O casamento de mais de 20 anos não resistiu às constantes agressões
verbais e físicas. Geralmente motivados por ciúme de “amantes
imaginários”, os ataque intensificaram-se ao longo dos últimos sete anos
até que, há cerca de um mês, a auxiliar de serviços gerais Marcela*, 39
anos, decidiu “dar um basta à violência”.
Depois de ser ameaçada pelo marido com um facão, ela foi até uma
delegacia especializada de atendimento à mulher no Distrito Federal e
denunciou o pai de seus três filhos.
“Era uma humilhação muito grande, principalmente quando as agressões
ocorriam na frente dos meus filhos. Ele me xingava de tudo, de baleia,
égua, capeta. Mas foi quando ele me ameaçou com um facão que eu vi que
poderia virar uma tragédia maior. Decidi pedir ajuda”, disse ela, que
foi encaminhada a uma casa-abrigo da região. O endereço do local, que
faz parte da rede de atendimento do governo do DF é mantido em sigilo.
Casos como o de Marcela são frequentes no Brasil. Segundo dados da
Secretaria de Políticas para Mulheres, o Disque 180, que recebe
denúncias e oferece orientações às vítimas, registrou no primeiro
semestre deste ano, 47,5 mil atendimentos com relatos de violência,
sendo a maior parte (26,9 mil) de violência física.
Para vencer o medo, apontado por especialistas como principal razão para
que muitas mulheres deixem de denunciar agressores, Marcela disse que
pensou nos filhos.
“Por muito tempo, eu aguentei aquela humilhação por causa deles. Tinha
medo de que sem o pai por perto, eles se metessem com a criminalidade da
área onde morávamos. Mas depois vi que, se eu morresse, seria muito
pior”, disse.
“Hoje, apesar de estar presa em um lugar sigiloso, me refazendo, sinto
que estou livre. Não vou me esconder por muito tempo. Estou recebendo
muito apoio lá dentro e em breve vou retomar minha vida”, acrescentou.
O medo de morrer também foi o que impulsionou a universitária Ana
Barbosa*, 25 anos, a procurar uma delegacia para denunciar o homem com
quem vivia há dois anos e meio. Cansada dos xingamentos e dos “ataques
de ciúmes”, ela fugiu de casa ferida e “quase sem força física” após
sofrer tentativa de sufocamento.
“Ele tentou me matar, apertando meu pescoço com muita força. Eu mal
conseguia andar, mas fugi praticamente sem roupa e fui até a delegacia.
Não aguentava mais aquela situação, mas eu era apaixonada por ele e não
queria ficar longe”, disse ela, que também foi encaminhada a uma
casa-abrigo no Distrito Federal.
As mãos trêmulas, a voz embargada e as lágrimas nos olhos ao falar do
assunto são apenas algumas das consequências que o trauma deixou. Mesmo
sem saber como será a vida após deixar o local, ela garante que não se
arrepende.
“Não me arrependo porque eu não tinha saída. Ele ia me matar, estava
transtornado. Ele costumava inventar histórias de traição e me batia e
xingava. Seu eu não confirmasse as fantasias da cabeça dele e criasse
outros detalhes, ele me batia mais”, disse.
* Os nomes utilizados na matéria são fictícios para preservar a identidade das vítimas.