A juíza Daniele Maranhão Costa, da 5ª Vara da Seção Judiciária do
DF, acatou denúncia apontando dano ao erário, enriquecimento ilícito e
violação aos princípios administrativos no caso Banco Econômico. São
réus nessa ação, além do ex-ministro e banqueiro Ângelo Calmon de Sá,
praticamente toda a equipe econômica do governo FHC, incluindo o
ex-ministro Pedro Malan, os ex-presidentes do BC Gustavo Loyola e
Gustavo Franco. O artigo é de Laurez Cerqueira.
Brasília – Em agosto de 1995,
funcionários do Banco Central que trabalhavam numa auditoria contábil,
financeira e patrimonial, nas dependências do Banco Econômico, sob
intervenção, encontraram na sala do ex-dono do banco, Ângelo Calmon de
Sá, uma pasta de cor rosa com documentos com fortes indícios de serem de
doações de dinheiro a campanhas eleitorais. A existência dessa pasta
só se tornou pública em dezembro daquele ano.
A pasta continha
um fax enviado em 2 de agosto de 1990, pelo então presidente da
Federação Brasileira dos Bancos, Léo Wallace Cochrane Júnior, para
Ângelo Calmon de Sá. Nela havia recibos e notas fiscais de serviços
supostamente prestados a campanhas eleitorais e uma lista que
relacionava nomes de vários políticos a quantias em dinheiro recebidas.O
fax enviado pelo banqueiro Wallace Cochrane Júnior era uma
classificação dada pela Febraban – Federação Brasileira dos Bancos aos
candidatos à eleição de 1990, com o objetivo de facilitar aos banqueiros
a escolha dos políticos que lhes interessariam ajudar financeiramente.
A lista continha nomes de candidatos a governador, senador e deputado
federal, que concorreram nas eleições de 90, relacionados a notas em
escala de 1 a 10.
Nesta lista estavam os nomes de Luís Eduardo
Magalhães, PFL/BA, José Serra, PSDB/SP, Francisco Dornelles, PPB/RJ,
José Sarney, PMDB/AP e muitos outros, num total de 45 políticos. Em
1990 a legislação eleitoral proibia a doação de dinheiro por empresas a
candidatos. Em 1994 essa prática foi legalizada por nova lei.
Em
meio à papelada foram encontrados também comprovantes de pagamentos
como recibos, notas fiscais de produtoras de vídeo, de agência de
turismo e de instituto de pesquisa que teria prestado serviços à
candidatura de José Agripino Maia, PFL, do Rio Grande do Norte, ao
Senado. Todos os gastos relacionados aparecem como tendo sido um serviço
prestado ao Banco Econômico. Algumas dessas notas seriam falsas e
teriam sido emitidas por empresas “fantasmas”, segundo noticiário da
época.
Um outro grupo de documentos continha uma espécie de
contabilidade sobre o financiamento de campanhas eleitorais, da qual
constam os nomes dos candidatos e respectivos valores parciais e totais
ao lado deles. Nessa segunda listagem o valor total das notas fiscais
somadas chegava a US$ 2,5 milhões de dólares. Os números variam de
político para político, sendo que os valores mais elevados estavam
listados ao lado de candidatos a cargos mais importantes, como de
governadores. Quem mais teria recebido dinheiro naquela eleição,
segundo os documentos, teria sido Antônio Carlos Magalhães, PFL/BA, que
era candidato ao Senado. Ele teria levado 45% de todas as doações da
“pasta rosa”, um total de US$ 1,1 milhão de dólares, informou a revista
Istoé, na época.
Os candidatos constantes do fax da Febraban,
segundo informou Cochrane à imprensa, eram apenas “indicações”, não
haviam recebido, necessariamente, dinheiro do Banco Econômico. Dos 45
listados sete deputados estavam na relação de beneficiados: Benito Gama,
PFL/BA, Manoel Castro, PFL/BA, José Lourenço, PFL/BA, Carlos Sant’Anna,
PFL/BA, Eraldo Tinoco, PFL/BA, Leur Lomanto, PFL/BA e Genebaldo Corrêa,
PMDB, este último, um do grupo dos chamados “anões do orçamento”,
cassado por corrupção, depois de investigado pela CPI do Orçamento, nos
anos 90. Além desses, mais 19 políticos constavam da lista dos
beneficiados pelas doações. Os políticos baianos listados faziam parte
do grupo do ex-senador Antônio Carlos Magalhães, na época grande
acionista do Banco Econômico, de propriedade do amigo Ângelo Calmon de
Sá, também sócio em outros negócios com o banqueiro.
Apenas para
refrescar a memória, Ângelo Calmon de Sá foi Ministro da Indústria e
Comércio do Governo do general ditador Ernesto Geisel. Foi um fiel
colaborador e escudeiro dos governos militares, apoiou as candidaturas
de Fernando Collor de Melo e de Fernando Henrique Cardoso, juntamente
com o ex-senador baiano Antônio Carlos Magalhães, principal articulador e
fiador da aliança PSDB-PFL, que dominou a política brasileira nos anos
90.
O Banco Econômico foi socorrido numa operação que custou R$
3 bilhões dos cofres do famoso PROER – Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional,
criado pelo governo Fernando Henrique Cardoso para salvar bancos
particulares, quando José Serra era ministro do Planejamento. O PROER,
uma espécie de “cesta básica” para banqueiros, consumiu R$ 37 bilhões de
recursos públicos.
No decorrer das investigações sobre as
atividades do Banco Econômico, em fevereiro de 1996, Ângelo Calmon de Sá
foi indiciado por crime de sonegação fiscal e do “colarinho-branco”.
Em seguida, numa atitude que causou perplexidade a quem acompanhava as
investigações sobre a acusação de financiamento de campanha por bancos,
entre eles o Banco Econômico, o Procurador-geral da República, Geraldo
Brindeiro, apelidado de “Engavetador-geral da Republica” pediu ao
Supremo Tribunal Federal o arquivamento do processo sobre os políticos
acusados de receber dinheiro de instituições financeiras para suas
campanhas eleitorais, alegando falta de provas, e o STF acatou, cobrindo
com um manto de mistério um dos maiores escândalos sobre financiamento
de campanhas eleitorais da história recente do Brasil.
Mas,
felizmente a coisa não parou por aí. Recentemente, a juíza Daniele
Maranhão Costa, da 5ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal,
acatou denúncia apontando dano ao erário, enriquecimento ilícito e
violação aos princípios administrativos no caso Banco Econômico. São
réus nessa ação, além do ex-ministro e banqueiro Ângelo Calmon de Sá,
praticamente toda a equipe econômica do governo Fernando Henrique
Cardoso, incluindo o ex-ministro Pedro Malan, os ex-presidentes do Banco
Central Gustavo Loyola e Gustavo Franco, que, aliás, tornaram-se
banqueiros depois que deixaram o governo. Todos serão novamente
investigados, e, quem sabe o “recheio da pasta rosa” venha à tona para
assustar mortos e vivos?
(*) Jornalista e escritor, autor de “Florestan Fernandes vida e obra” e “Florestan Fernandes – um mestre radical.”