A breve passagem do presidente Barack Obama pelo Brasil foi
antecedida por imensa expectativa em alguns círculos, que avaliaram a
viagem como um exemplo prático da mudança significativa que a política
externa estaria sofrendo no início da administração de Dilma Rousseff
em comparação a de seu antecessor Lula. Com base nesta avaliação
equivocada, inúmeras imagens foram construídas a respeito do que Obama
faria ou diria em solo nacional. Tendenciosas, estas avaliações
revelavam uma preocupação extensiva em desqualificar os esforços
diplomáticos anteriores. O artigo é de Cristina Soreanu Pecequilo.
A
breve passagem do Presidente Barack Obama no Brasil nos dias 19 e 20 de
março de 2011, em Brasília e Rio de Janeiro, foi antecedida por imensa
expectativa em alguns círculos, que avaliaram a viagem como um exemplo
prático da mudança significativa que a política externa estaria
sofrendo no início da administração de Dilma Rousseff em comparação a
de seu antecessor Lula (2003/2010). Com base nesta avaliação
equivocada, inúmeras imagens foram construídas a respeito do que Obama
faria ou diria em solo nacional.
Iniciando com a abolição dos
vistos, passando pela conclusão de um acordo comercial bilateral ao
estabelecimento de uma ampla parceria energética no campo do petróleo e
biocombustíveis até a declaração formal de apoio ao pleito brasileiro
de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança das Nações
Unidas (CSONU), a agenda destes grupos era extremamente abrangente.
Tendenciosas, estas avaliações revelavam uma preocupação extensiva em
desqualificar os esforços diplomáticos anteriores. A utilização
repetida do termo “normalização”, associado na década de 1990 a uma
perspectiva periférica e acrítica, passava a idéia de uma relação
sustentada somente em conflitos e que estaria sendo substituída pela
reintegração ao núcleo de poder norte-americano. Mais ainda, revelava o
permanente desconhecimento sobre as motivações estratégicas dos EUA.
Se
em 2011 o Brasil recebeu Barack Obama como uma potência global, isto se
deve aos esforços internos e externos do país que o qualificaram a este
status de forma autônoma. Esta situação não emerge de um relacionamento
de mão única com aquele que tradicionalmente foi o maior parceiro
político-econômico brasileiro no século passado, mas da busca de
alternativas que permitiram solidificar uma ação internacional
consistente e coerente com as necessidades do país. Com isso, as
motivações estratégicas norte-americanas não derivam destes cálculos
simplistas que permearam o debate sobre a política externa brasileira,
mas da percepção de que o Brasil e a América do Sul são mais dois
espaços nos quais os EUA perderam posições.
Assim, era preciso
para os norte-americanos sinalizar que desejam preservar o Brasil em
sua esfera de influência diante deste vácuo, como já o haviam feito
diante da China, da Índia e da Rússia em ofensivas diplomáticas
similares em contatos bilaterais prévios. E, no caso, no Brasil e na
região, os EUA não perderam somente posições para a China, hoje o maior
parceiro comercial brasileiro e aliado no grupo BRIC (Brasil, Rússia,
Índia e China), ou para a Índia, também no BRIC e no IBAS (Fórum de
Diálogo Índia, Brasil, África do Sul), ou para a África do Sul, ou para
a Rússia, ou para a cooperação Sul-Sul em geral, mas para o próprio
Brasil nas Américas e no mundo.
Positivamente, em meio a estes
ruídos prévios e construções ideológicas de determinados grupos que
ignoravam estas questões, os sinais de Brasília mantiveram a percepção
de que a visita de Barack Obama representava o reconhecimento deste
processo de consolidação político-econômica-estratégica. Tais sinais já
se encontravam presentes nos encontros preparatórios entre os dois
países antes da chegada de Obama, e demonstravam clareza quanto o que
significava esta viagem: uma oportunidade de aprofundar e promover
maior adensamento estratégico das relações bilaterais, a partir do
reconhecimento norte-americano do status global de poder do Brasil.
Tendo
esta realidade como ponto de partida, de que se tratava de uma viagem
de reconhecimento e não de concessões norte-americanas ou subserviência
brasileira, deixou-se claro que esta dinâmica bilateral não afeta as
prioridades externas do Estado brasileiro em termos de agenda Sul-Sul
ou Norte-Sul, demandas e projeção. Parte da iniciativa de ser lider é
criar fatos novos, dimensões positivas de interdependência, ação que os
emergentes e o Brasil tem feito cada vez de forma mais constante. Neste
campo, assumem responsabilidades por seus próprios destinos, e de
nações similares ou de menor poder relativo, em suas escalas regionais
e em nível global estatal e multilateral.
