Preto Zezé, ou Francisco José Pereira de Lima, presidente da CUFA (Central Única das Favelas), afirmou, durante o mais recente Encontro Nacional de Comunicação da CUT (VII ENACOM), que as pessoas tendem a não ter confiança política numa entidade se não puderem encontrar nela um espaço de convivência. E disse acreditar que a CUT não deve ter medo de que ações sociais, culturais e educacionais possam parecer assistencialistas ou a façam fugir de sua vocação.
No comando da CUFA desde 2002, a liderança acredita que o movimento sindical deve abrir espaçopara que as famílias de seus representados encontrem espaço de convivência nos sindicatos. Do contrário, o distanciamento tende a aumentar.
Desde sua criação, a CUFA – cujo nome foi inspirado na própria CUT – investe em ações como torneios esportivos interfavelas, concursos culturais, seminários de prevenção ao uso de drogas nas escolas, cursos gratuitos de preparação para o Enem e até mesmo, como recentemente, em concursos de beleza. Tudo com o objetivo de empoderar os moradores de favelas, elevar sua autoestima e, a partir disso, consolidar a discussão política. “Tudo isso nos dá visibilidade. Nossa política é toda comunicacional”.
Na verdade, a CUT e alguns de seus sindicatos investem em ações como essas, como o torneio de futebol promovido pela CUT-SP, sessões de cinema e outras. Porém, para Zezé, essa tem de ser uma política permanente e ampla, em nível nacional. E nas comunidades.
Acompanhe a entrevista:
A ação central da CUFA é trabalhar projetos culturais, sociais, educacionais. O movimento sindical tem certa dificuldade em lidar com essas questões, ora por temer cair no chamado assistencialismo, ora por achar que pode incorrer em tarefas típicas de Estado. O que você pensa disso?
O trabalhador brasileiro na sua maioria vive nas favelas. E ele precisa da construção de uma relação política. A relação política se constrói a partir da confiança, e a confiança, a partir do convívio. Se a minha entidade representativa está no meu convívio, as minhas relações de confiança com ela serão bem maiores. Então, hoje, não tem como o sindicato não estar preocupado com a vida do trabalhador para além do seu salário e de suas condições de trabalho. Ou então achar que fazendo as políticas gerais isso vai acabar se refletindo na vida do associado. Nada disso. Não vai. Nós estamos vendo uma desmobilização enorme das pessoas, há muitas mudanças no mundo do trabalho. As pessoas não virão até nós. Nós temos que ir até elas. Há um público muito jovem que tem outro entendimento, outra linguagem, outro gás, o que já muda nossa plataforma antiga do que era fazer movimento sindical. Então é necessário que a gente comece a entender que sindicato não é um prédio, não é uma estrutura. São pessoas. Então, é preciso que nossa luta tenha reflexos na convivência cotidiana da nossa base. Do contrário, você estará lutando e a categoria não vai reconhecer que você está fazendo essa luta. Aí vai ter um distanciamento, mesmo que a base esteja usufruindo das conquistas que o sindicato conseguiu. Ela vai achar que é um esforço dela. Se eu tenho uma representação política, eu quero que minha família faça parte, que meus filhos conheçam e convivam com essa representação. Eu quero um convívio social, cultural, com a instituição que me representa. Se a entidade não oferece esse leque de oportunidades, esse cardápio de atividades, então, não tem como, o trabalhador vai buscar isso em outros lugares.
Cite alguns exemplos desse cardápio que você acredita podem ser aplicados ao movimento sindical.
Se vocês fizessem um grande festival da cultura cutista, e abrissem várias linguagens, teatro, música, cinema, dança… Só na base de vocês já haveria um leque enorme, e aí vocês mapeiam isso, pra procurar saber quem são essas pessoas… Não dá para um movimento ser apenas uma planilha de Excel: tantos sindicatos, tantos associados, tanto do imposto sindical, recolhimento e coisa e tal. É preciso olhar pra vida das pessoas. E isso é fazer política. Não se esqueçam nunca que nosso comandante Marighella tinha debates monstruosos com o partido porque ele queria criar um bloco de carnaval. Não era à toa: ele queria ir pro convívio das pessoas. E no convívio é que a gente faz política, é no dia-a-dia do bairro, do bar, do time de futebol, da igreja. Tem de ser no cotidiano. E seduzir para uma agenda prazerosa, porque a luta já é dura, e se você só tem a dureza da luta pra oferecer para tua categoria, vai ser difícil ela se aproximar de você.
