Spread mais baixo define novo caminho para atuação dos bancos no Brasil

Sete meses depois de a presidenta Dilma Rousseff (PT) ter ido à TV
anunciar “posição firme” do governo contra os juros altos, parte dos
maiores bancos em operação no país anunciou demissões e queda nos
lucros. Os balanços do terceiro trimestre divulgados por Itaú Unibanco,
Santander e Banco do Brasil mostram menor rentabilidade em comparação ao
mesmo período do ano passado.

O banco controlado por Roberto Setubal perdeu 3,25%, enquanto a maior
instituição financeira do país, controlada pelo Estado, registrou 5,7% –
queda semelhante à dos espanhóis. Entre os que conseguiram manter
lucratividade crescente estão Bradesco, com 2,1%, e Caixa Econômica
Federal, com 17,7%, recorde entre os grandes bancos no período.

Uma correlação simplista jogará a responsabilidade pela queda no lucro
dos bancos – e pelo corte de pessoal – à “intervenção branca” do governo
no regime de crédito do país. “Mas não necessariamente a redução de
juros vai significar uma redução no lucro dos bancos”, argumenta Gustavo
Cavarzan, analista do Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (Dieese). “Vai depender muito da estratégia que
os bancos vão adotar. Mas é fato que, devido às ações do governo e dos
bancos públicos, as instituições privadas começaram a perder algumas
fontes de receita fáceis.”

De acordo com Cavarzan, o dinheiro fácil que ano após ano enchia as
burras dos bancos brasileiros tinha sua origem nos juros altos,
materializado na taxa Selic de que tanto falam os economistas. Definida a
cada 45 dias pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco
Central, a Selic é conhecida também como taxa básica de juros da
economia. É com base nela que praticamente todas as demais taxas de
juros são calculadas, desde a remuneração da poupança até a prestação do
carro. Portanto, uma Selic baixa significa a possibilidade de juros
mais baixos para toda a economia. Por outro lado, uma Selic nas alturas
joga pra cima todos os demais juros do país.

Em outubro, o Banco Central reduziu a taxa Selic ao nível mais baixo da
história: 7,25% ao ano. Para se ter uma ideia, durante o governo
Fernando Henrique Cardoso, a Selic chegou a 45%. Na gestão de Luiz
Inácio Lula da Silva, a taxa oscilou entre 26,5% e 8,75%. A Selic é
importante porque define o custo do dinheiro no Brasil, ou seja, o
rendimento que os donos do dinheiro – bancos e investidores – terão em
cada tipo de investimento.

Com a Selic muito alta, quem tem dinheiro para investir escolhe
colocá-lo em opções que remuneram de acordo com a taxa básica de juros,
como os títulos da dívida pública. É um tipo de investimento que não
traz grandes riscos ao investidor, mas propicia margens de lucro
atrativas. Quando a Selic está baixa, porém, a rentabilidade cai – e o
investidor que quiser fazer dinheiro com seu dinheiro deve procurar
outras alternativas.

Uma delas é oferecer empréstimos. “No Brasil, a relação entre oferta de
crédito e Produto Interno Bruto (PIB) ainda é baixa se comparada a
outros países”, avalia Catia Uehara, analista do Dieese. “Aqui se
empresta cerca de 52% da riqueza produzida em todo o país. Nos países
desenvolvidos, é mais de 100%. A Dinamarca, por exemplo, ostenta uma
relação crédito/PIB de 220%. E esse dinheiro vem do setor bancário.”

Catia explica que, devido à Selic nas alturas, os bancos brasileiros não
se preocuparam em ampliar o crédito a empresas ou pessoas físicas.
“Estavam acomodados.” Agora, a ideia é que os juros mais baixos
provoquem uma mudança de atuação das instituições financeiras. “Com a
queda da Selic, eles terão de operar mais com crédito e deixar de lado o
financiamento da dívida pública brasileira”, continua a analista do
Dieese. “Estamos num período de transição.”


