No carnaval de 2014, muitos foliões do Recife se depararam com uma cena inusitada: pessoas vestidas de prédios ficavam paradas, lado a lado, de forma que os brincantes não conseguiam enxergar a atração da festa. Tratava-se da Troça Carnavalesca Empatando Tua Vista, uma crítica à verticalização da cidade e à falta de planejamento urbano vivida pela capital pernambucana nos últimos anos. A situação, que deve se repetir esse ano, simboliza uma das ideias mais presentes no carnaval: usar a descontração da festa para abordar temas sérios, com postura crítica e bem humorada. Vários blocos e troças que levantam outras bandeiras de luta estão em fase de gestação e prometem tomar as ruas e ladeiras na folia pernambucana deste ano.
“A ideia é justamente essa, a gente coloca os prédios na frente da atração, atrapalhando quem quer ver. O sentido do bloco é levar a temática da verticalização excessiva de uma forma divertida, bem humorada; ampliar o círculo de pessoas que normalmente não participariam dessa discussão”, conta o servidor público Fernando Ribamar, um dos organizadores do Empatando Tua Vista. O bloco foi articulado através das redes sociais, entre pessoas que geralmente debatem sobre a forma de ocupação que vem acontecendo no Recife.

A jornalista conta que a ideia da troça surgiu de forma espontânea — como acontece com a maioria dos blocos de carnaval. O grupo inicial, de cinco amigas, ia se fantasiar de fada no carnaval, replicando de forma irônica uma brincadeira que existe entre elas, de chamarem umas às outras de feminazis. “A ideia é quebrar esse estereótipo da fada, da mulher ‘boazinha’, certinha”, conta. Mas o grupo percebeu que a inquietação incomodava muitas outras mulheres e resolveu criar o bloco. “Na internet estamos sentindo uma reação bem mais positiva, com apoio dos homens, também”, conta Geisa.
Entre as atividades do grupo, estão distribuição de brinquedos para crianças carentes e uma ação de incentivo à doação de sangue – o que deve acontecer ainda antes da festa carnavalesca. “O carnaval é um período em que os hospitais precisam muito de sangue e as doações caem”, explica Camila.
Além da solidariedade da Troça Toda Forma de Amor, outra pauta é a diversidade sexual. O grupo levanta a discussão sobre o amor de forma geral, sem fazer concessões. “O que a gente faz é acolher as pessoas que emanam amor de qualquer forma, diversos tipos de amor”, destaca a presidente da troça. A saída do bloco também será na segunda-feira de carnaval (16), em Olinda, com concentração às 10h, na Igreja de São Pedro.
Para Camila Moura, a festa também é lugar de outras questões, que se estendem pelo ano inteiro. “É diferente trazer não só a folia, mas um bem maior dentro dela, não ficar somente na festa”, afirma. Já Fernando Ribamar aponta a descontração da festa como um facilitador para as discussões na cidade. “O humor é uma forma de levar uma discussão para um ambiente onde não isso não chegaria. É assim que você atinge as pessoas”, completa o folião.