Regulamentação da mídia é essencial para abrir espaço à verdadeira integração

Nesta quarta-feira (5), segundo dia da Cúpula Social do Mercosul que
acontece em Brasília, lideranças e militantes de movimentos sociais e
ONG’s latino-americanos debateram em grupos de trabalho propostas que
promovam a integração dos povos para além das trocas comerciais.

As propostas serão encaminhadas aos chefes de governo e suas
assessorias, que estarão reunidos em Brasília na próxima sexta-feira
para um encontro oficial do Mercosul. Será a primeira vez, desde a
criação do bloco, que os presidentes receberão, diretamente dos
movimentos sociais, uma plataforma de reivindicações. A Cúpula termina
amanhã, com uma plenária no Museu da República, localizado na Esplanada
dos Ministérios.

Em todos os grupos, reunidos em salas do Centro de Convenções Israel
Pinheiro, às margens do Lago Sul, chamou a atenção o grande número de
jovens presentes. Muitos deles, vindos de todos os países do bloco, são
estudantes da Unila (Universidade Federal da Integração
Latino-Americana), criada pelo governo brasileiro.


Cultura  – A primeira rodada de debates do grupo reunido em torno do tema
identidade debruçou-se sobre a integração cultural. Em mesa composta
pelo secretário de Cultura do DF, o poeta Hamilton “Pedro Tierra”
Pereira, e pelo representante do Instituto Pólis, Silvio Caccia Bava, os
debatedores procuraram formular encaminhamentos concretos.

A primeira medida proposta é exigir que os governos invistam no ensino
da língua espanhola para os estudantes brasileiros e no ensino da língua
portuguesa para os estudantes dos outros países.

Ainda na questão educacional, outra proposta é o estabelecer parcerias
entre as universidades públicas. O conteúdo pedagógico também deve ser
aperfeiçoado, a começar pela historiografia. “Não é possível que os
brasileiros continuem estudando sobre a Guerra do Paraguai com um olhar
tão diferente daquele que têm os jovens paraguaios”, exemplificou
Pereira. “É preciso a busca da verdade histórica”.

Os participantes decidiram também cobrar dos governos do Mercosul o
financiamento de políticas permanentes de produção e circulação de bens
culturais regionais e no estabelecimento de uma inédita política pública
de tradução, de forma a divulgar os conteúdos literários de cada país
entre seus vizinhos.

Por fim, por entenderem que a cultura e suas manifestações não podem
prescindir dos meios de comunicação em massa, os debatedores também
encaminharão aos governos a cobrança por mais financiamento para
veículos como a Telesur e a NBR, entre outras emissoras públicas. Os
meios de comunicação tradicionais reservam muito espaço aos valores
culturais e ideológicos europeus e estadunidenses, e muito pouco aos
latino-americanos, concluíram.

E foi justamente sobre comunicação de massa que o grupo debateu na mesa
realizada à tarde. A primeira unanimidade foi o apoio às medidas de
regulamentação da imprensa adotadas por Argentina e Venezuela, e o
encaminhamento de proposta semelhante aos demais governos do bloco.

O jornalista argentino Pedro Lanteri, do coletivo La Voz de Las Madres,
ao relatar a experiência de seu país na formulação da Ley de Médios,
que entra em vigor no próximo dia 7, deu motivos para encorajar a luta
nos outras nações do Mercosul: “Os movimentos sociais argentinos estão
lutando desde a redemocratização do país, há mais de 20 anos, para
aprovar essa lei. Foram vários projetos apresentados, todos derrubados
pelo Congresso e pelo lobby das grandes empresas”, contou.

Rosane Bertotti (com o microfone na mão):

Rosane Bertotti (com o microfone na mão): “Liberdade de expressão não combina com concentração”


A secretária nacional de Comunicação da CUT e coordenadora da FNDC
(Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), mediadora do
debate, afirmou: “A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são
valores que nós defendemos. Mas é preciso ter sempre em mente que para
que essas liberdades existam é preciso que haja meios de expressão para
todos, e não a alta concentração na mão de poucos grupos empresariais”.

Na comunicação digital, o grande desafio do Brasil, na opinião de
Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC, é livrar-se do
padrão ditado pelas grandes operadoras do sistema, como já fizeram
países como a Coreia do Sul.

