Se havia alguma dúvida, o rescaldo da primeira reunião da Comissão Especial da Reforma Política da Câmara, nesta terça (24), deixou bastante claro o que esperar do grupo: a maioria dos 34 parlamentares não está nem um pouco comprometida com as bandeiras levantadas pela sociedade civil, como o fim do financiamento das campanhas eleitorais pelas empresas e o aprofundamento da democracia direta.
O plano de trabalho apresentado pelo relator, deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), até abre espaço para a manifestação das entidades da sociedade organizada mais envolvidas como este debate, como é o caso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Confederação Nacional dos Bispos dos Brasil (CNBB). Mas isso não se dá em todas as etapas do processo, como observou o deputado Jean Wyllys (PSOL-BA), durante a reunião desta tarde.
A proposta também não contempla a discussão de temas imprescindíveis à melhoria da qualidade da participação popular na ainda tão frágil democracia brasileira, como a criação de alternativas para promover a paridade entre homens e mulheres. De acordo com a deputada Luíza Erundina (PSB-SP), as mulheres são maioria da população brasileira, mas estão sub-representadas no parlamento de imensa maioria branca.
Apesar do grande acúmulo já existente tanto no parlamento quanto na sociedade civil a respeito da reforma política, o texto base que norteia os trabalhos da Comissão é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 352/2013, construída há dois anos como solução para acabar com o anseio popular pela reforma política sem mudar o que realmente importa à maioria dos deputados eleitos: manter a previsão do financiamento privado de campanha que os permite abusar do poder econômico para conquistar espaço político no país.
A PEC 352/2013, inclusive, não só mantém o cerne da corrupção como o aprofunda: seu propósito maior é impingir na Constituição Federal a previsão legal do financiamento das campanhas por empresas privadas, já considerado ilegal pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas cujo julgamento está inconcluso devido ao inusitado pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes.
Mendes, o ministro mais afinado com as forças conservadoras, alegou não ter acúmulo de informação suficiente para tomar uma decisão sobre a reforma política, embora o tema já venha incendiando o país há pelo menos 12 anos. Isso ocorreu quando a ação entrou na pauta do STF, em abril do ano passado. Até hoje, não devolveu o processo para que o julgamento tivesse continuidade.
De acordo com o deputado Henrique Fontana (PT-RS), o principal propósito da PEC 352/2013 é mudar a Constituição para que, quando Mendes devolver o processo ao plenário do Supremo, os demais ministros tenham que rever seus votos em que classificaram o financiamento privado inconstitucional. Uma manobra dupla que une as forças conservadoras do judiciário e do legislativo contra os anseios da população.
Gilmar Mendes, aliás, será uma das autoridades convidadas pela comissão para discutir a reforma política no parlamento. Enquanto isso, nas redes sociais e na imprensa alternativa, toma cada vez mais corpo a campanha “Devolve, Gilmar”. No parlamento, entretanto, há muita gente interessada que ele mantenha o processo suspenso até que o parlamento possa constitucionalizar a doação privada, fonte de financiamento que elegeu a maioria dos que hoje definirá as regras sobre o assunto.
Entre eles o próprio presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fiel defensor dos interesses empresarias. Mas não só. Um levantamento feito pela Agência Câmara com 28 dos 34 deputados que compõem a Comissão Especial da Reforma Política mostra que apenas oito defendem financiamento exclusivamente público. Outros quatro defendem um sistema misto, mas com mais financiamento público do que há hoje. Os demais se dividem entre as diferentes modalidades de financiamento privado, incluindo o empresarial.