O
Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), órgão
consultivo do governo, constatou uma situação de “ausência
absoluta do Estado” na região do Rio Xingu, onde está sendo
construída a Usina Belo Monte, obra do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC). A avaliação foi apresentada hoje (13), na
reunião do conselho, na presença da ministra da Secretaria de
Direitos Humanos (SDH), Maria do Rosário.
O
informe foi feito pelo conselheiro Percílio de Sousa Lima Neto,
vice-presidente do CDDPH, que participou de uma visita ao local.
Segundo ele, a missão realizada na região do Alto Xingu constatou
que, com a ausência do Estado, funcionários do próprio consórcio
se intitulam agentes do governo para coagir moradores a abrirem mão
de suas propriedades em nome da construção da obra.
“Constatamos
ausência absoluta do Estado. É uma terra de ninguém. Há problemas
de todas as ordens. Há exploração sexual de crianças, ausência
do Estado no atendimento aos segmentos mais básicos. O que
constatamos é um flagrante desequilíbrio entre o consórcio e as
populações ribeirinhas, as etnias indígenas e outras comunidades
tradicionais existentes naquela região”, disse o
conselheiro.
“Esse conselho não pode ignorar esse
tratamento chocante. Há pessoas indefesas pedindo a nossa ajuda, e
esse é o nosso papel”, apelou o relator da expedição.
As
denúncias apresentadas pelo conselheiro são as mesmas apresentadas
por organizações defensoras de direitos humanos à Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e que resultou em uma
medida cautelar expedida na semana passada na qual a Organização
dos Estados Americanos (OEA) pede a imediata suspensão do processo
de licenciamento da
obra da usina.
À época, o Ministério das Relações
Exteriores afirmou, por meio de nota, ter recebido com “perplexidade”
a recomendação e considerou as orientações “precipitadas e
injustificáveis”. O governo também informou que não abre mão da
construção da usina e que pretende acompanhar mais de perto o
assunto.
De acordo com o conselheiro, o poder político na
região vem sendo exercido pelo consórcio Norte Energia, responsável
pela obra. “Os representantes dos consórcios, totalmente
despreparados, se arvoram de representantes do Estado brasileiro. O
que nós constatamos é que as condicionantes não estão sendo
cumpridas”, destacou.
Durante a reunião, um relato feito
pelo conselheiro Sadi Pansera, assessor da Ouvidoria Agrária
Nacional, órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário, contou
a história de um pequeno proprietário que teve sua casa invadida
por representantes do consórcio.
“Um trabalhador rural,
pai de família, que vive na região de Terra do Meio, estava em seu
horário de almoço. Ele relatou que chegaram na casa dele, não
quiseram se sentar, e disserem: ou você assina aqui ou não vai
receber nada e será expulso. Ele me questionou: que democracia é
essa? Como pode, uma pessoa que eu nem conheço, chegar na minha
casa, na hora do almoço, e diz o que quer? Quer tomar a minha
propriedade onde eu criei meus filhos com todo carinho”,
contou.
A representante no CDDPH do Conselho Nacional dos
Procuradores dos estados e do Ministério Público Federal, Ivana
Farina Navarrete Pena, que também participou da missão, alertou que
o governo não está fazendo a checagem do cumprimento das
condicionantes. De acordo com a procuradora, os agentes do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) que atuam em Anapu (PA), que antes se reportavam à
superintendência de Altamira, agora precisam se reportar a Belém.
“Isso significa mais demora para uma resposta. O Estado
brasileiro não está fazendo a checagem do cumprimento das
condicionantes porque não tem como fazer”, destacou a
procuradora.
Mesmo diante dos relatos, a ministra Maria do
Rosário manteve a posição do governo de repúdio ao pedido da OEA
e afirmou que isso não significa ignorar a necessidade de que o
governo precisa garantir o cumprimento das condicionantes. “O
governo tem uma posição crítica em relação à comissão [CIDH],
mas isso não significa que não tenhamos consciência de que temos
que agir”, disse.
A posição de repúdio à decisão da
OEA, de acordo com Maria do Rosário, se dá porque o governo
entendeu que “há procedimentos internos no Brasil que não
estão encerrados”. A ministra sugeriu como solução ao
problema que o CDDPH realize uma reunião extraordinária para tratar
do assunto, com a presença de representantes do consórcio. Maria do
Rosário se posicionou contrária à presença de representantes das
comunidades na reunião extraordinária.