A CUFA também trabalha muito em parceria com outras entidades. Vamos fazer um exercício de imaginação: como você pensa que seria uma parceria entre CUFA e CUT?
Vou dizer uma coisa pra vocês. A central sueca tem trabalho social com imigrantes. O sindicato que atua na Volkswagen alemã sustenta times de futebol nas periferias das cidades. Então, assim, eu não vejo nenhum problema da CUT em ter um trabalho lá em Paraisópolis, onde a CUFA tem base, em Heliópolis, não vejo contradição alguma, ao contrário, seria a CUT atuando no cotidiano no local onde seu associado e sua associada vive. A instituição tem de estar lá, meu amigo, porque lá está o bar, o narcotráfico, está tudo lá, a Coca Cola, o McDonald’s. Só a CUT que não está. É fundamental estar lá na atual conjuntura, em que as pessoas estão tendo mais consumo e tendem a ficar mais em sua comunidade, em sua casa, pra se socializar de outras maneiras. Então, parceria tem de ter, inclusive pensando que isso vai renovar e oxigenar o olhar da CUT pra essa nova realidade brasileira.
Quero falar um pouco agora da Copa. Como a CUFA tem visto essa questão, se já é possível ver os possíveis legados positivos que ficarão e também as denúncias de remoção forçada de moradores.
A CUFA inclusive trabalhou recentemente em Fortaleza numa ação de mediação de remoções. A gente vem trabalhando sempre no sentido de promover o diálogo. E o que estamos vendo? Por parte dos governos, falta transparência e diálogo para esse projeto maior. A Copa não é apenas jogo. As pessoas não são contra a Copa do Mundo. Mas as pessoas querem saber antes: vou ser removido? Por quê? Para onde vou, qual a infraestrutura que vai ter lá pra mim? Tem outro jeito de fazer, vai gastar mais um dinheirinho, então gasta, já não está gastando mesmo com aumento de orçamentos nos estádios? Então, essa dificuldade de eleger o que é prioritário tem desgastado mais o governo do que ajudado. E essa maneira como está sendo feito pelos governos está desgastando e tem impedido realmente de construir e deixar um legado. Por quê? Por que as obras têm ficado paradas, algumas inclusive voltadas à mobilidade urbana. Há uma crítica enorme ao governo pela falta de diálogo. Criaram-se os comitês sem diálogo com os movimentos, sem a gente poder interferir. E agora escutar não basta mais. Tem de haver desdobramentos, tem de ter um resultado. Então, em vez de transformar o evento num bônus, evento que provocou festas por todo o País em 2007, com transparência nos contratos, nos prazos, a falta de comunicação tem produzido um desgaste monstro.
Falando em comunicação, a exibição do filme “Falcão, Meninos do Tráfico” no Fantástico, em 2006, foi a maior ação de divulgação que vocês realizaram? Ou existem outras de igual impacto?
Foi a de maior visibilidade. E não foi da CUFA apenas. Foi da TV brasileira, ao exibir um documentário inteiramente feito na favela e abordando uma pauta a partir do olhar de seus personagens. Mas o movimento da CUFA é todo comunicativo. Quando eu faço um campeonato de basquete de rua, eu estou com aquelas pessoas discutindo a ocupação do território, os problemas da cidade, trazendo jogadores de fora, trazendo pessoas de outras classes sociais, envolvendo todo mundo… E nisso a mídia vem, porque isso é uma pauta nova, uma agenda positiva. Nós sabemos que as soluções para a favela não virão apenas dela, virão do asfalto também. Por isso precisamos construir esse diálogo