A renda do brasileiro cresceu na última década, mas as dívidas também.
Em sete anos, o indicador que mede o comprometimento da renda das
famílias quase dobrou, atingindo perto de 44%, segundo o Banco Central.
O aperto para quitar os compromissos financeiros, principalmente o
cartão de crédito, tem feito crescer os conflitos com os bancos. Juros
considerados altos demais, revisão de extratos e até ações para cancelar
a conta têm entulhado o Judiciário.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que listou os 100 maiores
conflitos do país, mostram que a cada mil processos que chegam aos
tribunais, 380 envolvem os bancos. Nos tribunais estaduais, o percentual
chega a 54%. Para o consumidor envolvido em uma demanda judicial, mesmo
que simples, o prazo de espera não costuma ser inferior a 12 meses.
Para tentar desafogar o Judiciário, aliviar o consumidor – que tem a
chance de negociar valores e prazos – e também as instituições
financeiras que podem receber dívidas em atraso, o Poder Judiciário tem
promovido mutirões bancários de conciliação. A partir desta
segunda-feira (22), no Fórum Lafayete, 1.177 processos sairão das varas
cíveis com boas chances de ser resolvidos pela conciliação. A
expectativa do setor judiciário é de solucionar pelo menos 60% dos
processos.
Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), no ano passado,
somente em Minas, mais de 10,4 mil acordos foram realizados em ações
judiciais envolvendo as principais instituições financeiras privadas do
país, o que representa índice superior a 40% considerando os processos
passíveis de conciliação.
O mutirão que começa hoje vai até sexta-feira, desta vez envolvendo
processos do Itaú Unibanco. Cerca de 50% dessas ações foram movidas pela
instituição, outra metade pelos consumidores.
O juiz coordenador do Mutirão de Conciliação Bancária, Roberto Oliveira
Silva, explica que as principais demandas dizem respeito a ações que se
repetem nos tribunais, envolvendo temas como revisões bancárias para
valores de juros, correção monetária, taxas cobradas para serviços de
terceiros, também ações de indenizações e execuções.
“É uma oportunidade para o consumidor negociar suas dívidas em melhores
condições. É vantajoso também para a instituição financeira que vai
receber a dívida”, disse.
Aberta a temporada de mutirões de conciliação – As pendências envolvendo os sistemas financeiros lideram também os
rankings dos Procons e dos juizados especiais de pequenas causas. O
mestre de obras Aldair Soares Coelho tinha quatro cartões de crédito e
acabou caindo na roda-viva dos juros, capazes de fazer rapidamente a
dívida dobrar.
Sem conseguir resolver a pendência com os bancos, ele recorreu ao
Procon. “Foi bom. De quase R$ 6 mil, a dívida caiu para R$ 3.450,
dividida em 10 vezes”, conta aliviado. Aldair ainda tenta negociar com
outros dois bancos, mas não tem considerado o processo fácil.
Agilidade na pauta – O advogado Bernardo Junqueira, sócio-diretor da Ananias Junqueira Ferraz
& Advogados e um dos idealizadores dos mutirões bancários em Belo
Horizonte, diz que a manutenção das demandas afoga o Poder Judiciário e
não é interessante para as partes. Segundo ele, até 70% das ações que
chegam aos tribunais poderiam ser resolvidas pela conciliação.
Junqueira lembra que um único juiz chega a ter perto de 10 mil processos
ativos. “Uma decisão demorada é uma decisão injusta. Se a decisão não
for célere, o direito perece”, diz o especialista.
De acordo com ele, que estará à frente do mutirão do Itaú-Unibanco,
realizado em parceria com o Tribunal de Justiça (TJ), em dois anos de
atividade, cerca de 2,5 mil processos envolvendo a instituição
financeira foram resolvidos.
A Febraban diz em nota que, apesar do grande volume de processos, os
bancos estão colocando em prática políticas de conciliação, sendo que os
mutirões judiciais são apenas uma dessas iniciativas em que as
instituições financeiras têm a oportunidade de indicar os processos e,
quando há comparecimento do cliente, o êxito nas conciliações é superior
a 40%.
O que diz o código
Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as
tornem excessivamente onerosas.
Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas
contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem
o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a
boa-fé ou a equidade; Presume-se exagerada, entre outros casos, a
vantagem que:
I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza
do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio
contratual;
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor,
considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das
partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.