Senado do Uruguai aprova fim da Lei da Anistia

O
Senado uruguaio aprovou na noite desta terça-feira o projeto
interpretativo que anula a Lei da Caducidade. Durante 25 anos, essa
norma impediu que fossem julgados os responsáveis por sequestros,
torturas, desaparecimentos e assassinatos cometidos durante a
ditadura que governou o país entre 1973 e 1985. Os opositores
Partido Nacional e Partido Colorado votaram contra a iniciativa
promovida pela Frente Ampla, que governa o país. Mas também houve
discrepâncias dentro das fileiras dessa coalizão de centroesquerda.
O histórico militante tupamaro Eleuterio Fernández Huidobro
submeteu-se à disciplina partidária e votou a favor do projeto, mas
anunciou que renunciava à sua cadeira.

A sessão começou por
volta das 10 horas da manhã e se estendeu até tarde da noite,
quando a Frente Ampla fez valer seus 16 votos frente aos quinze da
oposição. Independentemente de sua cor partidária, a maioria dos
senadores tinha algo a dizer a respeito da Lei de Caducidade que,
desde 1986, impede que os repressores uruguaios sejam julgados. Há
tempo que a lei ocupa o centro da discussão política no Uruguai. Um
debate acalorado que divide aqueles que se manifestam a favor de
extirpá-la do ordenamento jurídico do país e aqueles que querem
mantê-la, alegando que foi ratificada pela cidadania em dois
plebiscitos.

O Senado respirou esse clima. Pelo governo, coube
ao senador Oscar López Goldaracena, um conhecido jurista e ativista
dos direitos humanos, quebrar o gelo. “Esta Câmara tem a
possibilidade de começar a corrigir o erro político de aprovar uma
lei que ampara a impunidade de criminosos de lesa humanidade,
removendo a carga que pesa sobre a sociedade uruguaia”, disse o
advogado que representa o Movimento Independente pelos Direitos
Humanos, na Frente Ampla. López Goldaracena observou que era
importante eliminar os efeitos da Lei de Caducidade para evitar que
as atrocidades perpetradas pelos militares voltem a se repetir.

Mas
nem tudo foi uma postura uniforme dentro da coalizão de
centroesquerda. Desde que foi aprovado na Câmara de Deputados, em
outubro de 2010, o projeto estava paralisado no Senado, onde três
senadores governistas se negavam a acompanhar a iniciativa de seu
bloco. Em março, a Frente Ampla conseguiu destravar a situação e
alcançou os votos necessários para aprovar o projeto. No entanto,
os senadores dissidentes seguiram expressando sua divergência. O
ex-vice-presidente Rodolfo Nin Novoa deixou da sessão e fez entrar
seu suplente que votou a favor da Frente Ampla. O legislador
frenteamplista Jorge Saravia se manteve firme em sua postura de não
apoiar a iniciativa para interpretar a Lei de Caducidade e denunciou
que se tratava de um “disparate jurídico”.

Mas a novidade
do dia ficou por conta do ex-tupamaro Fernández Huidobro, que
renunciou a sua cadeira porque teve que obedecer a determinação de
votar a favor da iniciativa. “Diz-se com razão, dentro de nossa
força política, que é preciso acatar a vontade da maioria.
Acreditamos nisso e por isso estamos acatando a determinação e
votaremos pela disciplina. Mas o povo também foi maioria duas
vezes”, disparou, referindo-se aos plebiscitos de 1989 e de 2009,
quando a maioria da sociedade se negou a anular a Lei de Caducidade.
O presidente José Mujica foi à noite até o escritório de Huidobro
e expressou sua solidariedade.

Pelo Partido Nacional, o
primeiro a fazer uso da palavra para protestar contra a iniciativa
governista foi o senador Francisco Gallinal. “Longe de ser
interpretativa, esta lei é “inovativa”, reclamou. “Não
votamos nela porque há dois pronunciamentos populares neste sentido.
Esse é um argumento formal que, na nossa avaliação, é muito
importante”, disse Gallinal ao jornal Página/12. “Entendemos que
esta proposta traz grandes problemas para a sociedade, já que
significa transportar toda a questão ao Poder Judiciário”,
acrescentou. Gallinal invocou novamente o Pacto do Clube Naval, de
1984, quando as principais forças políticas e os militares no poder
negociaram a abertura democrática. “Este projeto interpretativo
rompe o equilíbrio que permitiu a solução institucional de 1985,
quando duas anistias foram aprovadas: uma para os militares e outra
para os presos políticos tupamaros”, assinalou o político
conservador.

Os organismos de direitos humanos, as
organizações estudantis e de trabalhadores fizeram pouco caso dos
argumentos dos partidos tradicionais. Desde as galerias do Senado,
alguns seguiram de perto a movimentação dos senadores. Outros
ficaram do lado de fora escutando o debate transmitido por alto
falantes. Todos concordaram que o dia de ontem foi um dia para
celebrar. Mas sabem que ainda falta caminho percorrer até que a
Câmara de Deputados ratifique, no dia 4 de maio, o projeto aprovado
ontem pelos senadores.

“O Uruguai vai se colocar em uma boa
posição no que diz respeito à proteção dos direitos humanos
frente à comunidade internacional. Após quase meio século de
existência desta lei, com a sentença da Corte Interamericana de
Direitos Humanos pelo caso Gelman e com esta resolução aprovada
hoje, estão nos dando a razão. Isso também demonstra ao movimento
popular que a perseverança e a luta da sociedade terminam dando
resultados”, ressaltou Raúl Olivera, da central operária PIT CNT.
O Serviço de Paz e Justiça (Serpaj) foi mais cauteloso na hora das
celebrações. “Nunca apeamos o cavalo da anulação. Não
conseguimos. Certamente que apoiamos e acreditamos que é preciso
fazer todo o necessário para acabar com a impunidade. O Estado não
pode seguir sem dar respostas ao que disse a Corte Interamericana,
que apontou a Lei de Caducidade como um obstáculo para a Justiça.
Para nós, não é a melhor saída, mas é preciso seguir avançando
no Nunca Mais e para que estas coisas sejam solucionadas”, afirmou
Ana Aguerre.

Já a Associação de Ex-Presos Políticos do
Uruguai definiu o dia de ontem como uma jornada de emoções. “Para
nós, a anulação da Lei de Caducidade é uma das razões
fundamentais de nossa luta. Estamos exigindo isso há muito tempo
para que se investigue o que ocorreu com nossos companheiros
desaparecidos e para que os torturadores sejam julgados, abrindo-se,
assim, o caminho para conhecer a verdade”, disse Julio Martínez.

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