À medida que na
última década o Brasil não manteve sua política ou agenda econômica,
atrelada aos EUA, sua importância diante deste país aumentou, da mesma
forma que sua vulnerabilidade diminuiu diante das constantes oscilações
da política da potência hegemônica. Em seu discurso no Teatro Municipal
do Rio de Janeiro em 19 de Março, Barack Obama mencionou iniciativas
brasileiras como a UNASUL (União Sul-Americana de Nações) e projetos
sociais direcionados às nações do sul no combate à fome e programas de
saúde. Ou seja, o Brasil não era mais só o país do futuro, mas que o
futuro teria chegado ao Brasil, como afirmou o Presidente dos EUA.
Fortemente,
o país demonstrou não ter ilusões de que este reconhecimento
traduzir-se-ia, de imediato, em uma mudança concreta da posição
norte-americana em determinados temas. Nestes temas, principalmente no
comércio bilateral, arena na qual o Brasil demanda maior igualdade e
reciprocidade, e na reforma das organizações internacionais
governamentais, principalmente no caso das Nações Unidas e seu CS, a
posição brasileira foi de sustentar suas reivindicações. Por sua vez,
pode-se até considerar que os EUA responderam positivamente em sua
retórica, em suas demonstrações de “apreço” pelo pleito brasileiro,
pela fala de Obama a empresários que igualou o país à China e Índia. A
retórica, porém, não foi acompanhada pela substância da mudança ou pela
sinalização de que os norte-americanos estariam dispostos a fazer
concessões para engajar de forma diferente o Brasil nestas dimensões.
Acenar
com parcerias para o pré-sal, ações conjuntas no campo energético é
sinal do novo papel do Brasil, mas também da natureza pragmática do
interesse norte-americano em petróleo, mercados em novos espaços que
não surjam como tão conturbados como o Oriente Médio, apostando nas
nações “amigas”. E, igualmente sendo pragmáticos, são parcerias que
trazem inúmeros riscos ao Brasil, caso o país não busque preservar sua
soberania nestas negociações, independente do campo. Neste sentido, o
papel, por exemplo, da Comissão Brasil-Estados Unidos para Relações
Econômicas Comerciais é o de encontrar pontos de consenso possível e
equilibrio no setor, preservando a capacidade negociadora brasileira e
sua autonomia. O mesmo raciocínio se estende às arenas da
biodiversidade, dos diálogos estratégicos, da cooperação técnica e para
a organização e segurança da Copa-2014 e das Olimpíadas-2016. O Brasil
não pode se furtar a negociar com os EUA, mas precisa atrelar estas
conversações a lograr objetivos que permitam a continuidade de seu
crescimento e resolução de assimetrias internas via programas sociais.
Chegando
ao mundo “real” não deixa de ser simbólico que enquanto Barack Obama
acenava às “nações amigas” da América Latina, como o fez no Brasil, e o
fará no Chile, com declarações “históricas” sobre as relações entre
“iguais” e a consolidação da democracia, os bombardeios aéreos à Líbia
atingissem elevada intensidade, depois da autorização do CSONU à
operação na sexta-feira 18/03/2011. Em solo brasileiro, a intervenção
foi abordada sob o signo da defesa da democracia e motivos
humanitários, enquanto prolongam-se protestos e repressões similares em
países aliados norte-americanos na região.
Também não deixa de
ser simbólico, que nesta votação do CS, os países que se abstiveram e
demonstraram preocupação com a ação, fossem os emergentes membros
permanentes deste Conselho e nações pleiteantes, membros temporários
eleitos: China e Rússia, somados à Brasil, Índia e Alemanha. São nestas
manifestações que se desenha o novo mapa geoestratégico global e as
complexas dinâmicas de poder do século XXI que motivam as viagens de
Obama e suas declarações de igualdade com seus parceiros.
Porém,
como se diz no Brasil, os EUA são um “pouco mais iguais” do que os
outros: seu poder militar de superpotência e comando residual das
organizações internacionais contrasta com uma economia estruturalmente
deficiente e uma sociedade doméstica polarizada. Durante e depois de
Obama, o Brasil continua sendo o mesmo de antes, consolidando sua
ascensão do nível regional ao global, que busca a continuidade de seu
projeto político-social-econômico e estratégico. Com os EUA, e com o
mundo, dialogar não é sinônimo de concordar, mas de saber ouvir,
negociar e falar em nome do interesse nacional.
Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP).