A declaração de Aécio Neves depois da derrota eleitoral foi saudada como exemplo de civilidade, mas é ambígua: “…Considero que a maior de todas as prioridades deve ser unir o Brasil em torno de um projeto honrado”.
O que significa unir o Brasil em torno de um “projeto honrado”, após as denúncias de Veja, corroboradas pelo JN da Globo, sobre o “domínio do fato” dos desvios da Petrobrás por Lula e Dilma? E depois que, na véspera da eleição, Merval Pereira, entre outros, tenha reverberado declarações antigas do deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP) defendendo o impeachment de Dilma por causa da desonra da Petrobrás?
A capa da Folha de São Paulo dessa terça-feira (28/10/2014) não deixa dúvidas de que o terceiro turno será jogado também na gestão econômica: “Dilma busca para Fazenda nome do mercado financeiro”. O balão de ensaio é repetido por vários jornais depois da desvalorização do dólar e queda da bolsa na segunda-feira, com a ressaca previsível provocada pela derrota do candidato do “mercado”.
O clamor (ou terror financeiro?) se espalha por relatórios do mercado financeiro: JPMorgan, o banco que liderou o enfrentamento contra a reforma financeira de Obama e que, no Brasil, emprega Armínio Fraga, dizia na segunda-feira que “caso a presidente reafirme a política econômica do primeiro mandato, o tumulto pode ser grande o suficiente para se espalhar por outros emergentes.” [link para http://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2014/10/1539281-pilulas-do-dia-seguinte.shtml].
O terrorismo econômico como recurso de poder – O esforço do jornalismo econômico e do mercado financeiro para disciplinar a política econômica de Dilma Rousseff foi anunciado durante a campanha eleitoral, em relatório escrito por Tony Volpon, analista da Nomura Securities, em 22 de setembro. Diante da perspectiva de reeleição de Dilma Rousseff, ele admitiu que o mercado financeiro agiria de modo coordenado para impor-lhe o “pragmatismo sob coação”:
“A visão otimista é que, uma vez que a eleição acabe, Rousseff sabe que precisa comprometer-se com os mercados e ser mais pragmática… Nossa visão atual é que, provavelmente, só veremos uma mudança real na política econômica em um segundo governo Dilma sob pressão substancial do mercado. O modelo para nós é exatamente o ciclo de aperto feito pelo BC em 2013, que só alcançou a extensão que teve por causa das pressões criadas pela discussão em torno do ´tapering´ do Fed. Chamaríamos isso de ‘pragmatismo sob coação’” [link para http://brasileconomico.ig.com.br/financas/mercado-como-elee/2014-09-24/coacao-pos-marina-ja-comecou.html]. [1]
Não seria a primeira vez que Dilma cederia ao “pragmatismo sob coação”. Sua política econômica fracassou na tentativa de provocar uma desaceleração tênue em 2011, tendo exagerado na contração fiscal e no aperto monetário. Quando buscou reagir à aterrisagem forçada, o fez sem ganhar a opinião pública para a necessidade de fazê-lo.
De fato, o Banco Central (BCB) iniciou um ciclo de redução da SELIC em agosto de 2011 que foi objeto de fortes críticas oriundas de economistas ligados ao mercado de capitais, centros universitários ortodoxos, consultorias financeiras e jornalistas econômicos. A divergência de opiniões levou, como sempre, a acusações de “intervenção política” mesmo depois de ficar claro que o BCB acertou ao avaliar o cenário internacional e a tendência de inflação no Brasil.
Ao invés de admitir o erro, economistas de mercado argumentaram algo como o BCB “arriscou e deu sorte” ao reduzir taxas de juros, esperando por uma oportunidade para coagi-lo outra vez a um ciclo de elevação. O ciclo de elevação foi iniciado em meados de 2013, depois que a economia experimentou choques de custos associados à depreciação cambial e à elevação de preços agrícolas e fretes [link para http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2013/04/16/combater-a-inflacao-com-recessao-e-estrategia-ultrapassada/].
Como a economia mal se recuperara da aterrisagem forçada de 2011, as pressões de demanda não eram fortes a ponto de permitir uma propagação séria da inflação que precisasse e pudesse ser contida com elevação forte de custos financeiros, ou seja, aumento prolongado dos juros. Iniciado sob pressão de choques de custos e não de demanda, o ciclo de elevação de juros estendeu-se mais do que esperado, segundo Volpon, por causa da pressão dos mercados sobre a opinião pública.
O governo Dilma também não reagiu à pressão do mercado sobre a política fiscal. A desaceleração cíclica iniciada em 2011 foi provocada pelo esgotamento da reposição do estoque de bens duráveis comprados a prazo e pela contração de planos privados de investimento provocada por isso, pela avalanche de importações e pelos sinais de austeridades emitidos pela contração conjunta do Tesouro e do Banco Central em 2011.
Nesse cenário, a reversão para uma política fiscal expansionista era plenamente justificada. Ia contra o consenso de mercado mas em linha com a discussão internacional sobre os danos da austeridade pós-crise global [link para http://www.valor.com.br/opiniao/3131570/origens-da-austeridade-expansionista]. Se contivesse em tempo o ritmo da desaceleração cíclica, provavelmente sustentaria o ritmo de elevação de impostos e, sobretudo, não pioraria a relação dívida pública e PIB [link para www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=3350&tp=a]. Mais do que isso, sustentaria a demanda privada e estimularia a confiança de consumidores e investidores em relação a um futuro de receitas próprias e custos financeiros incertos.
A reversão da austeridade fiscal, contudo, foi tardia, limitada e, pior, ocorreu sem comunicação e disputa ideológica, de modo envergonhado e escondido. Ofereceu a senha para que o mercado desconstruísse a política econômica, responsabilizando pelo baixo crescimento a perda de credibilidade gerada pela “contabilidade criativa” e pelo “aparelhamento do Banco Central”.