Lançado nesta semana no Recife (PE), o jornal A Voz da Favela, que tem por objetivo principal democratizar as informações das favelas do Brasil e do Mundo a partir da visão crítica dos moradores, está disponível no Sindicato dos Bancários de Pernambuco. A produção é realizada por estudantes e agentes comunitários de comunicação e conta com parceria da Universidade Católica de Pernambuco e da Celpe. A iniciativa é apoiada pela secretaria de Comunicação da CUT-PE, que tem como secretário o dirigente Fabiano Moura.
Confira entrevista concedida pelo editor da Agência de Notícias das Favelas (ANF), Paulo de Almeida Filho, ao jornalista Chico Carlos, da Central Única de Trabalhadores em Pernambuco (CUT-PE):
O jornal A Voz da Favela, é um veículo de comunicação impresso, da ANF, com uma proposta ousada e diferenciada. Explica pra gente qual é a proposta do jornal?
Paulo – A nossa proposta é ampliar a rede de colaboradores dentro do objetivo de democratização da comunicação e garantir o direito a liberdade de expressão para cada cidadão, isso é o que a Agência de Notícias das Favelas vem fazendo há quase duas décadas. Inicialmente, no Rio de Janeiro, onde tem a sede nacional. A agência foi fundada pelo jornalista André Fernandes em 2001, depois do Rio de Janeiro, o jornal Voz da Favela – iniciou sua produção no Nordeste, tendo Salvador como a primeira cidade dessa região, produzindo o jornal. Chegamos em Recife efetivamente também com essa proposta de ter uma base de comunicadores sociais nesta região. Inicialmente, fizemos contatos com pessoas com articulações no estado e neste momento estamos com uma turma fazendo o curso de extensão em comunicação comunitária, que são os estudantes responsáveis pelas três primeiras edições da produção do jornal com esse foco de dar visibilidade as pautas das favelas, com projetos sociais, notícias positivas que as favelas de Recife têm e, por isso, a gente também está qualificando as pessoas. Pra essa iniciativa do curso da RACC- Rede de Agentes Comunitários de Comunicação, temos parceria com a Celpe e com a Unicap, para fortalecer a comunicação comunitária, algo que a ANF vem fazendo em várias capitais. No Rio de Janeiro, Salvador e Recife o jornal está sendo produzido simultaneamente, mas no Brasil como um todo, atualmente, temos aproximadamente 500 colaboradores divididos em todas as regiões brasileiras, escrevendo para o portal e o jornal.
Quem define, por exemplo, a estratégia de comunicação? É a própria universidade e as empresas quando fazem a parceria ou vocês já têm uma estratégia? Como vocês definem as questões de pautas e reuniões?
Paulo: Nós temos a independência, porque a ANF é quem promove as ações. Os parceiros chegam para agregar, porém, não temos a interferência editorial nesse processo. Temos uma linha editorial definida. A gente tem uma rede de parcerias que são colocadas na mesa justamente para fortalecer essas ações, como por exemplo, as universidades na qual nós fazemos as parcerias, elas cedem o espaço físico, premiam o estudante destaque de cada turma, e pautamos algumas ações que estes parceiros desenvolvem uma forma de retroalimentar as iniciativas. A linha editorial é nossa, com autonomia e independência, inclusive para os casos de publicidade, os clientes não interferem no que a gente pode ou não pautar. Respeitamos todas as sugestões vindas dos parceiros e colaboradores, analisamos quais aspectos estão dentro do nosso foco, tendo o cuidado de não entrarmos em contradição com a nossa missão e visão como uma organização social que valoriza a democracia e respeita os direitos humanos.
O jornal a Voz da Favela chega para ocupar seu espaço, ou seja, lutar pela democratização e contra a hegemonia das grandes empresas de comunicação no País. É a vez e a voz as pessoas das favelas, porque o que existe, na verdade, do outro lado é sempre colocar a favela com referência de violência, quando isso não é verdade. Vocês querem mostrar os projetos sociais, culturais, através dos centros de educação, saúde, comunicação, cidadania, como resposta à sociedade?