“No Brasil, a média de nossa conexão em alta velocidade atinge 2 MB.
Enquanto isso, na Coréia, a conexão tem em média 100 MB. Isso porque o
Estado tomou para si a tarefa de regulamentar o serviço, sem deixar a
cargo das operadoras”.

A velocidade, porém, apesar de exemplo impactante sobre as diferenças,
não é o maior problema. Segundo Amadeu, quando as operadoras ditam as
normas, passam também a controlar os conteúdos, dificultando a produção
local e facilitando a vida das multinacionais.

“Os donos dos cabos por onde trafegam os dados passam a controlar o que trafega por esses mesmos cabos”, explicou.


Poder para o povo sulamericano – Na mesa que discutiu mecanismos de participação social no bloco, a
representante do programa Mercosul Solidário, María Aguerre defendeu a
importância de uma agenda comum à região criada a partir da participação
dos cidadãos.

“Devemos identificar agendas comuns a toda à região a partir da Cúpula
Social e vincular o cidadão ao processo de integração”, defendeu.


Real participação – Diretor da Secretaria do Mercosul em Montevideu, Jeferson Miola, também
avaliou que os movimentos sociais ainda não incidem no debate real.

Apesar de avanços como o aprofundamento das relações comerciais entre
os países – a circulação de valores passou de US$ 5 bilhões, em 1991,
para os atuais US$ 52 bilhões – e a incorporação de dimensões sociais a
partir de 2003, muito por conta do esforço dos ex-presidentes Luis
Inácio Lula da Silva (Brasil) e Néstor Kirchner (Argentina), os
instrumentos de participação social ainda são fracos.

Da mesma forma que os movimentos citaram no dia anterior, Miola apontou
como exemplos o Instituto do Mercosul, que corre o risco de fechar por
falta de financiamento e sequer está regulamentado, e o Parlamento do
Mercosul (Parlasul), que tem apenas caráter consultivo.

Movimentos sociais cobraram espaços de real participação no Mercosul

Movimentos sociais cobraram espaços de real participação no Mercosul


Ele lembrou também que apenas três instâncias tomadas pelos mundos
diplomático e econômico são responsáveis pelas decisões: a Comissão de
Comércio, o Grupo de Mercado Comum e o Conselho de Mercado Comum.

“A estrutura do Bloco ainda é aquela de quando surgiu, da época do
ápice do neoliberalismo. Mais de 90% das transações financeiras no
Mercosul ainda estão ligadas a setores monopolizados, como o automotivo,
com transnacionais que transferem os lucros para as matrizes. Os
governos populares não conseguiram fazer com que os avanços domésticos
estabelecessem uma primazia de Mercado. Esse aspecto ainda é algo a ser
conquistado.”


O momento é esse – Ele acredita ainda que o processo de integração é demorado, mas é
necessário que as nações fiquem atentas, já que os ciclos históricos não
são eternos.

“Hoje passamos por um momento virtuoso e nossa região precisa
aproveitar para consolidar um novo modelo de integração, diferente da
União Europeia e da Alca, onde há um déficit democrático no na
constituição desses processo de integração regional.”

O diretor acredita que é preciso adotar o conceito de governança
comunitária, combinar a democracia direta com a representativa – fazer,
por exemplo, com que o Parlasul seja deliberativo – e constituir arenas
de debate público além das cúpulas sociais.


Trabalho decente e migração – Livre circulação, extensão da proteção social a todos os trabalhadores e
o conceito de que os direitos são indivisíveis e universais foram os
principais eixos apontados pelos debatedores que integraram a mesa sobre
migração e trabalho decente.

Para o coordenador do Centro de Apoio ao Migrante, Paulo Illes, os
países tem de garantir dignidade ao trabalhador migrante, independente
de ele estar legalizado. E, nesse sentido, defendeu a Convenção da ONU
de 1999 sobre a proteção aos direitos dos migrantes e suas famílias, que
trata da igualdade de tratamento e combate ao trabalho forçado, entre
outros fatores.   

“No Mercosul, Argentina e Uruguai já aderiram, mas Brasil e Venezuela,
não. E essa adesão seria um marco para as políticas migratórias
regionais”, apontou.

Por fim, Illes destacou como prioridades a necessidade de os países do
Mercosul criarem um sistema de atendimento com informações sobre
políticas migratórias e direitos sociais na região e o direito ao voto.

“Esses dois pontos são fundamentais para que o migrante possa exercer sua cidadania.”

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