Ao ataque – Ao menos simbolicamente, essa transição teve início no último 1° de
maio, quando a presidenta Dilma Rousseff arremeteu contra os juros
“inadmissíveis” praticados pelos bancos brasileiros. “Nos últimos anos,
nosso sistema bancário tornou-se um dos mais sólidos do mundo, e está
entre os que mais lucraram”, afirmou. “Isso tem lhes dado força e
estabilidade, o que é bom para economia, mas isso também permite que
eles deem crédito melhor e mais barato aos brasileiros.” Afinal,
continuou a presidenta, “a taxa básica Selic está caindo, a economia se
mantém estável e a maioria esmagadora dos brasileiros honra com presteza
e honestidade seus compromissos.”

Foi assim que Dilma justificou a batalha do spread contra os bancos
privados, que então começava a ser travada pelo Planalto por meio dos
dois maiores bancos públicos do país: Caixa Econômica Federal e Banco do
Brasil. Spread é o termo em inglês utilizado pelo mercado financeiro
para se referir à diferença entre os juros que os bancos pagam ao captar
dinheiro (em geral, com uma taxa próxima à Selic) e os juros que cobram
para emprestar esse mesmo dinheiro – aqui, o céu é o limite. É dessa
diferença que bancos e instituições financeiras retiram parte de seu
lucro, e todos os economistas concordam que o spread praticado no Brasil
está entre os maiores do mundo.

“Em abril, antes das medidas do governo, o spread brasileiro estava em
27%. Em setembro, caiu para 22%”, lembra Gustavo Cavarzan, citando dados
do BC como resultados preliminares da ofensiva do governo. O analista
do Dieese explica que os números do spread são obtidos pela média entre
os juros praticados por todos os bancos e todas as linhas de crédito
existentes no país, dos mais altos (cheque especial e cartão de crédito)
aos mais baixos, como o crédito consignado. “Mas esses 22% ainda estão
fora de qualquer realidade se comparamos com padrões internacionais. Os
países com nível de desenvolvimento semelhante ao Brasil, como México,
Argentina, Índia ou África do Sul, sustentam spreads de 3% ou 4%.”

A redução ocorreu após uma espécie de intervenção indireta do governo no
sistema financeiro – e só foi possível porque o Brasil ainda possui
bancos públicos fortes o suficiente para competir com os gigantes
privados. Dilma ordenou que Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal
reduzissem seus spreads – ou seja, os juros cobrados ao conceder
empréstimos a empresas e pessoas físicas. A ideia era usar as próprias
leis do mercado: as instituições estatais ofereceriam linhas de crédito
mais vantajosas e, consequentemente, atrairiam o interesse da clientela.
Isso “forçaria” os demais bancos a baixar também seus spreads e cobrar
juros menores, sob pena de perderem negócios e dinheiro.

“Caixa e Banco do Brasil escolheram o caminho do bom exemplo e da
saudável concorrência de mercado, provando que é possível baixar os
juros cobrados a seus clientes em empréstimos, cartões, cheque especial
e, inclusive, no crédito consignado”, disse a presidenta no Dia do
Trabalho. “É importante que os bancos privados acompanhem essa
iniciativa para que o país tenha uma economia mais saudável e mais
moderna. É bom também que você, consumidor, faça prevalecer seus
direitos, escolhendo as empresas que lhe ofereçam melhores condições.”


Balanços – O apelo da presidenta deu uma série de resultados. No terceiro trimestre
de 2012, a lucratividade da Caixa aumentou 17,1% em comparação com o
mesmo período do ano passado: passou de R$ 3,5 bilhões para R$ 4,1
bilhões. Não é um valor tão expressivo se comparado ao rendimento de
instituições como Itaú Unibanco (R$ 10,5 bilhões) ou Bradesco (R$ 8,6
bilhões), mas os números servem de contraponto ao argumento de quem
acreditava que spread mais baixo se traduziria em queda nos lucros
bancários. “A Caixa foi quem mais reduziu os juros, mas suas operações
de crédito cresceram 40% e seu lucro, quase 20%”, explica Gustavo
Cavarzan, do Dieese. “Os demais, que diminuíram pouco os juros e estão
segurando o crédito, tiveram queda no lucro. A Caixa mostra que é
perfeitamente possível ao banco lucrar em cima do volume de crédito – e
não na taxa de juros.”