Paulo: Queremos continuar contribuindo para oportunizar a cada cidadão o direito de ser um comunicador, independente da sua formação, classe social, entre outras individualidades, sabendo das responsabilidades que a liberdade de expressão exige. Através de um veículo de comunicação que mostre as ações das favelas, que muitas vezes são pautadas nas mídias com estereótipos que violentam a existência dos moradores das periférias, estigmatizando com as questões sociais que a gente já tem. Diante de todas as mazelas que as periferias sofrem o jornal A Voz da Favela e o portal: www.anf,org.br são os veículos da Agência de Notícias das Favelas que contribuem nesse sentido. Você é o cidadão, você é o comunicador, entendendo a importância que é a comunicação e a informação. Não é uma coisa “fazer por fazer”, feita de qualquer maneira. Temos uma equipe qualificada e responsável, desde os que compõem o conselho diretor, as secretarias executiva e institucional, editores, revisores, diagramação e todos os colaboradores, agentes de comunicação, produtores de conteúdo. A gente não está brincando de fazer comunicação. Existe uma responsabilidade, um zelo, entendendo a relevância no trato do que realmente vamos colocar para o público através dos nossos meios de comunicação. A partir deste momento, Recife tem 50 mil exemplares do jornal A Voz da Favela, circulando na cidade e no seu entorno, com pautas urgentes e caras, que não se consegue enxergar nas mídias tradicionais. Então, temos os comunicadores das favelas produzindo e falando a linguagem desta parte da sociedade.
Um dos segredos para o veículo novo dar certo é a distribuição (chegar onde o povo estar). Como é que vocês estão articulando a distribuição do jornal A Voz da Favela?
Paulo: Trabalhamos em rede, sozinho a gente não consegue fazer nada. Inclusive as ideias estão sendo maturadas e se desenvolvendo. Inicialmente, antes ANF se instalar na cidade, foi feito um trabalho junto com os colaboradores/comunicadores locais, as instituições (como a CUT, seguimentos religiosos e coletivos culturais entre outros). Temos uma equipe coesa dentro do Recife, a princípio com uma coordenadora pedagógica, coordenador executivo, editor local, a revisora, entre outros parceiros que juntamente com os estudantes do curso assumiram essa missão de descentralizar a distribuição dos jornais. Todos esses membros que compõem a equipe também estão fazendo esse trabalho de base junto com os estudantes que são os pontos de referências nas bases da distribuição dos 50 mil exemplares do jornal que estão sendo entregues em Recife e cidades circunvizinhas. A partir desses núcleos, o jornal começa a se difundir. Todas as outras redes são importantes para fortalecer essa iniciativa.
Três palavras estão bem presentes no projeto da ANF: democracia, liberdade de expressão e direitos humanos. Explica por quê?
Paulo: É a tríade. Porque é uma relação necessária da gente lidar. A gente precisa cada vez mais valorizar a democracia. Estamos em tempos muito difíceis, perigosos, onde a democracia tem sido colocada, por alguns setores, como algo irrelevante, os direitos fundamentais da pessoa humana estão sendo desvalorizados, mas, entendemos a importância disso. Hoje, estamos conversando aqui, pelo fato de termos a democracia como a nossa aliada, assim exercitamos nossa liberdade de expressão sem deixar de falar dos direitos humanos, porque o respeito à vida, a valorização da vida é fundamental. Seja junto à comunicação comunitária, ao setor privado, setor público, a sociedade civil organizada. Então os direitos humanos tendo a liberdade que a democracia permite é o direito que cada cidadão tem. Nós como formadores de opinião, comunicadores sociais, mobilizadores sociais, avaliamos como pautas de extrema relevência a todo instante esses temas.
Laudenice Oliveira/ jornalista, Coordenadora Pedagógica da RACC- Rede de Agentes Comunitários de Comunicação, em Recife
“Na formação dos alunos é muito valorizado esse aspecto da democracia, liberdade de expressão e direitos humanos: os alunos não são formados apenas para escrever e saber cobrir a pauta. No processo de formação, os alunos estão sempre com uma palestra de temas sociais que ajuda a cobrir esse repertório, a despertar os alunos pela necessidade de perceberem determinados ângulos da sociedade, analisar melhor a sociedade que eles estão. Às vezes você tá tão inserido dentro da comunidade vivendo essa violência, visando essa perseguição, vivendo o medo. Então cada palestrante que vai, traz ainda mais repertório para o aluno para que ele desenvolva ainda mais o interesse dentro da comunicação, possibilitando assim um entendimento melhor do que são os direitos humanos. Porque às vezes eles acham que não tem direitos, o que acontece na favela é porque tem violência. Então tem a iniciativa de trazer outros conteúdos nessas palestras para que os alunos possam ter esse outro hábito de juntar e poder fazer análise do que eles estão construindo na sua comunicação. Não é uma comunicação pura de dizer “tá acontecendo isso na minha favela”, mas tá acontecendo com outro olhar. O aluno vai ver com outro viés do que se tem na base, o que tem no chão da favela”.
O outro lado da notícia, não é verdade?
Laudenice: “O outro lado da notícia, mas com o lado da consciência política, o lado com a leitura crítica. Então esses elementos eles são fundamentais para a formação dos alunos que estão cumprindo o curso da Rede de Agentes Comunitários de Comunicação (RACC)”.
