir mudando, e para melhor, é fundamental, por
exemplo, investir ainda mais em pesquisa, inovação e política
industrial. O governo Lula foi o que mais investiu em pesquisa e
inovação na história recente. A meta a partir de 2011 é ampliar o
esforço, focando nos setores portadores de futuro – é o caso da
biotecnologia, agroenergia e fármacos. Neste último caso, é preciso dar
condições às nossas instituições de pesquisa, universidades e empresas
para que sejam capazes de desenvolver aqui remédios adequados e mais
baratos. Será preciso fortalecer o tripé empresas privadas-institutos
tecnológicos-redes universitárias. Isso vai favorecer nosso parque
industrial, aumentar o emprego e reforçar nossa competitividade.

A continuidade das definições de política industrial, que também
distinguiram o governo Lula dos antecessores, será fundamental no futuro
próximo. Felizmente se rompeu com a perspectiva desindustrializadora do
país e se implantou uma política agressiva de expansão da indústria
brasileira e do setor de serviços. Houve um momento em que predominou
uma visão que considerava moderno não manter política industrial, pois
supostamente distorceria as relações de mercado. Decorria dessa visão,
por exemplo, a política de compra do exterior de plataformas para
exploração de petróleo. Em outras palavras, enviavam-se para fora do
país dois bilhões de dólares de demanda – empregos, cadeias produtivas,
equipamentos, serviço e renda – a cada plataforma importada. O governo
alterou radicalmente essa visão. Para o bem do país.

Para o Brasil seguir mudando será preciso ainda promover um salto de
qualidade na assistência técnica produzida pelo Sistema Único de Saúde.
Nessa área há três pilares essenciais: financiamento adequado e estável
para o SUS, valorização das práticas preventivas e organização dos
vários níveis de atendimento, distinguindo melhor os pontos de
atendimento básico e ambulatorial do atendimento hospitalar de alta e
média complexidade.

Outro objetivo é continuar a investir maciçamente em infraestrutura,
reforçando o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em apenas três
anos, o mais bem-sucedido programa de governo voltado para a
infraestrutura quase duplicou a participação do investimento público no
PIB brasileiro e redimensionou o padrão de parceria entre os setores
público e privado. Dinheiro que está sendo transformado em qualidade de
vida e futuro melhor para os brasileiros, com portos e aeroportos,
ferrovias e hidrovias, maior acesso a serviços essenciais e eficiência
no sistema elétrico. Com o PAC, o Brasil voltou a pensar em fazer
planejamento urbano, revigorar a meta de prover serviços públicos
fundamentais como água e esgoto, devolver a paz social às grandes e
médias cidades, ampliar o acesso ao esporte, ao lazer e à cultura,
assegurar um tipo de transporte acessível, eficiente e ambientalmente
sustentável.

Voltou também a vislumbrar uma saída para o histórico – e trágico –
problema da falta de moradia digna. Essa tarefa foi iniciada com o
programa Minha Casa, Minha Vida, com o qual se abriu um vigoroso caminho
nessa direção. O governo garantiu subsídios que evitam os
financiamentos insuportáveis para os mais pobres, mobilizou o setor
privado e simplificou a burocracia. A partir da segunda etapa do
programa, prevista até 2014, pretende-se reduzir à metade o déficit
habitacional. O que era uma barreira aparentemente intransponível começa
a se tornar realidade.

As desafiadoras tarefas de continuidade da mudança, impostas ao
Brasil para os próximos anos, não param aí. O país precisará investir
para dar maior racionalidade aos impostos no Brasil, realizando a tão
esperada reforma tributária, capaz de facilitar a vida de empresas,
cidadãos e estados e municípios brasileiros. Precisará ampliar a
produção e o consumo de bens culturais com base em nossa diversidade,
oferecendo meios e oportunidades para a criatividade popular. Terá de
aproveitar, em benefício de todos, as reservas extraordinárias do
Pré-sal, descobertas pela Petrobras – isso significa usar os recursos
obtidos daí em prol das gerações futuras, com investimentos maciços em
educação, cultura, meio ambiente, Ciência e Tecnologia e combate à
pobreza.

Por fim, precisará, acima de tudo, manter e aprofundar o olhar
sensível do governo do presidente Lula para os mais pobres. Afinal, foi
essa sensibilidade que pontuou todos esses marcos de transformação
citados neste espaço. E será essa sensibilidade – agora com o traço, o
espírito e a força feminina – que sublinhará o eixo da continuidade da
mudança.

Entre o ideal e o real

O futuro agora, felizmente, está no presente. À certa altura de um de
seus principais romances, Os Possuídos, o escritor russo F. Dostoiévski
afirma: “Se um grande povo não acreditar que a verdade somente pode ser
encontrada nele mesmo, se ele não crer que ele apenas está apto e
destinado a se erguer e redimir a todos por meio da sua verdade, ele
prontamente se rebaixa à condição de material etnográfico e não de um
grande povo. Uma nação que perde esta crença deixa de ser uma nação”.

Eis o nosso desafio – pensar no Brasil ideal que pulsa e vibra no
coração do Brasil real. Um Brasil que merece ser sonhado, não por mera
fabulação da imaginação, mas a partir daquilo que efetivamente somos.
Reconhecendo os limites herdados do passado, traçamos o mapa do que
poderíamos fazer e o norte do que sonhamos ser. Eis um dos maiores
segredos da mudança dos últimos anos e a razão pela qual o Brasil deseja
continuidade: desentranhamos a luz das trevas e reaprendemos a lapidar
nossos saberes e potencialidades para estender o campo do possível e
atingir o que pensávamos ser impossível. A verdade que é, entre um e
outro, sempre residiu o hiato brasileiro entre a esperança de um futuro
melhor e as suas conquistas, entre aquilo que era vontade e aquilo que
era realizável. Esse é o projeto de grandeza e realização que o Brasil
merece.

Expediente:
Presidente: Fabiano Moura • Secretária de Comunicação: Sandra Trajano  Jornalista ResponsávelBeatriz Albuquerque • Redação: Beatriz Albuquerque e Brunno Porto • Produção de audiovisual: Kevin Miguel •  Designer Bruno Lombardi