A Funcef contratou para um processo de reorganização institucional a Accenture Strategy, consultoria com histórico polêmico envolvendo fundos de pensão, e até o momento, não divulgou o valor do serviço. A contratação e a condição de confidencialidade foram aprovadas por unanimidade na diretoria, que ignora todos os preceitos básicos de transparência. Avaliamos o diagnóstico apresentado pela Accenture, divulgado em novembro, e identificamos inconsistências que requerem esclarecimentos.
Por se tratar de um relatório superficial, não foi possível identificar aspectos básicos da metodologia utilizada. Foram apresentados de forma agrupada números dos chamados fundos “globais”, cujos nomes e países não são informados. Ao classificar a atuação da Funcef como de “baixa performance”, a consultoria traz como solução a criação de estruturas terceirizadas. No entanto, as experiências internacionais mais conhecidas mostram que os maiores fundos do mundo, como Calpers, Calsters, ABP, GPIF, Ontário Teachers e GEPF, fazem a gestão internamente.
No contexto nacional, Previ, Petros e Funcef apresentam curva semelhante na rentabilidade, com queda que se inicia em 2011 e se estende até 2016, ano em que a Previ registrou variação positiva. Valia e Itaú mantiveram-se estáveis no período, o que torna interessante avaliar qual o montante em títulos públicos que essas fundações detêm. No entanto, nenhuma análise sobre esse aspecto foi apresentada.
“A simples comparação com fundos estrangeiros, sem mostrar se são nações de primeiro mundo, se são economias com juros baixos e mesmo qual o porte dessas entidades, gera uma análise frágil”, avalia a diretora de Saúde e Previdência da Fenae, Fabiana Matheus. O material divulgado foi considerado superficial pela equipe técnica da Fenae, que analisou as informações. “A consultoria aponta questões que já são ou deveria ser de conhecimento da gestão da Funcef e faz sugestões vagas que não justificam sua contratação por um valor que sequer temos conhecimento”, questiona Fabiana.
Na conclusão, a Accenture indica como “potenciais alavancas de eficiência” a otimização, digitalização e automação de processos, implementação de metas e indicadores, revisão do modelo operacional de TI e evolução das plataformas tecnológicas.
Conflito de interesses
Em trabalho similar realizado para a Previ em 2014, a Accenture propôs transferir várias atribuições de diretores eleitos pelos participantes a diretorias indicadas pelo Banco dos Brasil, além da sugestão de acabar com duas diretorias e terceirizar a gerência de investimentos. Segundo denúncia divulgada pelo Sindicato dos Bancários do DF na ocasião, a Accenture foi contratada “para mudar o modelo de gestão da Previ” e recebeu R$ 1 milhão pelo serviço de “mapeamento e otimização de processos”.
A proposta apresentada pela Accenture à Previ também sugeria a extinção de duas modalidades de crédito aos participantes, o empréstimo simples e o financiamento imobiliário, que passariam a ser feitas pelo Banco do Brasil com as taxas do próprio banco.
Segundo fontes do setor, com o argumento da busca por maior eficiência, a primeira iniciativa proposta pela consultoria à Previ teria sido terceirizar a gestão dos ativos imobiliários. Coincidentemente, em setembro de 2013, a Accenture havia anunciado a compra de participação majoritária na Vivere Brasil, empresa de tecnologia para crédito imobiliário, que tinha o BTG Pactual como sócio minoritário.
“Fica nítido o modelo adotado pela Accenture de sugestionar ou avalizar a terceirização de áreas dos planos de benefícios, esvaziando a gestão dos participantes e se pautando por interesses comerciais que colocam em risco a previdência complementar do pessoal da Caixa”, observa a diretora da Fenae.
Credenciais duvidosas
No documento de perguntas e respostas utilizado para explicar o imbróglio, a Funcef afirma que contratou a Accenture por se tratar de uma especialista no setor. Segundo a Fundação, a consultoria “atua junto aos maiores fundos de pensão do mundo e administra diretamente grandes fundos de previdência complementar italianos, como os dos trabalhadores da industria textil (Previmoda) e dos correios (Fundoposte)”. A informação, porém, é contestável.
A Accenture gerencia setores administrativos desses fundos, mas eles estão longe de ser grandes. O Previmoda tem 59 mil associados e um patrimônio de US$1 bilhão. O Fundoposte tem 95 mil associados e gere US$ 2 bilhões. A Funcef tem mais de 130 mil participantes e um patrimônio administrado de quase R$ 60 bilhões ou cerca de US$25 bilhões. Os dois fundos italianos administram juntos o equivalente a 12% da Funcef. Além disso, no modelo italiano os fundos apenas gerem recursos e não pagam benefícios. Portanto não existe pagamento e gestão de recursos para aposentados nesses fundos, o que torna a comparação ainda mais inaceitável.
Histórico negativo
A célebre empresa de auditoria norte-americana Arthur Andersen, que sempre figurou entre as grandes companhias globais de auditoria financeira, perdeu a credibilidade ao participar do escândalo que culminou na falência da Enron e levou junto os fundos de pensão dos funcionários da companhia e de outros investidores da mesma categoria, num rombo que, na ocasião, foi estimado em US$ 1,5 bilhão. Os jornais da época mostraram que a Enron escondia os prejuízos e turbinava os lucros com a conivência da auditoria. Com o abalo na reputação, a Arthur Andersen mudou de ramo e a sua área de consultoria adotou o nome de Accenture.