Paulo: Esse embasamento com a própria experiência de cada um é o que favorece, cada um traz sua vivência e contribui nessa construção coletiva. As sugestões, as provocações de discursos nas atividades, retroalimentam inclusive para você enxergar o seu habitat de outra maneira, muitas vezes você vê uma determinada situação, onde os órgãos públicos estão sem dar nenhuma atenção e uma pauta que é sugerida, gera uma matéria com aspecto de denúncia e reivindicação, provocando os gestores a agirem, ou seja, esse direito humano, direito de ter uma qualidade de vida, como por exemplo, saneamento básico, escola de qualidade, você não traz uma pauta dessa para o jornal, porque você quer meramente denunciar. Você quer que o serviço seja prestado, e serviço público não é favor, é direito.
Como participar desse projeto? Quem estiver interessado (a), o que é que tem que fazer?
Paulo: Nós já estamos no segundo mês do curso. Fizemos um edital para que as pessoas interessadas se inscrevessem. Tivemos 97 inscritos de 65 favelas, e foram selecionadas 25 pessoas, que atualmente são essas que estão com essa responsabilidade de produzir as três primeiras edições do jornal. Todas as atividades que acontecem em sala de aula trazem essa experiência, essa bagagem, para que eles possam produzir com consciência e consistência. A partir da quarta edição, vamos ampliar para novos colaboradores/comunicadores para que eles produzam as pautas para o jornal A Voz da Favela. Porém, o portal www.anf.org.br está a disposição de qualquer pessoa interessada em sugerir pautas de interesse público, que mesmo antes do curso já tínhamos produção em Recife. Então, quem tiver interesse de participar de uma segunda turma é aguardar as próximas etapas (a primeira será finalizada em dezembro), acreditamos que haverá uma renovação dessa proposta do curso, porque o jornal terá continuidade para além do curso, a ideia é marcar o território. No Rio de Janeiro aconteceu duas turmas do curso da RACC- Rede de Agentes Comunitários de Comunicação. Já em Salvador a finalizamos no primeiro semestre deste ano com a primeira turma e estamos na oitava edição do jornal com uma rede de produto. E assim chegamos no Recife com essas propostas: buscar parcerias, consolidar essa ação e trazer mesmo com que essa receptividade importante, muito calorosa e positiva. A população pode acompanhar nossas ações através das nossas redes sociais. (Facebook, Instagram, Twiter, Youtube: Agência de Notícias das Favelas e A Voz da Favela), e também pelo portal: www.anf.org.br. Além dos colaboradores no Brasil, temos uma rede internacional que fortalece e amplia nosso raio de alcance. Temos parceiros em Portugal e Espanha. Importante buscar novas parcerias.
Fabiano Moura, secretário de Comunicação e Imprensa da CUT-PE:
É interessante, porque no debate que a gente tem feito, de como chegarmos às comunidades, ainda não conseguimos transformar esse desejo em ações efetivas. Este projeto abre novas perspectivas, um jeito diferente de fazer comunicação. A CUT tem ligação com vários sindicatos e cada sindicato tem sua direção de base, enfim, nós temos trabalhadores (as) em todos os lugares. Temos trabalhadores, nas favelas, em áreas nos grandes centros econômicos da cidade, no Sertão, Agreste e, Zona da Mata. Como podemos contribuir de forma mais efetiva com essa proposta? Eu acho que é um projeto que tem muito potencial. Enquanto movimento sindical, como podemos contribuir?
Paulo: Inicialmente, este convite para falarmos da nossa iniciativa e abrindo as portas já é uma grande contribuição. Depois é solicitar que o jornal seja entregue sempre. O jornal será produzido e distribuído todo mês, então com o apoio da CUT Pernambuco, podemos chegar nas bases, dentro e fora da cidade, e isso é importante. Não queremos uma parceria apenas onde uma parte seja beneficiada, a CUT não é uma parceria meramente como receptor do jornal, mas também pode contribuir na produção de conteúdo a partir da 4º edição. Existe uma descentralização da CUT em ver as áreas de profissão, então assim, tem sempre essa cota de exemplares para essas funções. Vamos fazer o jornal chegar aqui todo mês de alguma forma, para poder ter esse feedback nesse processo da democratização da comunicação. Sendo assim, a partir de hoje a CUT Pernambuco entra na nossa rede de parceiros e colaboradores, inicialmente sendo um dos pontos de coleta e distribuição do jornal A Voz da Favela. As contribuições também podem ser através da divulgação dos nossos serviços, nas campanhas de benfeitoria. Quem tiver interesse em sugerir pautas ou buscar outras informações pode enviar um e-mail para: contato@anf.org.br . Vamos democratizar a informação das Favelas.Vida longa a comunicação comunitária!.