As trabalhadoras domésticas não são mais as mesmas. Segundo estudo apresentado pelo Dieese em encontro nacional organizado pela CUT nos dias 17 e 18, a idade média delas aumentou, acompanhada pela escolaridade e pela renda. Aos poucos, as mensalistas também dão lugar às diaristas.
Algumas características, porém, permanecem inalteradas. A profissão formada por 7,2 milhões de trabalhadores segue majoritariamente feminina, negra e ainda enfrenta a resistência dos setores retrógrados da sociedade para ver garantidos os mesmos direitos das demais categorias.
Para reverter esse cenário, a CUT se reunirá na manhã desta terça-feira (19) com o assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República, José Lopez Feijóo, para cobrar do governo federal uma atuação mais firme na regulamentação dos direitos das trabalhadoras.
A Central também entregará uma carta assinada por lideranças de domésticas de 13 estados à presidenta Dilma Rousseff em que reivindicam celeridade na ratificação da Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e cobram o compromisso de impedir retrocessos para a classe trabalhadora.
Luta no Congresso – Movido pela pressão do movimento sindical, o governo brasileiro foi decisivo em dois avanços fundamentais para a categoria: a construção da Convenção 189 e da Recomendação 201 da OIT, em 2011, que tratam do trabalho decente para as domésticas, e a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 72/2013, que reconhece às trabalhadoras os mesmos direitos das demais classes.
Porém, a convenção sequer foi ratificada pelo Estado brasileiro. E o Projeto de Lei do Senado (PLS) 224/2013, responsável por regulamentar a emenda, sofre uma série de ataques no Congresso.
O texto do relator do projeto na comissão mista do Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR), caracteriza o emprego doméstico como aquele realizado a partir de três dias no mesmo local durante a semana – a CUT luta para que seja a partir de um dia –, estabelece o contrato de experiência de dois anos e abre brecha para a demissão por justa causa em caso de embriaguez ou “violação da intimidade do empregador”.
Determina ainda que a compensação das horas extras do mês possa ser feita em até um ano e define o retorno ao empregador do valor da multa em caso de a doméstica pedir demissão ou ser demitida por justa causa. A CUT acredita que a norma possa dar origem a fraudes como a pressão para que a empregada se demita e livre o patrão de suas obrigações trabalhistas.
Caminho tortuoso – Secretária de Relações de Trabalho da Central, Maria das Graças Costa, aponta que, em diálogo com a presidenta, alertou sobre os prejuízos que qualquer reversão de direito pode trazer a todos os trabalhadores.
“No contato que tivemos com a Dilma durante a campanha, ela disse que defende essa pauta positiva, mas alertamos que, conforme o relator Jucá trata, a lei corre o risco de cair por terra. O governo precisa trabalhar para brecá-la, porque qualquer brecha causará estragos a todo o mercado de trabalho”, afirmou.
Para a professora e juíza do trabalho, Magda Biavaschi, a resistência na regulamentação dos direitos das domésticas é fruto da dualidade entre senhor e escravo ainda presente no país e só pode ser rompida pela pressão. Inclusive sobre o Judiciário.
“Desde 2003, o TST [Tribunal Superior do Trabalho] vem sofrendo inflexão e os ministros que o compõem vêm tendo postura bastante progressista, sobretudo a respeito da terceirização, acidente de trabalho e assédio moral. Porém, sobre trabalho doméstico continuam restritivos. E para que a interpretação de uma norma seja a que mais nos favoreça, temos que nos organizar e lutar”, defendeu.
Campo minado – O cenário para a luta, seja no Judiciário ou no Legislativo, não é dos mais favoráveis, conforme lembrou o assessor jurídico da Confederação dos Trabalhadores em Comércio e Serviços (Contracs), Carlos Henrique.
Em sua intervenção, ele destacou que a banca empresarial representa 47% do Congresso, com 246 deputados e 27 senadores. Já a bancada sindical conta com 62 deputados e seis senadores. A mudança nessa estrutura, defendeu, depende de uma reforma política, como a que defendem os movimentos sindical e social
. “É nesse campo que se dá o embate da regulamentação da emenda constitucional das domésticas. A bancada patronal tem influência, está no Congresso todo dia, são 200 pessoas acompanhando os projetos, 50 que visitam diariamente os gabinetes. Enquanto o capital ditar a regra nas eleições, a possibilidade de a classe trabalhadora eleger seus representantes ficará diminuída”, afirmou. Para lideranças de uma categoria que não conta com imposto sindical ou dirigentes liberados para atuarem exclusivamente pelas entidades sindicais, o secretário adjunto de Organização da CUT, Valeir Ertle, e a secretária de Mulheres da Contracs, Mara Feltes, ressaltaram a importância de promover o processo de conscientização nas bases. “O trabalho de base é difícil, mas é fundamental mostrar que tivemos avanços, que a situação hoje é melhor do que era há uma, duas décadas por conta da luta de vocês. Não há outro caminho, somente a partir do movimento sindical vêm e virão as conquistas”, ressaltou Mara. Um novo olhar – Uma dessas vitórias, mesmo que ainda parcial, a emenda das domésticas já surte efeito sobre a categoria. Uma pequena amostra disso pôde ser observada em levantamento realizado pela secretária da Contracs e presidenta do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas, Maria Regina Teodoro, com as lideranças sindicais por meio de questionário enviado antes do encontro. Para 95% delas, a mudança no artigo 7º da Constituição causa um impacto positivo para a autoestima, porque assegura igualdade e também enxergam como fundamental a visibilidade que a categoria passou a ter com o debate. Motivos suficientes para arregaçar as mangas e defender a regulamentação da profissão. “Toda vez que avançamos, os empregadores acham um jeito de burlar. Mas seguimos em defesa do que é nosso, porque não tem o que excluir, não tem que ser diferente para as domésticas. Qualquer limitação é uma forma de discriminação”, definiu Regina.