Há um mês, o Congresso do Paraguai iniciava o processo de julgamento
político do presidente eleito Fernando Lugo, que horas depois culminava
em mais um golpe de Estado na América Latina. Para marcar a data e se
somar a uma série de protestos que ocorreram neste final de semana no
Paraguai e em diversas cidades do continente, organizações que
representam imigrantes paraguaios no país, além de partidos políticos,
sindicatos e movimentos populares, realizaram um ato na tarde deste
domingo (22/06), em São Paulo.
O local escolhido foi a Praça
Nicolau Morais de Barros, conhecida como Praça dos Paraguaios, no bairro
da Barra Funda. Ponto de encontro tradicional das famílias de
paraguaios que vivem em São Paulo, a praça, neste domingo ensolarado,
foi palco não apenas do futebol, tão praticado pelos latinos, mas de
muito protesto e indignação.
“Precisamos acordar para o que está
acontecendo agora em nosso país. Não podemos permitir que somente alguns
enriqueçam explorando o Paraguai. Trabalhamos dia após dia aqui no
Brasil para apoiar nossas famílias, que estão lá. Temos uma história a
defender”, afirmou Cristina Romero, da Associação Japayke, que significa
“despertar” em guarani.
Também integrante da Japayke e do Centro
Brasileiro de Solidariedade aos Povos em Luta pela Paz. (Cebrapaz), o
jovem Leo Ramirez, estudante de Relações Internacionais aqui no Brasil
criticou o golpe, praticado “por setores políticos que historicamente se
matavam pelo poder em guerras civis e que agora decidiram se unir para
derrubar um governo eleito pelo voto popular”.
Ele lembrou que o
povo paraguaio vem resistindo ao golpe e se manifestando diariamente no
país, em cidades como Villa Rica, Caaguazú, Cidade de Leste,
Encarnación, Concepción e, principalmente, Assunção. Mas os protestos
são invizibilizados pela imprensa, e parte da população tem medo de se
manifestar porque pesa no país a “cultura do garrote” (da “porrada”).
Apesar de achar que as chances de Fernando Lugo voltar ao poder são
remotas, Ramirez acredita que o descontentamento da população está
crescendo e que a esquerda, por mais contraditório que pareça, está
passando por seu melhor momento.
“Os grupos progressistas no
Paraguai estão dando seus primeiros passos. Foram inocentes no começo,
apesar da experiência política que tinham. Historicamente, democracia no
Paraguai só funciona para quem tem dinheiro. O que temos que fazer
agora é politizar as pessoas, explicar as consequências do golpe para o
povo. Acredito que nosso melhor momento ainda vai vir. Mas dependemos de
ajuda para que o Paraguai não caia de novo numa ditadura”, acredita.
“Se
a esquerda não se unir para as próximas eleições, de 2013, não vai
conseguir se eleger. É preciso discutir política de Estado, para que o
povo saiba diferenciar esquerda e direita. No Paraguai, orientação
política é algo que vem de família, como time de futebol. Mas acredito
que a geração que nasceu pós-ditadura vai fazer diferença, se tiver
coragem e sair às ruas por seus direitos”, afirmou Leo Ramirez.
Solidariedade internacional
Um
mês após o golpe, a solidariedade internacional com a esquerda
paraguaia e o governo eleito democraticamente do Presidente Lugo
continua. Desde este sábado, até a próxima terça-feira, acontece no
Paraguaia uma jornada de atividades de apoio promovidas por partidos de
esquerda da América Latina que integram o Foro de São Paulo. Neste final
de semana, representantes do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile se
reuniram com parlamentares da Frente em Defesa da Democracia e Frente
Guasu. Eles também terão reuniões com o movimento campesino, que esteve
no centro do conflito que antecedeu ao golpe, liderado pelos políticos
do Partido Liberal, Partido Colorado, PPQ e UNACE.
“O latifúndio
está no centro do golpe no Paraguai. Lá, 85% das terras estão nas mãos
de 2% de latifundiários. Ganham do Brasil no índice de concentração de
terra. Sabemos que a luta dos trabalhadores sem terra no Paraguai foi
usada como pretexto para o golpe; assassinaram os trabalhadores para
culpar o governo Lugo. Mas a culpa é do latifúndio, que impediu, durante
todo o governo Lugo, os avanços progressistas. Basta lembrar do papel
da Monsanto para desestabilizar o governo. Foram o latifúndio, o
imperialismo e os partidos corruptos de direita, que há tempos dominam a
política do Paraguai, os responsáveis por este golpe”, afirmou Igor
Felippe Santos, do MST.
O MST, assim como diversas organizações
presentes ao ato, cobraram do governo brasileiro medidas mais firmes
contra os golpistas e o governo Franco. Para os imigrantes paraguaios,
apesar das sanções econômicas poderem prejudicar a população local,
seria necessário que elas fossem impostas pelo Mercosul, pois só assim o
regime de Franco seria atingido.
Neste domingo, o Tribunal
Permanente do Mercosul rechaçou o pedido do governo Federico Franco para
tornar sem efeito a suspensão decidida pelos demais integrantes do
bloco, por conta da destituição de Lugo. Franco apresentou o recurso por
conta da sanção e da decisão de incluir a Venezuela como membro pleno
do bloco que inclui ainda Brasil, Argentina e Uruguai.
O tribunal
afirmou que não estavam “presentes todos os requisitos de
admissibilidade do processo de urgência excepcional” e que era
“inadmissível, nesta instância, a medida provisória solicitada (pelo
Paraguai) sob demanda” para reverter a decisão dos seus integrantes,
segundo laudo divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores
paraguaio.
“Este foi um golpe como todos os outros; temos os
mesmos inimigos que os irmãos paraguaios. Por isso esta é uma luta de
todos os trabalhadores, da América Latina e do mundo, que lutam contra o
imperialismo”, disse Ana Luíza Figueiredo, candidata à Prefeitura de
São Paulo pelo PSTU.
“Há um novo ciclo político na América
Latina. O que passou no Paraguai é uma fase deste ciclo, que pode se
repetir em outros países. Vivemos neste momento a batalha pela segunda e
verdadeira independência da nossa Pátria Grande. Houve uma derrota
temporária. Mas a luta de restituir a democracia no Paraguai também é
noss”, concluiu Ricardo Abreu (Alemão), diretor de Relações
Internacionais do PCdoB.