A redução dos juros cobrados pela Caixa e Banco do Brasil também jogou
luzes sobre um direito do consumidor que muita gente desconhece: a
portabilidade da dívida. Da mesma maneira que o dono de uma linha de
telefone celular pode trocar de operadora sem trocar de número, em busca
de melhores taxas e serviços, quem possui dívida com um banco pode
transferi-la para outro a qualquer momento – e pelas mesmas razões.
“Houve uma migração de crédito para os bancos públicos”, observa o
economista do Dieese.

O último relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central confirma a
tendência: de abril a setembro, “tanto a quantidade de operações
transferidas quanto o volume portado estiveram perto dos maiores valores
até hoje registrados”, diz o documento. “Esse processo é salutar, na
medida em que aumenta a concorrência entre as instituições, com
potencial impacto na redução de taxas e, consequentemente, na capacidade
de pagamento das empresas e das famílias.”

Para empresas e pessoas físicas que contraíram empréstimo, os efeitos
benéficos da redução dos juros e do spread bancário são óbvios. Porém,
quem não recorre ao mercado de crédito muitas vezes não consegue
entender o impacto da medida. “Isso tem um efeito dinâmico na economia”,
explica Gustavo Cavarzan, afirmando que as empresas agora podem
expandir seus negócios mais facilmente – e empregar mais. “Quem não toma
empréstimo diretamente poderá ser beneficiado pelo crescimento da
economia.”

O economista Luís Miguel Santacreu, analista da agência de classificação
de risco Austin Rating, enxerga a redução do spread dentro de um
contexto ainda mais amplo. “Há várias medidas do governo que buscam
reduzir o chamado ‘custo Brasil'”, argumenta. Apontado como uma das
barreiras ao desenvolvimento econômico do país, o “custo Brasil” é uma
expressão que resume o quão caro é produzir no território nacional. Esse
custo embute, por exemplo, o preço da energia, a carga tributária, os
encargos trabalhistas e os juros.

Além da cruzada contra o spread, o governo também está agindo sobre o
preço da eletricidade. Quedas de 16% a 28% na tarifa de energia já foram
anunciadas. “A redução dos custos da economia se tornou uma plataforma
da presidenta, veio pra ficar, e devemos analisar o que acontecerá nos
próximos dois anos.”


Expectativas – Por enquanto, os grandes responsáveis pela redução do spread foram os
bancos públicos – que também foram os protagonistas no aumento da oferta
de crédito. Entre abril e outubro, a Caixa reduziu de 8,04% a 4,22% ao
mês os juros cobrados no cheque especial, e o Banco do Brasil, de 8,65% a
5,29%. No mesmo período, as quedas promovidas pelas instituições
privadas foram apenas marginais: o Bradesco, por exemplo, baixou os
juros do cheque especial de 8,78% para 8,44% ao mês, e o Santander, de
10,31% para 10,13%.

“Os bancos privados agora estão anunciando campanhas publicitárias com
juros mais baixos, mas ainda estamos num momento de observação”, analisa
Santacreu. “Vamos observar com mais precisão os efeitos práticos da
medida apenas nos próximos balanços, e poderemos ver qual é realmente se
os bancos privados estão aderindo ou não às políticas de redução de
juros.” O analista da Austin Rating adianta, porém, que as instituições
financeiras apenas ampliaram sua oferta de crédito se vislumbrarem
possibilidades reais de lucro. “Os bancos não são passivos no assunto.
Eles tomam a decisão de quanto vão cobrar de cada cliente de acordo com
seus próprios interesses.”

