Fazia exatamente um mês do massacre de 17 de junho, quando o Batalhão de Choque da PM pernambucana brindou ativistas do direito à cidade com uma chuva de balas de borracha, bombas de efeito moral e spray de pimenta nas redondezas do Cais José Estelita. E lá estávamos nós, convidados a participar de uma audiência pública que iria dar início à discussão sobre parâmetros urbanísticos a serem utilizados na área.
Me vesti de verde e cheguei à Fafire, onde aconteceria o evento, às 10h, mesmo sabendo (acreditando) que os portões do auditório seriam abertos apenas às 13h.
Deu pra ver muita coisa.
Dezenas de pessoas que chegaram antes mesmo do que eu e empenhavam-se em mobilizar a população que passava na Avenida Conde da Boa Vista para a reunião que aconteceria logo mais;
Um par de panfleteiros contratados pelo Consórcio Novo Recife distribuindo um folderzinho com “verdades” sobre o projeto. O curioso papelzinho falava de tudo, mas em nenhum momento citava que o empreendimento previa a construção de 12 edifícios. Achei engraçado;
Moças e rapazes funcionários de empresas do Consórcio Novo Recife se misturando ordeira, simpática e educadamente à turma do #ocupeestelita, não sem um pouco de constrangimento ao ouvir as palavras de ordem do movimento.
Diversos ônibus chegando à Fafire repletos de cidadãos e cidadãs, convidados por lideranças-mandrake, que foram à audiência pública sem saber para onde estavam indo;
Diversos desses cidadãos e cidadãs comendo o lanche que vinha com o passeio, dando meia volta e caminhando para casa antes de o auditório abrir;
Muita gente sendo deixada do lado de fora por não caber mais no auditório que tinha capacidade para pouco menos de 500 pessoas. Mesmo sem entrar, muitos acompanharam tudo observando pela janela;
Já na audiência, vi a presidenta do Instituto Pelópidas da Silveira fazendo uma fala em que defende o planejamento urbanístico para a área chamada de “Ilha de Antônio Vaz”, deixando claro que não temos estudos suficientes para saber o que a cidade precisa naquele local;
Vi as anacrônicas “Torres Gêmeas” da Moura Dubeux receberem sonoras e sucessivas vaias sempre que vazavam nas fotos do centro do Recife, durante uma apresentação;
O Ministério Público Federal dizendo que a obra é irregular porque não respeita o patrimônio histórico e que por isso está embargada. E que as autorizações que o Consórcio tem hoje não implicam em nenhum direito adquirido pelo empreendedor;
Integrantes do OcupeEstelita desfazendo em poucos minutos o discurso do Consórcio, sustentado com fortunas de publicidade em todas as mídias possíveis e imagináveis;
Estava lá quando dois organizadores de ônibus do Coque, dizendo-se em favor das construtoras, tentaram desqualificar o debate chamando os ativistas de “playboys”, ou de “petistas”, ou insinuando que integrantes do movimento têm interesses pessoais financeiros em projetos para a área;
Também quando outros três moradores da mesma comunidade desmascararam as falsas lideranças representando a si mesmos e listando as deficiências do projeto e os danos historicamente causados pela especulação imobiliária;
Quando uma senhora ex-moradora de Brasília Teimosa denunciou a forma desrespeitosa como são tratadas as pessoas que vivem bairros pobres no Recife;
Quando um após o outro; uma após a outra; advogados, promotoras, arquitetas, urbanistas, cabeleireiras técnicos, estudantes, vendedores ambulantes, lideranças comunitárias, professores usaram o microfone;
E deixaram claro que o projeto Novo Recife não pode ser realizado sem ampla discussão sobre o modelo urbanístico que se pretende para a cidade;
Em seis horas de audiência pública, ninguém conseguiu dizer uma frase que fosse em favor do projeto desejado pela Moura Dubeux, Queiroz Galvão, Ara e GL empreendimentos;
Nem integrantes da prefeitura. Nem os funcionários liberados do trabalho para participarem da reunião. Nem mesmo os organizadores de ônibus que defendiam as imobiliárias. Um deles usou o microfone três vezes para desqualificar o movimento #ocupeestelita. E mesmo assim não conseguiu dizer o que havia de bom na ideia de seus patrões;
Os grandões mesmo das construtoras, estes não vi. Mas sei que nos viram através do streamming profissa que instalaram no auditório.
Para quem quis ouvir, o recado não poderia ser mais claro: o projeto não interessa à cidade. Ao atual prefeito do Recife Geraldo Julio, por mais que não se sinta responsável pelas aprovações irregulares, não me parece caber outra atitude senão cancelar o protocolo inicial do Novo Recife.
Se a iniciativa for realmente condizente com o interesse público, certamente não encontrará dificuldades em tramitar e conseguir legítimos alvarás depois de todos os estudos e processos legais que todo empreendimento desse porte deve cumprir.