Para os economistas do Dieese, a racionalidade dos bancos privados
demonstra a importância de ainda existirem instituições financeiras
públicas no país. “Dos seis bancos que controlam 80% do setor no país,
dois são públicos”, lembra Catia Uehara. “Isso é muito efetivo, porque é
possível agir através deles. Se é preciso baixar os juros e os bancos
privados não quiserem fazer nada, podem não fazer, mas vão perder
mercado – como já estão perdendo.”

Daí que a redução da Selic e do spread tenha sido vista como um “novo
marco” para o sistema bancário brasileiro, ou uma “mudança que gera
mudanças”, como classificou a revista Exame. A transformação trazida
pelo crédito mais barato tem sido, inclusive, comparada ao fim da
hiperinflação, possibilitada pelo Plano Real, em 1994. “Os bancos terão
que mudar”, atesta Gustavo Cavarzan. “A diferença é que hoje em dia o
setor está mais oligopolizado e as instituições são gigantescas.
Acredito que a adaptação será menos turbulenta do que foi nos anos 1990,
quando muitos bancos faliram. Mas pode demorar alguns anos.”


Caminhos – O economista do Dieese acredita que, a partir de agora, os bancos que
operam no país terão dois caminhos pela frente: um deles é ampliar a
oferta de crédito, lucrando na massa de empréstimos e não nos juros
altos cobrados de quem resolve emprestar dinheiro. “Há uma parcela
enorme da população que não tem acesso ao sistema bancário e está a fim
de acessá-lo”, diz Cavarzan. A outra trilha, continua, é cortar despesas
e aumentar a eficiência. “Isso não raro significa demissões.” Alguns
bancos já vêm adotando a segunda opção, como o Itaú Unibanco, que
demitiu 14 mil funcionários em pouco mais de um ano, e o Santander, que
há pouco anunciou o desligamento de mil empregados. Porém, continuam
colhendo lucros expressivos, que caíram, mas estão longe de significarem
prejuízo.

O Sindicato dos Bancários de São Paulo tem alertado que a queda de
arrecadação com os juros tem sido parcialmente compensada pelos bancos
com o aumento na cobrança de tarifas, o que resulta em maior carga sobre
os trabalhadores pelo cumprimento de metas. “As instituições
financeiras estão sendo pressionadas exatamente para serem mais
responsáveis com o consumidor e fortalecer o crescimento econômico do
país e não aumentar o valor das taxas para depois reclamar do aumento da
inadimplência”, disse recentemente a presidenta do sindicato, Juvandia
Moreira.

“É inaceitável que os trabalhadores paguem a conta desses ajustes dos
bancos para manter os seus lucros gigantescos e continuar se apropriando
da renda do país, na contramão da política de crescimento com
desenvolvimento econômico e social, inclusão e redução das
desigualdades”, acrescentou em nota o presidente da Confederação
Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Carlos
Cordeiro, ao encaminhar pedido de audiência ao ministro da Fazenda,
Guido Mantega, sobre a onda de demissões.

Para a Contraf-CUT, os bancos precisam contribuir com o desenvolvimento
sustentável do Brasil e garantir contrapartidas para a sociedade, “como
abertura de mais vagas, fim da rotatividade e melhores condições de
trabalho, bem como mais oferta de crédito com juros menores para
incentivar a produção e o consumo, a geração de novos empregos, a
distribuição de renda e o combate à miséria”.

Além de reduzir o spread, os bancos públicos também estão “atacando”
seus concorrentes privados pelo flanco as tarifas. Nos últimos 12 meses –
e impulsionados pela redução dos juros -, Bradesco, Itaú Unibanco e
Santander aumentaram suas tarifas e o preço de seus serviços em 16%, 8% e
11%, respectivamente.

Enquanto isso, o Banco do Brasil anunciou a redução de tarifas e preços
de pacotes em até 34%, válido a partir do dia 15 de outubro. Já a Caixa
prevê queda de até 25% nas tarifas. “Essa é uma tendência que ainda está
para se confirmar, mas que também é importante.” Entre os privados, o
Itaú Unibanco espera reduzir o preço de 15 tarifas para pessoas físicas e
oito para empresas. Segundo o banco, os percentuais de redução chegam a
32,5%.

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